A hora da verdade na Amazônia
A reportagem que ocupou manchete da Folha de S.Pauloneste domingo, dia 16, surpreende o leitor por vários aspectos. O primeiro deles é o volume de investimentos previsto para a região amazônica: segundo o levantamento do jornal paulista, seriam no mínimo R$ 212 bilhões a serem aplicados nos nove estados da região até 2020.
Trata-se do maior projeto de desenvolvimento regional já produzido no Brasil, cujo montante equivale a mais de quatro vezes o total de capital estrangeiro que ingressou no país em 2010 e o dobro do investimento previsto pela Petrobras para a exploração das reservas do pré-sal até 2015.
O título na primeira página, por si só, poderia inspirar grandes debates sobre o tema do momento em todo o mundo: “Amazônia vira motor do desenvolvimento”.
A reportagem resulta de levantamento feito por dois repórteres com base nos projetos do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento – e nos principais projetos privados em desenvolvimento no chamado Arco Norte.
São essencialmente obras de infraestrutura, com grande destaque para geração de energia que servirá de base para projetos de transporte e mineração, associados a uma ambiciosa estratégia para atrair indústrias destinadas a compor um corredor de exportações que inclui Rondónia, Amazonas, Pará e Maranhão.
As polêmicas hidrelétricas de Belo Monte e Jirau, além de Santo Antônio, Teles Pires e Tapajós, formam essa infraestrutura para fornecimento de energia.
O segundo aspecto é a singeleza da metodologia utilizada pelos jornalistas para compor a reportagem: desviando-se dos debates sobre aspectos ambientais dessas obras, eles foram diretamente em busca da razão pela qual o governo se empenha tanto em aumentar a oferta de energia na Amazônia.
Somando os planos dessas usinas mencionadas, chegou-se à conclusão de que a região será responsável por 45% do aumento da oferta de energia no sistema elétrico nacional, passando de numa participação de 10% para 23% desse potencial realizado até 2020.
Junto com essa informação, observe-se no noticiário recente a ocorrência de anúncios de muitas contratações planejadas por grandes empresas que atuam no norte do país, especiamente as mineradoras.
Consta, segundo a Folha, que o governo irá produzir normas para a concessão expressa de licenças ambientais, além de alterar as regras de administração das áreas de preservação permanente.
Além disso, acrescenta o jornal, será regulamentada a exploração das jazidas minerais localizadas em reservas indígenas, prevista na Constituição de 1988 mas nunca normatizada.
O futuro está em jogo
A terceira e mais instigante observação a ser feita com relação à reportagem da Folha de S.Paulo se refere exatamente à questão ambiental.
A se considerar o contexto econômico e social que envolve esse megaprojeto de desenvolvimento, os atuais debates em torno das mudanças propostas para o Código Florestal vão parecer brincadeira de amadores.
Uma das questões que se encontram na base do desafio de integrar a Amazônia ao projeto econômico do país tem a ver com a necessidade, apresentada pela FAO, organização da ONU para agricultura e alimentação, de incrementar a produção agrícola em pelo menos 50% até o ano 2050: espera-se que o Brasil venha a fornecer 40% dessa nova demanda.
Para isso, o Brasil precisa aumentar a produtividade nas terras já em exploração, mas deve evitar a expansão indiscriminada de áreas agriculturáveis.
A falta de regulamentação tem impedido a exploração de grandes reservas de minerais necessários à produção de fertilizantes, e o Brasil é obrigado a importar 92% do potássio e 50% do fosfato que utiliza na agricultura.
Além disso, encontram-se em território amazônico algumas das maiores reservas das chamadas terras raras do planeta, óxidos minerais utilizados, por exemplo, nos superímãs que equipam os novos motores elétricos.
Por falta de normas, as empresas regulares ficam afastadas e essa riqueza é explorada clandestinamente, com as consequências conhecidas.
Será um grande desafio para a imprensa, no futuro imediato, destrinchar esse projeto de desenvolvimento e explicar aos leitores em que ele se diferencia do plano de ocupação da Amazônia imaginado pelos governos militares durante a ditadura.
É certo que o Brasil não pode rejeitar o dever de produzir alimentos para um planeta cada vez mais voraz, além de ajudar a tirar da miséria pelo menos 500 milhões de seres humanos. Também não pode desperdiçar a oportunidade histórica de se consolidar entre as grandes nações do mundo.
No entanto, também é preciso preservar o patrimônio ambiental e os recursos que deverão estar disponíveis para as futuras gerações.
A imprensa terá qualificações para destrinchar esse dilema?