Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Noticiário incompleto
>>Show de auditório

Noticiário incompleto

Passados três dias do encerramento das negociações na chamada rodada de Doha, a imprensa brasileira ainda não conseguiu explicar aos leitores se o encontro para discutir o comércio mundial foi um fracasso completo, apenas uma frustração ou um degrau consistente para a retomada de negociações num futuro próximo.

Até ontem, o grande desafio das relações internacionais do Brasil eram os Estados Unidos.

Hoje, os jornais  apontam a possibilidade de uma guerra comercial com a China.

Em alguns jornais, o encerramento das negociações sem um acordo significa o início do vale-tudo.

Em outros, trata-se de nova etapa no comércio globalizado.

Para uns, o Brasil perdeu pontos ao se descolar de seus parceiros no grupo dos países em desenvolvimento.

Para outros, o Brasil se colocou numa posição mais livre para buscar seus interesses.

Se é verdade que a diversidade de interpretações pode enriquecer o debate, também é verdade que o leitor sempre espera que o seu jornal de confiança lhe ofereça indicações seguras para que ele desenvolva sua própria opinião.

Quando o jornal oscila entre várias possibilidades, publicando informações contraditórias sobre o mesmo assunto, pode passar ao leitor a impressão de que não houve reflexão suficiente durante o processo de edição.

Como se sabe, as rodadas de Doha não tratam apenas de negócios.

Também são oportunidades para os governos mandarem recados aos seus próprios cidadãos, e o encontro se transforma em palco para manifestações demagógicas.

O Globo relata hoje, por exemplo, que o ministro da Indústria e do Comércio da Índia, apontado como um dos responsáveis pelo impasse nas negociações, foi encarregado pelo governo daquele país de produzir um discurso adequado para os mais de 1 bilhão de agricultores indianos, que não querem a redução das tarifas de importação de produtos alimentícios.

A Índia tem importantes eleições gerais no ano que vem, que vão reconfigurar o parlamento e apontar o novo primeiro-ministro.

O que tem faltado nos jornais, entre outras coisas, é explicar que certos argumentos levados a essas reuniões de cúpula têm mais a ver com questões domésticas, eventualmente pontuais, do que com a chamada globalização.

Com o noticiário fragmentado, o leitor fica sem saber até mesmo quais seriam os reais interesses do Brasil nessas negociações.

Show de auditório

O noticiário de hoje sobre o primeiro debate televisivo dos candidatos a prefeito em São Paulo dá uma idéia do que vem por aí, na maioria das capitais.

Segundo os jornais, o debate foi morno, mas houve algumas surpresas, como os ataques trocados entre si pelos representantes dos antigos aliados Partido Democratas e PSDB, Gilberto Kassab e Geraldo Alckminn.

Como contraponto, a presença de candidatos dos chamados partidos nanicos contribui para transformar o acontecimento político em mero show para entretenimento dos telespectadores.

O objetivo anunciado dos debates entre candidatos pela televisão é oferecer aos eleitores a oportunidade de avaliar seus programas de governo e checar suas fragilidades.

Mas acontece que os políticos são preparados por marqueteiros, vestidos por consultores de moda e treinados por diretores de teatro para encenar personagens que geralmente não têm nada a ver com aquilo que eles  representam na vida real.

Por isso, é inevitável que em alguns momentos o evento, que deveria apresentar certa solenidade, descambe para o pastelão.

As poses estudadas, as frases treinadas à exaustão e a tentativa de desmoralizar o oponente acabam por gerar um ambiente de superficialidade que nada tem a ver com o que se espera de um debate sobre o a administração da cidade.

Em todas as capitais e especialmente na capital paulista, os candidatos têm a possibilidade de se mirar no modelo proposto pelo movimento Nossa São Paulo, que realizou um amplo estudo sobre medidas eficientes para melhorar a qualidade de vida nas metrópoles.

Mas nossos candidatos preferiram tratar de picuinhas.

Não se pode forçar políticos a dizer aquilo que a população gostaria de saber sobre suas idéias.

Também não há como construir regras de debates que garantam a apresentação dos conteúdos que realmente interessam à sociedade.

Mas os jornais já cumprem um bom papel ao reproduzir, para quem não viu na televisão, certos momentos desse encontro que beiram o ridículo.