Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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O Código dos assassinos

Ao contrário do que afirmavam alguns comentaristas da imprensa e até insinuaram editorialistas, a polícia do Pará concluiu que os assassinatos dos ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, ocorridos no dia 24 de maio, foram motivados por sua militância contra a derrubada de árvores no assentamento onde viviam.

Segundo o Estado de S.Paulo, o crime foi encomendado por um fazendeiro que pretendia comprar lotes no assentamento para expandir sua criação de gado.

O caso, que teve grande repercussão durante os debates em torno do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados, vinha sendo minimizado por parte da imprensa, que o contabilizava como mais uma entre as muitas ocorrências em áreas conflagradas da Amazônia.

Tido como mais um assassinato entre muitos, numa região onde a vida vale pouco, era mais um episódio para os arquivos dos jornais.

Mas a descoberta de um mandante, com interesse específico em eliminar aqueles que defendiam a floresta, remete a história de volta ao ponto central: a proposta de flexibilização das regras de defesa ambiental contribui para aumentar a sensação de impunidade dos desmatadores e estimula a violência.

Não há como tratar de forma banal um caso como esse, porque os personagens, o lugar e as circunstâncias são o microcosmo onde ocorre tipicamente a grande resistência ao avanço da pecuária sobre a Floresta Amazônica.

Ali se trava um dos principais combates pelo futuro do Brasil.

José Cláudio e Maria do Rosário lutavam para manter seus vizinhos de assentamento dedicados à coleta de castanhas e outros produtos, que garante a sobrevivência da comunidade e ajuda a preservar a floresta.

Entre suas atividades estava a resistência a invasões de madeireiras ilegais e ao assédio dos pecuaristas.

Um deles, que negociava a compra de lotes para substituir a floresta por pastagens, é acusado de ser o mandante do duplo assassinato.

Não há como desvincular entre si os crimes que se sucederam na região logo após os tiros que mataram os dois ambientalistas.

Há entre eles a ligação clara da perspectiva de que os criadores de gado e exploradores de madeira ficariam livres para desmatar assim que o Congreso aprovasse a proposta de mudanças no Código Florestal.

Não há como tirar a mancha desse sangue das mãos dos deputados que aprovaram o projeto na Câmara.

Autorregulamentação em gotas

Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:

– Mereceu apenas registros de praxe na imprensa o anúncio feito pela Associação Nacional de Jornais, em 26 de maio último, da aprovação do seu Programa Permanente de Autorregulamentação. Trata-se de uma iniciativa louvável da entidade patronal, de sistematizar um conjunto de boas práticas que serão recomendadas às empresas jornalísticas a ela filiadas. É resultado de um trabalho meticuloso conduzido pelo jornalista Sidnei Basile, que faleceu em março deste ano e não viu o programa ser implementado.

Aliás, o programa não está exatamente “implementado”. Quando do seu anúncio, a ANJ informou que “uma cartilha com o Programa estará disponível no site da Associação”, o que ainda não aconteceu. De todo modo, a ANJ procedeu a uma importante modificação nos seus estatutos ao incluir, como um dos deveres de seus associados, a obrigação de jornais e sites jornalísticos criarem seus próprios modelos de autorregulamentação, comunicar à entidade e informar essa providência aos seus leitores. Segundo o site da ANJ, “o período para implantação, se de um ano ou mais, ainda será definido”.

Enquanto o programa não ganha velocidade de cruzeiro, a ANJ poderia instar seus associados a cumprirem à risca o Código de Ética da entidade, que há muito tempo é conhecido por todos. Ali se recomenda, por exemplo, no item 5, “assegurar o acesso de seus leitores às diferentes versões dos fatos e às diversas tendências de opinião da sociedade”. Ou ainda, no item 6, “garantir a publicação de contestações objetivas das pessoas ou organizações acusadas, em suas páginas, de atos ilícitos ou comportamentos condenáveis”. E mais, no item 10, “corrigir erros que tenham sido cometidos em suas edições”.

Se houvesse a aplicação plena desses três pontos nos jornais brasileiros, a autorregulamentação agora pretendida pela ANJ já teria, de fato, começado.