A imprensa, de morro em morro
Os jornais abrem o ano com a tradicional contagem dos mortos por causa de morros que deslizam e casas que desabam com as fortes chuvas do início do verão.
Mas há uma diferença flagrante de morro para morro: há os morros dos pobres e os morros dos ricos.
Em algumas dessas geografias, a culpa pela tragédia, na visão da imprensa, é sempre das vítimas, que insistem em ocupar ilegalmente áreas de encostas e outras topografias sujeitas a desmoronamentos e enchentes.
No máximo, autoridades que toleram tais invasões compartilham a condenação da imprensa.
Em outras geografias, a culpa é simplesmente da natureza.
Ou seja, a imprensa parece ver uma enorme diferença entre morros com barracos e morros com construções mais sofisticadas.
Ou será que as mansões de celebridades erguidas em áreas de proteção da Ilha Grande e outros locais do litoral brasileiro não deveriam também estar sujeitas ao crivo da imprensa, tanto quanto os amontoados de casas e barracos que sobem as encostas em lugares menos charmosos?
É muito provável que, em alguns dos casos, as autoridades encarregadas tenham falhado ou se omitido.
Também é muito provável que, em outros casos, essas mesmas autoridades tenham sido simplesmente subornadas.
Até esta segunda-feira, os jornais ainda escondiam, por exemplo, que em junho de 2009 o governador do Rio liberou as regras para construções em áreas de preservação ambiental em Angra e outras regiões do Estado.
O decreto, de no. 41.921, é conhecido como “lei Luciano Huck”, porque teria sido feito para beneficiar o apresentador da talevisão.
Quando busca as causas das tragédias que se repetem regularmente, nesta época do ano, a imprensa costuma escorregar pelos chavões das chuvas recordes e da inadequação das construções.
Mas nunca se aprofunda na investigação dos processos de ocupação de áreas de risco ou de áreas de proteção ambiental por propriedades privadas.
Praias fechadas por condomínios ou casas particulares são parte dessas irregularidades.
Quando os morros deslizam, revela-se não apenas a precariedade das construções.
Revelam-se também o descaso das autoridades e a omissão da imprensa.
Lesando o assinante
Alberto Dines:
– Jornais são impressos para serem lidos e, para serem lidos e respeitados, não podem esquecer seu contrato com o leitor cidadão: oferecer todos os dias as notícias mais importantes e atuais. Pois as edições da sexta-feira, dia 1º, da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo romperam acintosamente este compromisso porque foram entregues aos seus assinantes para serem descartadas, sem os fatos mais importantes. Combinados, desrespeitando o compromisso da concorrência, os jornalões paulistanos foram impressos no início da noite, na mesma hora, mesmo sabendo que frustrariam os seus leitores mais fieis – os assinantes – surrupiando-lhes os dois fatos mais importantes da noite: o sorteio da Mega-Sena da Virada, que teve 60 milhões de apostadores e a passagem do ano, à meia noite, que empolga o mundo inteiro.
Mas a edição do Globo que é impresso no Rio de Janeiro, a mais de 400 quilômetros de distância, foi entregue na mesma manhã de sexta-feira aos seus assinantes em S. Paulo, com uma deslumbrante cobertura dos festejos cariocas, o resultado da Mega-Sena e mais: ao relatar o trágico balanço das chuvas do dia anterior ofereceu evidências de que a Defesa Civil de Angra dos Reis já estava em alerta desde a véspera “porque o solo está saturado com o excesso de chuva” conforme declarou o prefeito [p. 17].
Qual a lógica de lesar o leitor? Ao invés de rodar em torno das 19 horas, o Estadão e a Folha não poderiam ser impressos pouco depois da meia-noite e distribuídos rapidamente numa cidade deserta? A lógica que imperou nos jornalões paulistas foi a do menor esforço e do desprezo pelo consumidor. É a mesma lógica que leva as empresas jornalísticas a se resignarem ao fim próximo da mídia impressa.
A desculpa de que a passagem do ano seria acompanhada espetacularmente ao vivo e em cores pelas redes de TV é esfarrapada, porque todas as noites os telejornais se antecipam aos diários do dia seguinte e, nem por isso, estes deixam de empenhar-se em oferecer uma cobertura esmerada e completa. Este jornalismo burocrático, sem alma, tem um preço que já está sendo cobrado pelo público.