A imprensa foi driblada
Os jornais desta sexta-feira dão grande repercussão às recentes manifestações da presidente Dilma Rousseff, que saiu em defesa do seu ministro da Casa Civil e veio a público anunciar que não aprova o material didático contra a homofobia que deveria ser distribuido em escolas públicas.
Como se todas as reportagens tivessem sido preparadas pelo mesmo editor, em todos eles está dito, explicita ou implicitamente, que a decisão da presidente de vir a público criticar a “politização” das denúncias contra Antonio Palocci foi resultado de uma orientação de seu antecessor, o ex-presidente Lula da Silva.
Da mesma forma, afirmam os jornais que a declaração da presidente a respeito do “kit” anti-homofobia foi uma imposição da chamada bancada religiosa.
A imprensa tem todo direito, e é parte de suas atribuições, de buscar interpretações para os fatos. Esse é um dos elementos do processo pelo qual um fato vira notícia.
No entanto, sem a apresentação de fontes qualificadas, a afirmação de que a principal autoridade do país só se move por estímulo externo é não apenas desrespeitosa com relação à figura da presidente, mas também revelação de desconhecimento sobre como funciona o sistema de decisões do Planalto.
Jornalistas que já frequentaram os centros do poder no país sabem que em torno de todas as decisões importantes sempre há um grupo de especialistas e que nenhum mandatário, nem mesmo o ex-presidente Fernando Collor, que tinha uma característica mais personalista, dispensava o auxílio de seus conselheiros.
Em momentos como o que tem vivido o governo nos últimos dias, o gabinete de crise reune-se quase automaticamente, e dele fazem parte especialistas de diversas áreas.
De modo geral, acontece quase naturalmente uma troca intensa de mensagens com opiniões, avaliações, dados estatísticos e até, eventualmente, pesquisas rápidas para previsão de resultados de cada alternativa apresentada.
Acontece o mesmo nas grandes empresas em eventos como acidentes graves e outros incidentes que possam prejudicar suas marcas.
A visita do ex-presidente Lula da Silva a Brasília, com sua proverbial capacidade para aglutinar e produzir factóides, pode ter sido exatamente o contrário do que supôs a imprensa.
Enquanto Lula distraia a atenção dos jornalistas, o gabinete de crise penteava a declaração “de improviso” da presidente da República.
A imprensa tomou um drible no melhor estilo Neymar.
Tiroteio no Planalto
Alberto Dines:
– O retorno do presidente Lula à arena política se, por um lado, anima o noticiário, por outro, nos remete ao velho faroeste com a velha e desgastada trilha sonora contra a imprensa. Estes quase seis meses do governo Dilma Roussef produziram um agradável clima de distensão: na esfera internacional, o país abandonou a insistência em apoiar regimes despóticos o que atentava contra a vocação democrática da sociedade brasileira e na esfera doméstica provocou a desativação do ruidoso confronto contra a mídia.
As divergências entre governo e empresas de comunicação saíram do ringue e foram encaminhadas à mesa da negociação, de onde jamais deveriam ter saído. Agora, preocupado com a repercussão das revelações da “Folha de S. Paulo” sobre o aumento do patrimônio do ministro-Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, o presidente Lula interrompeu a sua opção pelo banco dos reservas e entrou em campo chutando uma instituição que neste caso exibe uma excepcional moderação.
A imprensa apontou de forma objetiva, sem adjetivação, fatos graves na alta administração federal, o Procurador Geral da República reconheceu a gravidade, pediu explicações ao ministro Palocci. A fúria do presidente Lula é injustificada, deletéria e corre o risco de estimular retaliações. A mídia brasileira merece uma marcação cerrada, precisa ser fiscalizada de perto. A melhor prova foi o quase silêncio que se seguiu às revelações da BBC sobre os escândalos na CBF.
No caso Palocci o habitual pool jornalístico não chegou a se armar, cada veiculo tratou de cobrir o caso à sua maneira, sem afobações, o que não significa que o velho canibalismo tenha desaparecido de todo. A disparatada manifestação do presidente Lula já mereceu do jornalista Jânio de Freitas uma resposta à altura, logo virão outras. Isso não ajudará o ministro Palocci, nem ajudará a presidente Dilma Rousseff.