A Amazônia ilegal
Em meio aos debates sobre o modo como o Brasil administra seu
patrimônio natural, que se estendem para fora do Brasil e excitam a
imprensa internacional, o presidente da República anunciou ontem a
criação de três das cinco reservas previstas para a região amazônica.
Os jornais, em peso, destacaram a frase de Lula dizendo que a Amazônia
é igual água benta, todo mundo acha que pode meter o dedo.
Mas deixaram de lado alguns detalhes importantes.
Um desses detalhes é a natureza de cada reserva.
Alguns dos maiores especialistas em Amazônia discutem a eficâcia de
parques nacionais e reservas naturais em regiões da floresta onde
existe minério ou em áreas próximas de zonas desmatadas.
Em muitos casos, projetos de manejo integrado são mais eficazes para
garantir a preservação.
Os jornais passaram ao largo dessa discussão.
Outra questão é a razão pela qual as outras duas reservas previstas
não foram aprovadas.
Uma delas fica em área rica em bauxita, e o governo preferiu evitar
que a criação da reserva viesse a impedir no futuro a extração do
minério.
Essa era uma oportunidade interessante para a imprensa questionar a
falta de uma estratégia de longo prazo para a Amazônia, que permita
conciliar a preservação da floresta, o bem-estar das populações
nativas e a necessidade econômica de explorar suas riquezas.
A criação de reservas, por si só, não melhora as condições de proteção
do patrimônio natural, porque é impossível patrulhar toda sua
extensão.
Mas o único jornal que deixou o discurso do presidente em segundo
plano e tentou olhar para a questão amazônica de uma forma mais
abrangente foi o Globo.
O Globo informa que 8,5% da Amazônia, cerca de 42 milhões de hectares
estão em situação irregular ou fora do controle do governo.
São terras não documentadas, ou com documentos falsos e sobreposição de títulos.
Para se ter uma idéia, observa o jornal, a área equivale aos
territórios dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo,
Paraíba e Sergipe. Somados.
É uma área maior do que a Alemanha e praticamente o dobro do
território britânico sobre a qual o Brasil não tem soberania.
Ali se pode desmatar impunemente, pois não há como multar os proprietários.
E a imprensa não vê que essa terra de ninguém é que acaba se
transformando na ponta de lança da agropecuária na Amazônia.
Essa é uma das ocasiões em que os jornais dão a notícia, mas não
ajudam o leitor a entender a verdade.
Dois pesos, duas medidas
No período em que denunciava o chamado ‘apagão aéreo’, a imprensa
tratou a ex-diretora da Agência Nacional da Aviação Civil Denise Abreu
como criminosa.
Só faltou responsabilizá-la pela tragédia com o Airbus da TAM.
Hoje Denise Abreu tem reputação suficiente para servir de fonte em
declarações contra a ministra da Casa Civil.
Alberto Dines:
– Há pouco mais de um ano, Denise Abreu, ex-diretora da ANAC, estava sob
o fogo cerrado da imprensa como uma das responsáveis pela situação
caótica da nossa aviação civil. Foi obrigada a demitir-se em agosto de
2007. Hoje a imprensa corre atrás dela para suplicar mais algumas
gotas de veneno contra Dilma Roussef, ministra-chefe da Casa Civil.
No início de 2006 quando a Varig embicava em queda-livre, a ministra
Dilma Roussef foi clara ao dizer que ‘o dinheiro público não pode
ser gasto para salvar empresas privadas’. Nos meses seguintes a
imprensa não disse uma palavra capaz de persuadir o governo a salvar a
Varig. Iniciava-se aquilo que o colunista Luiz Nassif designou como ‘a
imolação da Varig’.
Agora a imprensa está excitadíssima: denuncia irregularidades na
transferência da Varig para a Gol e a forte presença de estrangeiros
entre os acionistas da velha Varig. Por que razão a imprensa não se
mexeu quando ainda era possível salvar a empresa-símbolo da nossa
aviação?
Ao assumir a pasta da Defesa, o ministro Nelson Jobim criticou o
duopólio TAM-GOL, responsável, aliás, pelas duas maiores catástrofes
aéreas. Este duopólio agora é quase um cartel e a imprensa continua
quieta, sem coragem para desagradar dois grandes anunciantes.
Certamente houve muita mutreta na transferência da Varig para a Gol, a
mídia deve cobrar explicações.
Mas a mídia tem obrigação de explicar a sua omissão enquanto a Varig
era canibalizada pelos abutres que hoje dominam nossos céus.