Reescrevendo a História
Poucos atos burocráticos têm tanto significado quanto a decisão do presidente do Senado, José Sarney, de retirar da galeria de fotos históricas do Congresso a referência ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor, ocorrido em 1992.
Em sua tentativa de revisar a História, Sarney também tratou de eliminar outros fatos, que considera menos relevantes, e destacar alguns que, na sua opinião, têm que ficar para a posteridade.
Como, por exemplo, o retrato dele mesmo jurando a Constuição.
A decisão do presidente do Senado de reescrever a história recente do Brasil é noticiada pelos jornais nesta terça-feira como mais uma bizarrice do nosso mundo político.
A notícia não recende a indignação, não suscita críticas mais severas, apenas estabelece o registro de mais um ato arbitrário dentro da normalidade democrática, como se uma autoridade transitória pudesse por sua própria vontade determinar o que é ou não relevante para a memória pública.
Segundo os jornais, para Sarney o impeachment de Collor, que já foi seu maior inimigo político e hoje milita no balaio de gatos que há duas décadas é parte da bancada governista – seja qual for o governo de plantão – foi apenas um “acidente” que jamais deveria ter acontecido.
Sarney imagina que, tirando o retrato da parede, estará limpando o passado de seu agora aliado.
Os milhões de brasileiros que em 1992 pintaram seus rostos e sairam às ruas para exigir mais ética na política devem estar se sentindo duplamente derrotados.
A primeira derrota vem da constatação de que o impeachment de um presidente da República, fato inédito e de extrema importância históricca, não foi suficiente para mudar os costumes.
Quase vinte anos depois, a ética foi banida dos pressupostos do jogo político no Brasil.
A segunda derrota nasce da afirmação de que, para o presidente do Congresso Nacional, a mobilização que marcou toda uma geração de brasileiros e resultou na derrubada de um presidente da República envolvido em escândalo de corrupção foi apenas um “acidente”.
Troca de papéis
No interesse da democracia, os brasileiros deveriam olhar para fora do conforto de sua bolha de consumo e prestar atenção no que se passa nos corredores do poder.
Mas a observação da cena política não pode ser feita diretamente.
Diferente de outros setores da vida civil, a política só pode ser acessada pela mediação da imprensa.
E a imprensa brasileira, há alguns anos, se transformou majoritariamente em uma agremiação partidária clandestina mas efetiva, e lhe falta distanciamento crítico para compor um retrato confiável das disputas políticas.
Nesse cenário, a decisão do presidente do Senado, mais do que simbólica, representa a essência daquilo em que se transformou a República: um teatro no qual os heróis e os vilões se misturam e trocam constantemente de papéis.
Observatório da Imprensa na TV
A imprensa tem dado ampla cobertura ao escândalo que interrompeu a carreira do diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, e praticamente o retira da eleição para a Presidência da França, tida como certa.
Preso nos Estados Unidos e execrado publicamente com as mãos algemadas, ainda antes de ser formalizada a acusação perante um juiz, ele se transforma em tema de debate não apenas sobre o tratamento dado a suspeitos em alguns países mas também com relação ao modo como a imprensa expõe o caso.
A imprensa francesa tem um código de conduta que manda respeitar a presunção de inocência e preservar os direitos dos acusados.
Já a imprensa americana não restringe a exposição pública.
Exibido para o mundo todo, Dominique Strauss-Khan vira um Gêngis Khan contemporâneo, um predador sexual impiedoso.
O Observatório da Imprensa na TV traz o debate para a sua televisão, com a presença do jornalista americano Marc Margolis, correspondente na revista Newsweek no Brasil, e da jornalista francesa Marie Naudascher.
O Observatório da Imprensa vai ao ar nesta terça-feira às 22 horas, pela TV-Brasil, ao vivo em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky.