A CPMF, outra vez
O Estado de S.Paulo foi o único dos grandes jornais que se manteve atento aos batidores da disputa política em torno das mudanças tributárias recentes.
Resultado: tem a manchete diferenciada de hoje, baseada nas evidências de que o governo está estimulando o Congresso a recriar a CPMF, agora em formato permanente.
Desde o dia 2 de janeiro, quando o Executivo anunciou aumento de tributos para compensar a extinção da CPMF, os jornais vinham cobrindo o assunto de forma fragmentada, praticamente à base de declarações e previsões financeiras.
A questão econômica e orçamentária acabou contaminada pelos interesses políticos envolvidos nas opiniões publicadas.
Persistindo no tema, o Estadão dá um passo adiante, deixando claro que, na verdade, os aumentos do IOF e da CSLL, anunciados logo após o feriado de Ano Novo, podem ter sido apenas um ensaio do governo.
A julgar pela reportagem da manchete de hoje no Estadão, o Executivo colocou na sala o ‘bode’ do aumento de tributos.
Para retirar esse ‘bode’ da sala, está negociando com a bancada da Saúde a volta da CPMF.
São as espertezas do poder, que podem explicar em parte a péssima reputação dos políticos.
Entrevista: conversa com um mestre
A partir de hoje, durante os próximos programas, vamos dedicar uma parte do Observatório da Imprensa a uma conversa com Matias Molina, autor do livro Os melhores jornais do mundo. Matias Molina é jornalista, nasceu na Espanha, vive no Brasil há mais de cinqüenta anos. Ele é tido como formador de praticamente duas gerações de jornalistas na área de economia. Carrega ainda um forte sotaque.
Luciano Martins: Molina, é um prazer recebê-lo no Observatório da Imprensa, mas vamos começar com uma anedota a seu respeito. Um colega nosso na Folha, uma vez, saindo de uma reunião na sua sala, disse o seguinte: ‘Acabei de falar com Molina, não entendi nada do que ele disse, mas acho que entendi tudo que ele queria dizer’.
Matias Molina: – Parabéns, porque nem todos entendiam o que eu queria dizer! (risos) Eu quando faço palestras, com alguma freqüência, eu sempre faço uma advertência ao público, digo que não vai ser tradução simultânea, então que se preparem como ouvintes do programa, do Observatório da Imprensa, não vai ter tradução simultânea, lamento muito.
Luciano Martins: Você é responsável pela formação por pelo menos duas gerações de jornalistas, na área de Economia e Negócios. Durante vinte ou quase trinta anos, você deve ter sido um mestre para muitos profissionais. Como você vê hoje a cobertura dos fatos econômicos e de negócios no Brasil?
Matias Molina: – Eu acho que os jornais econômicos têm uma função importante a cumprir – e está sendo cumprida por alguns deles. Com relação à formação de jornalistas, que você mencionou, eu observo que, com algumas exceções muito raras, não há preocupação de formar jornalistas, de treinar; com freqüência, se vê o trainee como uma mão-de-obra barata, o que é um erro. Porque um trainee, para ser bem aproveitado, é mão-de-obra muito cara. Para contratar um trainee você entrevista muitas pessoas, escolhe algumas, tem que se dedicar a elas. O tempo que exige a formação do trainee é muito grande, de dedicação. É agradável treinar pessoas, muito agradável, muito revigorante. Só que dá trabalho. Você não pode mandar um trainee sozinho, no começo, fazer uma reportagem – tem que acompanhar o repórter mais velho, tem que ver como que o cara faz, tem que voltar, tem que escrever. Treinar dá trabalho. Como isso dá trabalho, a tendência é cada vez menos se dedicar aos trainees. Isso é um problema sério do país, no longo prazo.
Luciano Martins: E como é que é feita a renovação? Os jornalistas agora são autodidatas?
Matias Molina: – Há também jornalistas jovens bons, bem preparados. Na minha visão, para ser um jornalista tem que ter cultura, muita cultura. E tem que gostar muito de ler e de escrever. Jornalista econômico para mim não existe – o substantivo jornalista, econômico é adjetivo. O que é importa é ser jornalista. Um bom jornalista, com treino, pode ser um jornalista econômico. Mas, se a pessoa entende de economia e não for jornalista, não adianta insistir, porque não vai a lugar nenhum. Por isso, um bom jornalista pode ir para a área de economia, pode ir para a área de política ou de esporte, se for bom jornalista, ele vai se especializar. Mas eu insisto, o substantivo é jornalista, econômico é o adjetivo.
Luciano Martins: Molina, infelizmente o nosso tempo é curto, mas por hoje muito obrigado. Na edição de amanhã, Observatório da Imprensa seguirá apresentando a entrevista com Matias Molina, autor do livro ‘Os melhores jornais do mundo’.