A imprensa perdeu as eleições. Porque perdeu a oportunidade de discutir em profundidade os problemas reais do país, que se revelaram de forma concentrada nestas duas últimas semanas de campanha.
Empenhada em fazer valer suas escolhas – com a clara e inegável preferência pelos perfis mais conservadores, na eleição presidencial como nas estaduais – deixou passar ao largo as evidências de uma mudança importante no comportamento da população de baixa renda.
O que se viu, no domingo do sufrágio, foi uma tentativa de recuperar algum entendimento sobre o fato inusitado de um presidente sob a metralha unânime da imprensa chegar muito perto de se eleger em primeiro turno, com o voto majoritário da chamada base da pirâmide
social.
O desfile de sociólogos e cientistas políticos, a preencher os espaços entre as reportagens do rádio e da televisão durante a votação e entre os boletins da Justiça Eleitoral, teve o efeito de apenas reforçar a desinformação geral. Começamos a disputa e chegamos ao final do primeiro turno com o Brasil real votando majoritariamente no atual presidente e o Brasil oficial, que tem na imprensa seu espelho, negando-se a aceitar esses números.
Em torno dessa esquizofrenia, assistimos a esforços intelectuais no sentido de demonstrar que os mais pobres e os nordestinos seriam, digamos, mais tolerantes com desvios éticos na vida pública. Isso explicaria, no entender de grande parte da imprensa brasileira, o fato
de o presidente preservar até o último momento seu prestígio entre os brasileiros mais pobres apesar da sucessão quase ininterrupta de manchetes diárias contra ele.
Pelo fato de não ter se mostrado capaz de compreender que, claramente, o brasileiro das camadas de renda menos favorecidas manifestaram uma inequívoca percepção de melhoria em seu bem-estar e associam essa melhoria ao atual governo, a imprensa foi a grande perdedora na disputa eleitoral.
Mas a imprensa também é vencedora desse processo, porque conseguiu transformar sua vontade em realidade, ou seja, conseguiu evitar a definição do pleito em favor do atual presidente em primeiro turno.
Raras exceções
Batendo ininterruptamente na tecla da corrupção, parece ter finalmente introduzido o tema da ética entre os critérios de escolha de grande número de eleitores, fertilizando o terreno para ampliar o efeito da desastrada negociação do ainda obscuro ‘dossiê’ da família Vedoim por integrantes do Partido dos Trabalhadores.
No entanto, a imprensa não realizou o serviço completo ao tratar do tema corrupção. Começou e terminou sua cobertura continuada sobre os escândalos na política como se as negociatas no Congresso Nacional fossem uma criação do atual governo. E claramente se desviou de todas as pistas que conduziam à nascente de alguns dos casos noticiados para um tempo anterior ao dia da posse do atual presidente da República.
Assim, o interesse da imprensa na questão da ética na política se delimitou rigorosamente ao que estava em jogo nas eleições. A imprensa perdeu a oportunidade de colocar em debate público as fragilidades da nossa democracia, ao evitar questionamentos que pudessem diluir o impacto negativo das acusações centradas no atual governo. Da mesma forma, a imprensa não se mostrou capaz de romper o isolamento das populações carentes, cuja escolha eleitoral parecia retratar o abismo que as separa das classes médias e das elites.
A imprensa não se mostrou capacitada para entender o recado da base da pirâmide social, ou não se interessou pelo tema, descumpriu seu papel de tornar mais ambiciosos os debates essenciais à superação dos problemas nacionais e mais uma vez – como em tantas outras
oportunidades na História do Brasil – trocou o papel de mediadora pelo de protagonista no jogo do poder.
Com raras exceções (quase todas na mídia televisiva), a imprensa, em especial os jornais diários, tomou partido e influenciou diretamente nos resultados. Ganhou um tempo do jogo, ao ajudar a conduzir a disputa para o segundo turno. Mas pode ter perdido o campeonato no
longo prazo, ao assumir um papel circunstancial neste episódio.
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Jornalista