Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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As extensões da crise

Há uma crise instalada em Brasília e outra crise em gestação na imprensa.

A crise de Brasília tem como epicentro a origem do patrimônio do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, cuja empresa arrecadou cerca de 20 milhões de reais em curto prazo, coincidentemente durante o período em que ele, no exercício do mandato como deputado federal, coordenou a campanha eleitoral da hoje presidente Dilma Rousseff.

O ministro afirma que o dinheiro não tem a ver com doações de campanha, uma das possibilidades insinuadas por seus acusadores, mas não ofereceu elementos suficientes para demonstrar que o surpreendente faturamento de sua empresa de consultoria tenha origem alheia ao seu trânsito nos corredores do poder.

Pelo contrário, ele afirmou que “ex-ministros” têm grande valor de mercado, mas não explicou em que ponto esse valor de mercado é exercido sem que se incorra na irregularidade do tráfico de influência.

Em português claro e numa frase sucinta, o ministro é suspeito de enriquecimento ilícito.

Para apagar a crise, bastaria ter vindo a público dar uma aula de gestão, uma de suas especialidades, e acender um farol diante dos demais empreendedores brasileiros, que lutam para manter seus negócios.

Como se sabe, a burocracia brasileira para empresas nascentes, as chamadas “start-ups”, é um ambiente altamente inóspito e um verdadeiro teste de aptidões e por isso seria útil que partilhasse o segredo de seu sucesso empresarial.

Mas o ministro preferiu a blindagem, que tem agora o protagonismo do ex-presidente Lula da Silva.

Tudo isso é parte da crise real, que afeta muito mais do que a reputação do ministro ou a tranquilidade com que a presidente da República vinha até aqui conduzindo seu mandato.

Não seria nada, talvez apenas a primeira defecção no governo recém-formado.

Assim é a política: sai um, entra outro e segue o jogo.

Acontece que a crise em torno de Palocci acaba de produzir o monstrengo legislativo chamado novo Código Florestal, a mais grave e concreta ameaça que já se apresentou ao futuro desenvolvimento do Brasil. Os desmatadores, linha de frente mercenária do agronegócio predador, são a saúva dos nossos dias.

O projeto aprovado é, como afirmou a presidente da República, uma vergonha para todos os brasileiros.

Um exemplo claro de como a sustentabilidade é uma meta que exige estratégias complexas. Não basta a vontade de preservar o patrimônio ambiental. Na outra sala do poder, é preciso que a transparência assegure a governabilidade.

Sede de escândalos

Outra coisa é a crise na imprensa.

Na ausência de uma oposição – cujos principais líderes ficaram estranhamente mudos diante das acusações levantadas pelos jornais contra Antonio Palocci – a imprensa assume o papel de fiscalizar o governo e exigir explicações para os sinais de irregularidades.

Mas faz seu trabalho de maneira atabalhoada, amontoando acusações e dificultando o entendimento dos fatos.

Se há sinais de que o ministro da Casa Civil não pode explicar seu patrimônio, também é claro que a estratégia de negócio de que é acusado faz parte da antiga tradição de mesclar o poder público com o interesse privado. 

Essa é, aliás, a natureza mesma da maioria das agremiações políticas no Brasil. São uma espécie de consórcio dedicado a lotear o Tesouro.

Mas as ondas de acusações da imprensa, desde o primeiro governo pós-redemocratização, sob o comando de José Sarney, são apenas isso: ondas superficiais, que nunca vasculham o fundo do oceano da política, para revelar a natureza desse sistema perverso.

As crônicas políticas registram até mesmo o princípio que move esse jogo. “É dando que se recebe”, conforme sintetizou o falecido deputado Roberto Cardoso Alves.

Por que razão a imprensa tem tanta sede de escândalos e nunca mergulha fundo o suficiente para revolver o sistema e equipar a sociedade com instrumentos de pressão por uma mudança real nos costumes?

Porque, direta ou indiretamente, a imprensa, como instituição, faz parte desse consórcio de poder.

Não apenas por conta da propriedade cruzada dos meios de comunicação, que mistura nas grandes redes as emissoras e jornais pertencentes a caciques da política, que se perpetuam no poder graças ao controle desses meios.

Mas também porque, como empresas, as organizações jornalísticas têm seus interesses e suas predileções na estrutura do poder político.

A imprensa não questiona a relatividade do sistema representativo da nossa democracia porque é beneficiária dele.