A polícia entra em campo
A evolução da crise no Senado Federal produz uma situação inusitada, com a qual a imprensa não está habituada a lidar: o enredo misturou “bandidos” e “mocinhos” e se torna difícil, talvez impossível, estabelecer um grau de inocência e independência capaz de definir quem julga quem.
A rigor, todos os partidos que se digladiam no noticiário têm um ou mais representantes beneficiados por alguma das irregularidades que compõem o grande escândalo da história do Congresso Nacional.
Os jornais desta quarta-feira noticiam que o Partido Democratas, o PSDB e o PDT pediram formalmente que o presidente do Senado, José Sarney, se licencie para que uma comissão possa investigar as denúncias.
Mas outros integrantes da mesa diretora, pertencentes a partidos que pedem a saída de Sarney, se consideraram atingidos pela sugestão, e se negam a abrir mão dos cargos.
Afinal, como observam alguns comentaristas, as decisões administrativas que causaram a crise não foram tomadas exclusivamente pelo presidente da casa, mas também pelo secretário geral, e referendadas por outros integrantes da mesa diretora.
O primeiro secretário do Senado, Heráclito Fortes, que é do oposicionista Partido Democratas, sacudiu as bochechas para dizer que não aceita a intervenção de uma comissão externa à mesa diretora na investigação do escândalo.
Alega que seria um golpe contra os integrantes da mesa, eleitos democraticamente.
A situação bizarra, na qual oposicionistas defendem o principal aliado do governo no Senado, resulta da própria trama que levou José Sarney pela terceira vez à presidência da casa: afinal, ele foi eleito graças a uma exótica aliança entre o Democratas e o PT.
Enquanto os políticos tentam desenrolar o emaranhado de interesses em que se meteram, entra em cena a cavalaria ligeira.
Segundo os jornais desta quarta, a Polícia Federal vai intimar o neto de Sarney, José Adriano, para depor sobre suas atividades como corretor de empréstimos e seguros no Senado.
De quebra, Sarney também será investigado e provavelmente deverá passar pelo constrangimento de ter que depor diante de um delegado.
Quando a polícia tem que ser chamada para resolver um problema na principal casa do Congresso, a coisa vai mal.
Muito mal.
Lições da derrota
O casal Kirchner parece ter entendido o recado das urnas: uma mudança radical no trato com a imprensa por parte do governo argentino é o primeiro sinal das novas relações.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– A importante derrota do casal Kirchner nas eleições legislativas de domingo passado inaugura uma fase de incertezas na Argentina, a terceira economia latino-americana, ao mesmo tempo em que deixa lições preciosas no tocante ao relacionamento dos governantes com a mídia.
É mais do que conhecida a má vontade de Néstor e Cristina Kirchner com a imprensa de seu país. Tanto no período presidencial do primeiro como no governo da segunda, a opção sempre foi pelo confronto e pela alta temperatura das acusações mútuas. Isso somado a um estilo de gestão absolutamente centralizador, na base do “quem não é meu subordinado é meu inimigo”, inflação em alta e aumento da pobreza e da insegurança, redundou no fracasso dos candidatos oficialistas na eleição de domingo e na perda da maioria governista na Câmara e no Senado.
Néstor Kirchner, candidato a deputado, admitiu a derrota na madrugada de segunda-feira, ainda antes dos resultados finais, numa inusual conversa com jornalistas no quartel-general de sua campanha. Horas depois, renunciaria à presidência do Partido Justicialista.
De todo modo, seu longo bate-papo com os repórteres, em tom “manifestadamente calmo”, como anotou o diário Clarín, pode ser um sinal sobre o que virá adiante. O governo deverá negociar mais com o Congresso e, quem sabe, falar mais francamente com a imprensa. Até porque não será possível culpar a mídia pelo tombo que levou nas urnas.