‘O ano que acabou teve praticamente um grande assunto, as acusações de corrupção no governo Lula e no Congresso e seus desdobramentos. Não foi uma cobertura fácil. Escrevi vários artigos cobrando três pontos, todos compromissos do jornal com os seus leitores: qualidade, equilíbrio e pluralismo.
Foi, pela natureza das acusações e por suas repercussões políticas, uma cobertura que provocou grande participação dos leitores, a maior desde que assumi essa função, em abril de 2004. Para ter uma idéia, pela primeira vez recebi mais de mil mensagens por mês.
A primeira acusação de corrupção ocorreu em maio. Em junho, a Folha publicou a entrevista com o então deputado Roberto Jefferson. As mensagens para o ombudsman pularam de 867, em maio, para 1.088 em junho. Em agosto, setembro e outubro recebi mais de mil mensagens por mês, uma procura quase 80% superior à que ocorreu no mesmo período de 2004.
A razão principal da inquietação dos leitores foi a cobertura do que a Folha vem chamando de ‘escândalo do ‘mensalão’. O tema foi predominante nas mensagens para o ombudsman, nas cartas enviadas para o ‘Painel do Leitor’ e nos artigos publicados na página A3, na seção ‘Tendências/Debates’.
Parcialidade
Recebi, em 2005, 10.688 mensagens, um crescimento de 46% em relação a 2004. Quase metade – 4.812, 45% – foram protestos, críticas e reclamações relativas à Redação. E, desse total, 1.043 foram dirigidas à editoria Brasil, responsável pela cobertura política: 239 reclamações antes da entrevista de Jefferson (8/6) e 804 nos meses seguintes. Em 2004, a editoria recebeu 756 mensagens.
Para analisar esses números deve-se ter em conta que a grande maioria dos leitores não escreve ao jornal. Os que procuram o ombudsman são os que estão irritados e que, de alguma maneira, se sentem lesados. As reclamações não podem ser entendidas como uma insatisfação generalizada, mas são indicações que devem ser levadas em conta pelo jornal ao menos para reflexão.
Outro aspecto que deve ser avaliado é a divisão partidária que existe em São Paulo, principal base de venda da Folha, com forte presença na cidade e no estado do PSDB e do PT.
Entre os leitores que escreveram com reclamações, 244 consideraram a cobertura da Folha parcial contra o PT; 144 acharam que o jornal favorecia o PSDB; e 39 reclamaram por julgarem a cobertura em vários momentos favorável ao PT.
Há, portanto, um largo predomínio, entre os leitores que se manifestaram, dos que consideram que o jornal protege o PSDB.
A Folha publicou uma pesquisa do Datafolha em setembro com os assinantes da Grande São Paulo, e o resultado foi que 82% se disseram satisfeitos com a cobertura da crise política, e este dado deve ser levado em consideração quando se avalia o jornal. Mas houve um ponto que reforça a idéia de que em vários momentos faltou equilíbrio à cobertura: 42% dos leitores consultados achavam que o jornal não estava sendo imparcial. Como a margem de erro foi de seis pontos percentuais, esse índice pode atingir, no limite, quase a metade dos leitores.
Reflexões
As acusações de corrupção e a crise política também foram os principais assuntos tratados pelos que enviaram cartas para o ‘Painel do Leitor’. Neste caso, não foram necessariamente críticas ao jornal, mas comentários sobre os temas da semana.
A Folha recebeu 33.005 cartas em 2005, 5% a mais do que em 2004. O rol dos assuntos mais abordados dá uma idéia do interesse do leitor.
Em primeiro lugar, ficaram os casos de corrupção no governo e no Congresso, as investigações e cassações, com 4.806 cartas (15%), seguidos de comentários sobre o governo Lula (1.764 cartas) e sobre as crises na Câmara dos Deputados, incluindo a eleição e cassação de Severino Cavalcanti (1.185).
Esses assuntos suplantaram com ampla diferença a morte do papa e a eleição do novo papa (312), no primeiro semestre, a discussão sobre o referendo das armas (312) e a prisão de Paulo Maluf (141).
O jornal deu atenção para esses mesmos temas no espaço que reserva para artigos de fora, a seção ‘Tendências/Debates’. Foram publicados 724 textos: 130 referiam-se ao que o jornal chama de ‘mensalão’ e a propostas para uma reforma política, 71 analisaram o governo Lula, 56 trataram de economia, 53 de educação e tecnologia, 50 de política internacional, 38 de segurança pública, 31 de questões sociais, 24 do Judiciário, 24 de saúde e 23 de cultura.
Os artigos publicados foram assinados por 475 autores (vários foram por dois ou três articulistas), um indicador de diversidade. Mas há nomes com uma participação maior.
O ranking de 2005 é liderado, mais uma vez, pelo senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL. Ele publicou, em 2004, 15 artigos, e no ano passado dividiu o topo com o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, membro do Conselho Editorial da Folha, ambos com 12 textos. Em seguida aparecem o historiador Boris Fausto (11 artigos), o general Carlos de Meira Mattos (dez), o jurista Ives Gandra da Silva Martins e o historiador Marco Villa (ambos com nove) e, com oito artigos, o prefeito Cesar Maia, os filósofos Denis Lerrer Rosenfield e Roberto Romano e o advogado Ruy Martins Altenfelder Silva.
Essas são algumas informações que compõem um balanço parcial de 2005. O principal objetivo é jogar uma luz sobre dados que os leitores desconhecem e estimular o jornal a reforçar, em 2006, quando teremos eleições presidenciais, seus mecanismos internos de controle de qualidade e de garantia de equilíbrio.’
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‘Começo, meio e fim’, copyright Folha de S. Paulo, São Paulo (SP), 1/1/06
‘Poucos leitores enviam elogios ao jornal via ombudsman. Recebi uma dessas mensagens raras no dia 21 de dezembro, enviada pelo leitor Leandro Coelho, e a reproduzo: ‘Quem acompanha as suas colunas na Folha sabe que você às vezes escreve sobre a falta de continuidade em certas coberturas jornalísticas. Hoje o caderno Cotidiano mostrou ter acompanhado um caso desde o início. Trata-se da prisão de Iolanda Figueiral, 79, que apareceu na Folha pela primeira vez em 28 de novembro, outras vezes em datas posteriores e hoje novamente, sob o título ‘Após 4 meses de prisão, Iolanda vai para casa’.
Ele tem razão. Esse é um bom exemplo de uma história com começo, meio e fim, nem sempre possível no jornalismo. O jornal teve um papel importante ao expor o drama da ex-bóia-fria -doente terminal de câncer que, detida sob a acusação de tráfico de drogas, agonizava na prisão sem julgamento. O acompanhamento do caso até a obtenção da liberdade provisória, às vésperas do Natal, contribuiu para a discussão sobre o funcionamento da Justiça.’