Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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Intervenção na cracolândia

Reportagem no Estado de S.Paulo desta sexta-feira, dia 29, abre espaço para expandir uma polêmica que até então era restrita a advogados e psiquiatras: a Procuradoria Geral do Município de São Paulo emitiu parecer favorável à internação compulsória de menores de dezoito anos viciados em drogas.

A questão vinha sendo levantada na proporção em que se ampliava  o número de frequentadores da chamada “cracolândia”. As chocantes imagens de crianças fumando crack têm provocado cobranças cada vez mais frequentes às autoridades por uma ação mais efetiva na região.

Entidades que atuam junto a moradores de rua chegaram a acusar o prefeito Gilberto Kassab de estar promovendo um processo de “higienização social” por deixar ao abandono as centenas de dependentes de drogas que vegetam nas ruas do centro da cidade.

Por outro, representantes de entidades da psiquiatria se manifestam contra a internação compulsória, por ser considerada ineficaz no longo prazo.

Por conta dessa controvérsia, e também por causa da incapacidade das autoridades de conter o tráfico, a população da “cracolândia”, que era calculada em duas centenas de viciados há três anos foi multiplicada por dez.

Há pouco mais de um mês, a Folha de S.Paulo provocou indignação de leitores (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/alguem-como-nos-na-cracolandia) ao publicar a fotografia de um cidadão bem vestido, de cabelos grisalhos, comprando e fumando crack ali mesmo, em meio aos viciados jogados pela calçada.

Frequentadores da Sala São Paulo, um dos mais importantes palcos da música clássica na cidade, ficam chocados ao cruzar, pelas ruas sujas da “cracolândia”, com adolescentes de classe média misturadas aos drogados e mendigos.

Além disso, a inoperância do poder público induz os traficantes a repetir o modelo do mercado aberto de drogas em outros pontos da cidade e em outros municípios, espalhando essa doença urbana para outros estados do país.

A decisão de internar compulsoriamente os menores de dezoito anos encontrados em situação vulnerável e longe de suas famílias ainda vai produzir muita discussão.

Mas o parecer da Procuradoria do Município pelo menos tira o assunto da imobilidade e o exopõe à sociedade.

Cabe agora à imprensa ajudar o leitor a formar sua opinião a respeito desse drama.

Incapacidade civil

A questão da internação compulsória era basicamente discutida em um contexto social menos crítico do que faz supor o cenário da “cracolândia”.

O ícone desse debate, até então, era o filme “Bicho de Sete Cabeças”, dirigido por Lais Bodanzki em 2001.

As cenas de abuso por que passa o personagem no hospital psiquiátrico induziram o público – principalmente os mais jovens – a uma opinião contrária à internação de dependentes de drogas, e a imprensa adotou majoritariamente essa posição.

Mas o caso agora tem outra conotação. Não se trata da decisão de uma família sobre o que fazer com o filho que fuma maconha.

Trata-se de um problema social gravíssimo que tende a se expandir e cuja solução pode envolver um debate em torno da Constituição Federal.

Não se pode acusar a imprensa, genericamente, de agir com hipocrisia quando trata de maneiras diferentes o indivíduo de classe média que usa drogas – invariavelmente defendendo seu direito de escolha – e os meninos de rua que vivem escravizados no círculo vicioso do crack.

Mas é evidente que os jornais já se manifestam a favor da internação compulsória no caso da cracolândia, assim como aplaudiram, ainda que discretamente, a mesma decisão quando tomada pela prefeitura do Rio  de Janeiro.

Desde maio, com base num parecer da Vara da Infância e da Juventude e de promotores do Rio, as autoridades já recolheram e internaram em abrigos especializados 145 crianças e adolescentes flagrados com crack nas ruas da cidade.

No Congresso Nacional já há um projeto de lei, de autoria da deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), propondo que a internação compulsória seja estendida a todos usuários de crack, mesmo adultos.

Os especialistas consultados pelo Estadão se limitam basicamente a duas variedades de argumentos – a suposta ineficácia da internação compulsória e a incapacidade civil do viciado.

A imprensa deve alimentar e enriquecer esse debate, para que os abandonados das “cracolândias” de todo o país tenham uma chance de voltar à vida sem que, para isso, a sociedade tenha que andar para trás.