Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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Os fundilhos do capitalismo

O noticiário sobre a nova queda das bolsas em todo o mundo, na sucessão de reações do mercado aos sinais de fragilidade na economia dos países mais ricos, embute um elemento até então ausente nas análises da crise: segundo a imprensa, os investidores se ressentem da falta de uma liderança que aponte a perspectiva de solução para os problemas que estão na origem de tudo.

Mas há outras questões.

Uma notícia publicada no Wall Street Journal nesta quinta-feira, dia 18, ganhou repercussão nos sites da imprensa tradicional e nos boletins de agências que tratam de assuntos financeiros: autoridades americanas estavam analisando minuciosamente os níveis de comprometimento de filiais de bancos europeus nos Estados Unidos, para medir uma possível contaminação.

Por outro lado, a notícia de que os investidores estavam correndo para os títulos públicos americanos faz lembrar que uma das causas imediatas da atual turbulência foi o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos pela agência Standard & Poor’s, no último dia 5.

Nesta sexta-feira, dia 19, os jornais informam que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos abriu uma investigação sobre a atuação da agência antes da crise de 2008, quando foram atribuidas altas notas de avaliação aos créditos imobiliários podres – chamados de subprimes– oferecidos por instituições financeiras americanas.

Como se sabe, a avaliação favorável do nível de risco desse tipo de investimento contribuiu para a expansão da bolha no setor imobiliário dos Estados Unidos, eclodindo na maior crise financeira dos últimos tempos.

A Standard & Poor’s também é investigada pela Security Exchange Comission, correspondente americana à Comissão de Valores Mobiliários do Brasil, que trata das regras no mercado de ações e títulos – pelo mesmo motivo.

Além disso, o Congresso dos Estados Unidos apura os fundamentos da decisão da agência de rebaixar a nota máxima do crédito de longo prazo dos Estados Unidos.
Segundo os jornais, já se constatou, por exemplo, que a Standard & Poor’s cometeu um erro de US$ 2 trilhões nas estimativas de aumento dos gastos públicos americanos para os próximos dez anos, uma das justificativas apresentadas para o rebaixamento da nota de risco dos Estados Unidos.

Além disso, há suspeitas de que a avaliação vazou para alguns setores do mercado antes do anúncio oficial.

Essas investigações estão expondo os fundilhos do capitalismo.

Os oráculos da imprensa

A Standard & Poor’s ainda não se pronunciou.

No site oficial da agência pode-se assistir um vídeo em inglês sobre os critérios e premissas utilizados nas avaliações do risco soberano, mas o material não responde aos questionamentos.

Nesta sexta-feira, o site destacava duas análises sobre o Brasil. Numa delas, afirmava-se que “a economia forte e o índice de desemprego estável devem moderar o aumento da inadimplência”. Outro relatório avaliava que a “força da economia brasileira mantém ratingsde operações estruturadas estáveis no primeiro semestre de 2011”.

Jornalistas e economistas de todo o mundo costumam se valer das informações da agência para fazer suas análises e exercícios de futurologia.

A notícia de que a Standard & Poors errou feio na avaliação do risco soberano dos Estados Unidos se soma agora à comprovada incúria, para dizer o mínimo, com que a agência tratou o tresloucado mercado de créditos imobiliários até o segundo semestre de 2008.

Há suspeitas de que algumas dessas análises foram influenciadas por interesses de empresas associadas à agência.

No site da McGraw-Hill Companies (www.mcgraw-hill.com), grupo que controla a Standard  & Poor’s, há uma nota esclarecendo que, mesmo sendo uma subsidiária da empresa, a agência tem um processo de decisão separado, blindado e independente em relação ao resto da companhia.

É essa afirmação – que nunca foi contestada pela imprensa – que está sendo investigada pelas autoridades dos Estados Unidos.

As notas de avaliação de risco soberano e as avaliações de desempenho de empresas costumam conduzir rebanhos inteiros de um lado para o outro dos mercados globais.

Convém lembrar, por exemplo, como a imprensa brasileira comemorou, como se fosse a conquista de uma Copa do Mundo, quando a S&P concedeu ao Brasil o grau de investimento, no final de abril de 2008.

Analistas financeiros como os que se agrupam na Standard & Poor’s costumam ser vistos como verdadeiros oráculos pelo mercado e, por conseguinte, também pelos jornalistas do setor.

Talvez seja o caso de se refletir quanto a imprensa, ao correr atrás de fontes suspeitas, também ajuda a agravar as crises.