A semântica da guerra
O ataque das forças israelenses a três escolas da ONU, que resultou em pelo menos 30 mortos e 55 feridos, marca a virada na abordagem da imprensa sobre o conflito na Faixa de Gaza.
Não há como continuar contrapondo justificativas políticas ou militares à imagem de uma criança morta por uma bomba dentro de uma escola.
E já passa de uma centena o número de crianças vitimadas no atual conflito.
Há controvérsias na imprensa sobre a definição de ‘civil’ no contexto do conflito.
Embora o direito internacional defina claramente que civil é todo indivíduo não envolvido diretamente em ações de combate, Israel considera que qualquer militante ou simpatizante do grupo Hamas é um combatente.
O terrorismo como ação política não desorganiza apenas as estratégias militares tradicionais: também provoca uma enorme confusão semântica nas relações diplomáticas e na imprensa.
Fica difícil manter, por exemplo, o conceito de retaliação proporcional diante da relação entre os mais de 670 mortos do lado palestino, metade deles civis, e os dez israelenses mortos, sendo apenas quatro civis, e ainda considerando-se que, dos seis militares israelenses mortos, quatro foram vítimas de seus próprios compatriotas.
As imagens e relatos de horrores que correm pela internet, fora do controle da censura militar e das preferências políticas da imprensa, produzem indignação e reduzem o efeito das declarações oficiais.
As primeiras notícias sobre ataques a cidadãos judeus em cidades distantes do Oriente Médio são um sinal de alerta para os pacifistas.
Quando as autoridades aceitam sofismas para minimizar o horror que é imposto aos inocentes apanhados no fogo cruzado, também abrem espaço para que a insanidade floresça longe do cenário de guerra.
Os jornais de hoje reportam o aumento das pressões internacionais para que Israel negocie um cessar-fogo imediato.
O veto israelense à presença de jornalistas nos locais de combate reduz o acesso a informações sobre a ação militar e aumenta a proporção de notícias sobre a questão humanitária – e isso faz a diferença. Mesmo a costumeira argumentação de que os militantes do Hamas usam mulheres e crianças como escudo perde força nos debates.
Já não há, nas edições de hoje, destaque para os analistas que chamam os massacres de civis de ‘efeitos colaterais’.
Sob qualquer olhar menos doentio, não há como chamar a morte de uma centena de crianças de ‘efeito colateral’.
A crise sem fim
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Não é de hoje que os jornais vivem uma crise histórica. Quinze anos atrás, os primeiros e ainda tímidos movimentos em direção à popularização da internet não provocaram impacto algum no modelo de negócios da mídia impressa. Quase dois séculos de hegemonia no processamento e na distribuição da informação pareciam ser a melhor garantia para a perpetuidade da imprensa, tal como concebida em sua fase industrial moderna.
Porém, os impactos da conectividade e, em seguida, da interatividade, mudaram radicalmente esse quadro – e os mastodontes impressos demoraram para perceber isso.
A primeira e já então tardia providência foi a transposição pura e simples de suas edições de papel para a web. Mas isso não bastou: o que se viu foi uma ampliação avassaladora das funcionalidades da plataforma digital, com graves conseqüências na atividade jornalística e no negócio da informação.
Agora, a mídia impressa, no mundo todo, debate-se com a queda nas vendas, com a diminuição do faturamento publicitário e com a concorrência acirrada dos meios digitais. Para bagunçar ainda mais esse coreto, uma crise financeira global, com profundas restrições ao crédito.
O que fazer? Depois de hipotecar sua sede, no fim do ano passado, o venerando New York Times surpreendeu mais uma vez: passou a comercializar anúncios em sua primeira página. Nada parecido com a orgia de sobrecapas e chamadas ‘fake’ tão comuns na imprensa brasileira. O Times optou por algo mais criativo: um espaço discreto, ao pé da página.
Criatividade, aliás, é do que a imprensa mais vai precisar para sobreviver.