Uma reforma atrasada
A leitura dos jornais de hoje pode dar a impressão aos apressados de que o Brasil está passando por uma ampla reforma estrutural.
Ou, como diria o presidente Lula da Silva, que ‘nunca antes neste país’ foram promovidas tantas mudanças em políticas públicas.
Então, vamos rever algumas notícias de hoje:
Câmara dos Deputados aprova pacote de projetos que vão acelerar os processos judiciais, com a simplificação de todas as etapas e a extinção do segundo julgamento automático para quem for condenado a pena superior a vinte anos.
Como foi amplamente divulgado, recentemente esse recurso levou à absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, tido como o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang.
Outra notícia: o governo anuncia a suspensão de alguns tributos sobre o pãozinho nosso de todas as manhãs, o trigo e a farinha de trigo, para conter a inflação de alimentos.
Uma terceira notícia dá conta de que os imóveis usados podem ser adquiridos com financiamento do valor total.
Tem mais: o Brasil sobe na lista dos países com economias mais competitivas, e as montadoras de automóveis mudam de estratégia: em vez de simplesmente copiar seus projetos no Brasil, como sempre fizeram, vão passar a desenvolver aqui seus novos modelos, para o mercado internacional.
Por trás do noticiário econômico, reluz o recente anúncio da nova política industrial, que a imprensa saudou com entusiasmo e cujas repercussões ainda abafam as vozes da oposição.
Uma ou outra denúncia de corrupção ainda pontua no noticiário, mas a confirmação de que o geógrafo Carlos Minc será o substituto da senadora Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente é suficiente para toda a imprensa aceitar que a política ambiental do governo não vai mudar.
Aliás, para a imprenda aceitar que a política ambiental do governo é satisfatória.
Ou, que o governo pratica alguma política ambiental.
No alvorecer do seu sexto ano de governo, o presidente Lula parece ter conquistado a imprensa pelo bolso.
O projeto de política industrial, somado a outras medidas pontuais na economia, tirou do noticiário até mesmo as renitentes queixas do presidente da Federação das Indústrias no Estado de S. Paulo, que até poucos meses era arroz de festa nos jornais.
Mas o projeto chega com meio século de atraso.
A leitura das mais de cem páginas de medidas e justificativas mostra que a nova política industrial do Brasil não leva em conta nenhuma das grandes preocupações que marcam a economia contemporânea.
O governo parece não ter aprendido nenhuma das lições disponíveis sobre desenvolvimento sustentável.
A ‘grande reforma’ não apresenta instrumentos modernos de regulação que reduzam os riscos sociais e ambientais, não altera os falhos sistemas de controle da movimentação financeira, não apresenta estímulos adicionais para a oferta de emprego, qualificação profissional e distribuição de renda.
Trata-se, na verdade, de um grande pacote de incentivo fiscal e financeiro para a indústria.
Necessário, mas incompleto.
Grande o suficiente para calar a imprensa.
Um ambiente nocivo
A presença de alguns ambientalistas entre os colunistas de jornais e revistas não é suficiente para disfarçar o engajamento da imprensa no modelo de desenvolvimento que despreza as preocupações com o património natural do País.
Alberto Dines:
– Quantos ambientalistas e quantos desenvolvimentistas militam em cada redação? Ontem e hoje os principais colunistas examinaram a saída da ministra Marina Silva sob o ponto de vista estritamente político: a crise anunciada afinal materializou-se. Difícil saber o que pensam na intimidade sobre as questões ambientais.
Como as empresas jornalísticas apostam no crescimento acelerado, padrão chinês, seus porta-vozes também se engajam no desenvolvimentismo sem freios. Adoram a expressão responsabilidade social, mas detestam controles e regulamentos. Para mostrar imparcialidade, os grandes veículos mantêm em geral um colunista da linha ecológica, o Estadão é exceção, tem três (Washington Novaes, José Goldenberg e Marcos Sá Correa, sendo que Washington Novaes é uma instituição, o decano do jornalismo ambiental).
Disto se conclui que Marina Silva demitiu-se não apenas porque lhe faltou o apoio do presidente Lula, mas porque não encontrou na mídia, ao longo da sucessão de batalhas que travou, o suporte necessário para enfrentar os adversários históricos.
As revistas coloridas alarmam-se com o degelo das calotas polares e a sorte dos ursinhos brancos. A mesma emoção não aparece na luta pela preservação da Amazônia.
Se o novo ministro, Carlos Minc, não contar com o apoio imediato e ostensivo da mídia na defesa do meio-ambiente, melhor começar a escolher o seu sucessor.