Gelson morreu. E daí?
Menos de uma semana depois de seu assassinato, o cinegrafista da Band Gelson Domingos da Silva foi esquecido pela imprensa. A prisão de Antonio Bonfim Lopes, o Nem, considerado chefe do tráfico na favela da Rocinha, ocorrido na madrugada de quinta-feira, empurra ainda mais para o esquecimento a morte do jornalista, baleado no domingo, dia 5, quando cobria um confronto entre traficantes e policiais do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar – Bope – na zona Oeste do Rio.
Não há como perscrutar as razões pelas quais a imprensa deixou de lado a indignação inicial, o espírito de corpo e o próprio interesse jornalístico em investigar as circunstâncias do crime.
Do jeito que as coisas foram deixadas, os leitores e telespectadores acabam convencidos de que tudo não passou de uma fatalidade.
Estranho. Muito estranho. Principalmente se considerarmos que, até a última quarta-feira, dia 9, ainda havia notícias a respeito de investigações sobre a autoria do disparo.
Segundo a coluna “Outro Canal”, da Folha de S.Paulo, até aquele dia a televisão havia exibido 210 vezes imagens da morte do cinegrafista.
A Band, para quem Gelson Domingos da Silva trabalhava quando foi morto, exibiu 101 vezes a cena do momento em que ele foi atingido por um tiro de fuzil. A Recordmostrou a imagem 66 vezes, o SBT, 20, a Globo 13 vezes e a RedeTV! dez vezes.
Depois, silêncio absoluto.
Será que foi porque alguém questionou as condições de trabalho dos jornalistas que são destacados para a cobertura de conflitos?
Ou porque foi observada a diferença entre o noticiário da morte de um jornalista e as notícias sobre centenas de cidadãos comuns atingidos durante os confrontos entre policiais e traficantes nas favelas do Rio?
Quem sabe também tenha alguma relação com o estranho desaparecimento da notícia o fato de o Bope, grupamento transformado em plêiade de heróis pela mídia, ser agora considerado suspeito de negociações com traficantes.
Para azar dos investidores – principalmente a Rede Globo – justamente neste momento em que o filme “Tropa de Elite-2”, estréia nos Estados Unidos, iniciando sua campanha pelo Oscar de melhor filme estrangeiro, vem a realidade estragar a festa.
A Folha de S.Paulo destaca, em sua reportagem sobre a prisão do chefe do tráfico na Rocinha, que a tropa de elite da PM do Rio foi deixada de lado da operação porque alguns de seus integrantes são suspeitos de vazar informações para criminosos.
O Globo omitiu essa informação de seus leitores.
Jornalistas desprotegidos
Não se pode afirmar que os editores do jornal carioca se deixem influenciar pelo interesse comercial do grupo com relação ao Bope e à série que passou a ser co-produzida pela Globo Filmes após disputa acirrada com a Record.
De qualquer forma, quanto à suspeita de que os heróis da TV e do cinema podem ter recebido propina para proteger traficantes, trata-se certamente de mau negócio para a empresa, mas omitir essa informação do noticiário é mau jornalismo.
Na reportagem desta sexta-feira, dia 11 de 11 de 11, sobre a prisão do traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem, o Globo reproduz declaração do criminoso segundo o qual metade do seu faturamento com as drogas ia para o pagamento de propinas a autoridades.
Nesse contexto, torna-se ainda mais grave a omissão do jornal no que diz respeito a suspeitas levantadas contra integrantes do Bope.
Quanto à morte do cinegrafista da Band, também se deve registrar que os comentários deste Observatório sobre as diferenças entre os equipamentos usados por profissionais da Globo e os coletes usados pelos jornalistas das outras empresas de comunicação causaram certo mau-estar.
Um diretor da TV Globo esclarece que os coletes à prova de balas fornecidos pela emissora a seus cinegrafistas e repórteres, embora de uso restrito das Forças Armadas, foram adquiridos de acordo com as normas legais.
O mal-estar passa, então, para a Band e as demais empresas, cujos funcionários, segundo o Estadão, estão absolutamente vulneráveis nos confrontos em que os dois lados utilizam armamento pesado, pois seus coletes protegem apenas de tiros de revólver e pistola.
Também causou sensibilidade o fato de o jornal O Estado de S.Paulo ter divulgado informações sobre especificações técnicas desses equipamentos, porque eventualmente tais informações poderiam chegar aos traficantes, colocando em risco a vida dos jornalistas.
Ora, a constatação de que a linha divisória entre polícia e bandido continua porosa enterra essa justificativa – e é preciso afirmar que não só se pode como se deve denunciar que os jornalistas que cobrem conflitos nos morros do Rio, com exceção dos profissionais da Globo, estão absolutamente desprotegidos.
Se a imprensa não considera relevante essa informação para o público em geral, ela é útil pelo menos para a família de Gelson Domingos da Silva. E para os jornalistas que são colocados na linha de tiro.