Os princípios e valores da Globo
A novidade do final de semana na imprensa brasileria é a declaração de princípios das Organizações Globo, publicada em todos os seus veículos no domingo, disponível na internet e destaque no jornal O Globo e na revista Época. (Íntegra em http://g1.globo.com/
Não é a primeira manifestação desse tipo da empresa que domina o mercado brasileiro de comunicação.
Em 1989, quando se envolveu em controvérsias sobre manipulação de informações durante a campanha eleitoral para presidente da República, a empresa divulgou um credo jornalístico que a prática acabava de desmentir, ao forçar o noticiário em favor de um dos candidatos.
Depois, em 1997, o grupo empresarial divulgou um documento intitulado “Visão, Princípios e Valores”, no qual declara que deseja, permanentemente, “ser o ambiente onde todos se encontram. Entendemos mídia como instrumento de uma organização social que viabilize a felicidade”, diz a carta básica da empresa.
Esses pontos fundamentais de suas convicções são repetidos a cada ano, em seus relatórios de atividades.
Mas boas intenções não impedem controvérsias.
Em 2005, teve grande repercussão uma declaração de William Bonner, apresentador do Jornal Nacional. Bonner dissse, e sustentou, que para a TV Globo, o telespectador típico do Jornal Nacional é como o personagem de desenho animado Homer Simpson, porque teria dificuldade de “entender notícias complexas”.
Aparentemente, não há na divulgação da declaração de princípios deste final de semana qualquer contexto especial. O Brasil não se encontra envolvido em campanha eleitoral, não ocorrem grandes questionamentos sobre a imprensa e o Grupo Globo não se encontra sob os holofotes da atenção pública, como aconteceu em 2002, quando a empresa foi socorrida por um multimilionário empréstimo do BNDES.
O pano de fundo mais evidente para esse acontecimento é uma reacomodação do Grupo Globo e de outras empresas de mídia ao ambiente político nacional.
E o cenário político pode ser afetado pelo ambiente econômico, valendo lembrar que foram retomadas recentemente as negociações para um programa de crédito do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – para as empresas de mídia.
As dívidas do setor eram avaliadas, no ano passado, em cerca de R$ 10 bilhões, dos quais 60% são atribuidos às Organizações Globo.
O tema volta eventuamente à pauta e chegou a gerar um plano de socorro oficial durante o governo Lula, que foi batizado pela imprensa como Promídia.
Bandeira branca
O Forum Nacional para a Democratização da Mídia tem monitorado os movimentos de executivos de empresas do setor e já definiu posição contra qualquer programa de socorro que desconsidere o desafio da concentração da propriedade da mídia.
Além disso, exige transparência no processo e garantia de contrapartidas por parte das empresas.
Dentro das próprias organizações que representam empresas de comunicação há divergências quanto ao papel do BNDES – a Rede Record, por exemplo, entende que os recursos do banco oficial de fomento só devem ser destinados a investimento, não ao saneamento de dívidas.
Atualmente, o projeto que cria uma linha de financiamento para socorro de empresas de mídia se encontra na Comissão de Educação do Senado.
Evidentemente, o movimento das Organizações Globo, ao destinar três páginas de seu principal diário e sete páginas de sua revista semanal a uma declaração de princípios, não precisa ser necessariamente vinculado a possíveis dificuldades financeiras.
Pode ser apenas isso: um desejo irrefreável de garantir à sociedade brasileira que a Globo é do bem, que se pode esperar de seus veículos que se comportarão sempre como instrumentos “de uma organização social que viabilize a felicidade”.
O documento garante que “as Organizações Globo serão sempre independentes, apartidárias, laicas e praticarão um jornalismo que busque a isenção, a correção e a agilidade (…)”.
Mas não há também como resistir à hipótese de que, tendo exercido, nos últimos oito anos, uma oposição ferrenha e eventualmente alucinada ao governo do ex-presidente Lula da Silva, a empresa que controla a maior emissora brasileira de televisão esteja buscando novo posicionamento político.
Os analistas da empresa devem ter concluido que a atual presidente, Dilma Rousseff, não encarna um projeto pessoal de longo prazo no poder.
Ao prometer um jornalismo isento na medida do possível, mas vigilante, a Globo acena com uma trégua. Pelo menos até as próximas eleições.