Batendo cabeça
A menos de 50 dias da abertura da 15a. Conferência das Partes em Copenhague, da qual devem sair as decisões de governos para reorientar as atividades econômicas e sociais para reverter o quadro do aquecimento global, o governo brasileiro ainda se perde em discussões burocráticas e demonstra não ter avaliado a importância do evento.
A CoP15 é parte do processo chamado Conferência Quadro da ONU sobre Mudança do Clima e deve marcar uma nova etapa do processo de mudanças no sistema econômico mundial, criando regras e procedimentos mais adequados ao advento das tecnologias revolucionárias das últimas décadas e à necessidade de reverter o quadro ambiental que ameaça o futuro da humanidade.
O núcleo decisório do governo se prende a um detalhe burocrático, o de que o Brasil não precisa apresentar uma meta por não pertencer ao grupo dos países industrializados há mais tempo – componentes do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto.
Parte dos auxiliares do presidente não enxerga a oportunidade de assumir a liderança mundial para as mudanças.
Para o governo, limitar o desmatamento anual até 2020 em 80% dos atuais índices (19 mil km2 de desmatamento por ano) e estimular a substituição de derivados de petróleo por biocombustíveis seriam medidas suficientes para fazer boa figura em Copenhague.
Trata-se de um equívoco de tal monta que pode criar uma limitação grave ao desenvolvimento do País em médio prazo.
O mito de que o crescimento econômico em si seria a maneira correta de atacar as desigualdades sociais e prover recursos para o Estado fiscalizar as atividades econômicas predatórias está no centro das vacilações do atual governo.
Faz parte do imaginário de uma geração de líderes que sempre considerou o movimento ambientalista como inimigo dos interesses dos trabalhadores, por exigir das empresas que apliquem parte considerável de seus recursos na redução da poluição.
Para muitos sindicalistas e líderes políticos dos anos 80, os ambientalistas apenas propunham aumento de gastos, o que reduziria as possibilidades de benefícios salariais aos trabalhadores.
Essa postura repete a antiga falácia de que é preciso fazer crescer o bolo econômico para depois redistribuir os benefícios do desenvolvimento, ao postular-se a tese de que é preciso garantir o crescimento econômico para compor recursos para a sustentabilidade.
De modo geral, a imprensa concorda com essa assertiva, mas já se mostra mais sensível aos argumentos dos especialistas que exigem um compromisso mais sério do Brasil em Copenhague.
Abordagem transversal
O Globo é o único dos três jornais de relevância nacional a dar destaque ao tema, na edição desta quinta-feira.
Em reportagem de página inteira, relata as divergências internas no Ministério, com claras referências às controvérsias entre os chamados desenvolvimentistas – adeptos de menos controle sobre os investimentos como forma de estimular o crescimento da economia – e o grupo que enxerga a chance de o País adotar uma estratégia de desenvolvimento sustentável.
Mas falta, de modo geral, em toda a imprensa, uma visão permanente daquilo que está em jogo.
O noticiário ainda é fragmentado, e para entender o quadro todo o leitor teria que contar com tempo extra e disponibilidade para consultar outras fontes de informação.
Talvez a solução fosse tratar nos jornais diários dos acontecimentos isolados relativos à questão ambiental e periodicamente fazer uma remissão ao quadro geral dos temas que serão discutidos em Copenhague, fazendo referência à relação entre a questão ambiental e o cenário econômico.
Essa abordagem transversal poderia facilitar o entendimento do leitor de que muitas outras notícias do jornal estão conectadas ao problema central do aquecimento global e das carências sociais.
Veja-se, por exemplo, o noticiário político.
Segundo os jornais, a reunião da Comissão de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara dos Deputados, que deveria votar o novo Código Florestal, foi cancelada nesta quarta-feira, por falta de quorum, apesar da forte presença de deputados na sala.
Organizados para levar adiante a proposta de flexibilização da legislação de proteção ambiental, os parlamentares ruralistas se negaram a assinar a lista de presença para forçar a suspensão.
Segundo o Globo, um dos líderes ruralistas admitiu que os deputados forçaram o adiamento da votação “por causa da pressão da grande mídia”.
Esse é um dos papéis da imprensa: impedir que o Legislativo tome decisões importantes como essa longe do olhar da sociedade.