Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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O deboche do roqueiro

A mania de coletar frases do Twitter ou de eventos registrados no Youtube, que parece dar à imprensa de papel certo ar contemporâneo, pode produzir desinformação em seus leitores, ou promover debates montados sobre informações parciais.

É o caso, por exemplo, das manifestações recentes do cidadão chamado João Luiz Woerdenbag Filho, conhecido como o roqueiro Lobão, durante entrevista no Festival Mantiqueira, evento cultural do governo paulista realizado na estância de São Francisco Xavier, no mês passado.
 
O roqueiro, mais conhecido por suas polêmicas do que por sua obra musical, se referiu ao que chama de “excesso de vitimização da esquerda brasileira”, quando criticava a vida cultural do país. Algumas de suas frases, destacadas pela mídia: “Aí, tem que ter anistia  para quem sequestrou embaixadores e para os torturadores que arrancaram umas unhazinhas não?”. Ou: “Então os caras que sequestravam fulano, beltrano, eram mais bonzinho que os caras que arrancavam unhas nos cala-bocas?”

Ele chegou a se comparar a vítimas da ditadura, ao lembrar que foi preso nos anos 80.
Na verdade, Lobão passou três meses na cadeia ao ser apanhado com drogas, mas não chegou a ser torturado.

No ano passado, declarou à rádio BandNews que na ocasião subornou um juiz para não perder a condição de réu primário.
 
O vídeo com a íntegra da entrevista no Festival Mantiqueira pode ser visto no Youtube (www.youtube.com/watch?v=FjQ-CcuVfik).

Não se trata de um dos momentos mais brilhantes do universo cultural brasileiro, mas serve como ponto de partida para uma análise sobre como a escolha de frases fora de seu contexto original pode provocar distorções.

As frases selecionadas por jornais e revistas mostram o entrevistado como um iconoclasta a se bater contra a velha ditocomia entre esquerda e direita no ambiente midiático brasileiro.

Mas a íntegra da entrevista mostra que Lobão é apenas um jovem arrogante e boquirroto – aliás, nem tão jovem, pois já completou 50 anos –, que em frases desconexas revela sua completa alienação sobre a realidade que o cerca.
 
Extrapolando o caráter do roqueiro, de resto um personagem desimportante no cenário musical do país, sua fala é um desses eventos em que o ambiente que todos consideram reduto da modernidade produz manifestações retrógradas, muito alinhadas, aliás, com certa tendência da chamada imprensa cultural ou de entretenimento.

Uma das características desse ambiente é o deboche de tudo que cheire a progressismo, como se os atuais produtores de cultura e entretenimento estivessem em processo de ruptura com a figura paterna, representada por aqueles que abriram caminho na ditadura para que eles pudessem vir ao mundo e manifestar livremente suas idiossincrasias.
 
Livre para falar bobagens
Do jornalismo mais bruto às elaborações de articulistas, passando por aquilo que a mídia considera humor e comédia, tudo rescende a opiniões anódinas, como se a abdicação a expressões ideológicas explícitas não fosse uma forte expressão ideológica.

Há por aí certa ojeriza à herança do melhor humanismo que pudemos produzir até mesmo durante os anos da ditadura, como se os atuais protagonistas da cena mediada tivessem vergonha de haver recebido de presente um país livre para dizer o que pensam.
 
Nesse cenário, Lobão esquece ou ignora que a cultura pop, filha legítima dos movimentos libertários, não se alimentou dos delírios lisérgicos para fugir da realidade, mas para ir buscar fora dela e na marginalidade do sistema outras fontes para a ampliação das consciências.

Anestesiado por um arremedo conformista do espírito roqueiro, ele se julga no direito de fazer blague com aqueles cujo sacrifício permite que ele exista como artista.
 
É certo que a contemporaneidade, ou seja, os pontos da rede social onde se expressam na prática as vanguardas do desenvolvimento humano, é apenas uma referência no processo dinâmico da sociedade ao longo do tempo.

Teoricamente, essa contemporaneidade, ou vanguarda simbólica da evolução social, tem maiores chances de vicejar e se manifestar onde os indivíduos são submetidos a maiores aglomerações e à maior diversidade, porque é nesses ambientes que são testados os valores da tolerância e o reconhecimento do outro.

No entanto, o contexto cultural mediado em que vivemos no Brasil estimula comportamentos de retaguarda onde se espera que se manifeste a ousadia.
 
Nos ambientes densos das grandes cidades, onde tem suas bases o gênero musical que faz de João Luiz o roqueiro Lobão, espera-se que a diversidade de opiniões seja um patrimônio, ponto de lançamento para experimentações culturais e artísticas e para modos de compreensão do fenômeno social.

Mas Lobão abdicou, ou nunca teve, condições de acompanhar essa ferveção.

Há anos ele tenta se manter na mídia com o discurso da desconstrução da herança humanista e progressista no ambiente cultural.

Em vez do lobo mau e contestador que pretende ser, transformou-se num lobinho bobinho, a repetir conceitos desconexos e reacionários que já eram antigos no século passado.

Ao pinçar suas frases, a imprensa não lhe faz justiça.

Ele é ainda mais tolo do que parece.
 
Observatório da Imprensa na TV

A preocupação com a infraestrutura do país para a Copa de 2014 tem espaço garantido nos cadernos de cidade e até no de política, mas quando se trata da construção de estádios e escândalos envolvendo dirigentes, o assunto se restringe às páginas de esporte.

Será que suspeitas de corrupção na CBF não deveriam receber um destaque maior da imprensa? Um escândalo mundial envolvendo a FIFA não merece uma análise política? De que forma isso pode influenciar no bom andamento do Mundial que realizaremos daqui a 3 anos?

Essa será a discussão do Observatório da Imprensa na TV desta terça-feira. Com a presença de Walter de Matos, diretor do Lance!, Antônio Nascimento, editor de esportes do Globo, e do jornalista Augusto Gonçalves. O Observatório da Imprensa vai ao ar nesta terça-feira às 22 horas, pela TV-Brasil, ao vivo em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky.