Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Comunique-se




ENTREVISTA DE KUCINSKI
Carlos Chaparro


No Planalto, a nutrição do preconceito, 13/02/06


‘O XIS DA QUESTÃO – No discurso político do Presidente da República, bem como na retórica do PT, há uma tática esperta, bem azeitada, alimentando a convicção social de que o mundo, em geral, e os jornalistas, em particular, olham e julgam preconceituosamente Lula – só porque não conseguem esquecer que ele é operário e nordestino, sem curso superior. Mas, como esquecer isso, se o próprio Lula, em todas as caixas de ressonância de que dispõe, exalta, com justo orgulho, essas marcas como as principais da sua identidade de cidadão e político?


1. O brilho do mau-humor


No campo da Comunicação, especificamente na temática ‘Jornalismo’, o texto mais importante da semana foi a entrevista concedida por Bernardo Kucinski à repórter Alice Sosnowski, para o site da Agência Repórter Social. O meu colega e amigo Kucinski sabe, como ninguém, ser ácido quando faz crítica. A entrevista não chega a ter a dimensão de ‘fato histórico’, como sugeriu Alberto Dines. Mas a verdade é que Kucinski conseguiu espantar a pasmaceira do começo de ano com uma entrevista que reflete muito bem o brilho do seu conhecido mau humor. Bateu à esquerda e à direita, na imprensa e no governo, em repórteres e colunistas, em editores, ministros e donos de jornais. E alcançou a repercussão que pretendia, produzindo discussões que saltaram da Internet para a mídia impressa de referência.


A discussão da entrevista já está feita, em vários espaços. Mesmo no que me toca, o que tinha a dizer sobre a entrevista já o disse, respondendo a três perguntas da redação do Comunique-se (leia aqui).


Por que volto, então, a falar de Bernardo Kucinski e do que ele disse ao Repórter Social? Porque, no remoer das coisas ditas ou escritas por ele na entrevista, me pareceu que pelo menos dois subtemas devem ser pinçados, para reflexões que têm, apenas, a pretensão de ampliar o entendimento da complexidade dos supostos conflitos entre o presidente Lula e a Imprensa.


Vamos lá, então.


2. A questão do preconceito


Preconceito. Eis aí um argumento dos mais caros, na retórica do PT e do presidente Lula, quando, de dedo em riste, acusam o mundo, generalizando o quanto podem, mas em especial os jornalistas, de desrespeito a quem, por ser operário e nordestino pobre, não tem curso superior e, não tendo curso superior, não poderia aspirar a ser Presidente da República. Dentro dessa retórica, considera-se preconceituoso o trato, dado a Lula, de operário e nordestino – duas qualidades das quais, aliás, ele tanto se orgulho e tanto propaga.


Ora, preconceito não é coisa tão simples assim. E porque não é coisa assim tão simples, o uso do termo por essa retórica é, também, um uso preconceituoso. Por quê? Porque preconceito é a noção ou teoria formulada antes de se possuir dados suficientes para que essa noção ou teoria se torne provável. É o pré-juízo elaborado antes de qualquer exame das coisas, e que exclui a possibilidade de que possa ser destruído por provas em contrário. É nesse mar, por exemplo, que brotam e navegam os preconceitos sociais.


Entretanto, como considerar preconceituosa a identificação de Lula como operário, nordestino e não diplomado, se ele próprio faz questão de ser assim reconhecido e tratado, e se assim se auto-proclamar? Quando Lula diz que tem uma biografia, é disso que fala: a biografia de um nordestino, operário e não diplomado que conseguiu trilhar um caminho de realização pessoal, até alcançar o mais alto posto da República.


Se existe preconceito – e existe – o próprio Luiz Inácio Lula da Silva o alimenta, com seu poderoso discurso de líder operário e popular.


A dinâmica do preconceito pertence ao fenômeno da interdiscursividade, porque, como dizem os estudiosos do assunto, ‘todo discurso nasce de um trabalho sobre outros discursos’ – e cito a professora Helena Nagamine Brandão, especialista no assunto.


3. Tática esperta


Estudei essa questão do preconceito quando tive a oportunidade de orientar a dissertação de mestrado da jornalista, hoje escritora, Ana Maria Morales Crespo, militante quase radical dos movimentos de pessoas portadores de deficiência. O projeto trabalhava com o pressuposto, também quase radical, de que a imprensa tratava de modo preconceituoso as pessoas com necessidades especiais. Ana Maria pesquisou e estudou exaustivamente, empenhada em comprovar a sua tese. E vejam a conclusão a que ela chegou, na brilhante dissertação que apresentou, aprovada com distinção:


‘(…) O discurso do jornalista que escreve uma matéria sobre deficientes será – necessariamente – o resultado produzido não só a partir de sua história pessoal, do momento histórico em que vive, da ideologia do jornal no qual trabalha, daquilo que imagina que sejam as pessoas com deficiência etc., mas, além disso, o seu discurso também estará relacionado com o discurso dos médicos, dos religiosos, das instituições prestadoras de serviços e com o discurso das próprias pessoas deficientes e suas organizações.’


‘(…) Por isso, o discurso jornalístico não é objetivo, nem imparcial, muito menos neutro. Porém, meu caro colega jornalista – se lhe serve de consolo – isto não é um ‘defeito’ possível de extirpar. É uma característica intrínseca a todo discurso.’


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Na verdade, há no discurso do Lula nordestino retirante, e do Lula operário, bem como na retórica do PT, uma tática esperta, bem azeitada, alimentando a convicção social de que o mundo, em geral, e os jornalistas, em particular, olham e julgam preconceituosamente o Presidente da República – só porque não conseguem esquecer que ele é operário e nordestino, sem curso superior.


Mas, como esquecer isso, se o próprio Lula, em todas as caixas de ressonância de que dispõe, exalta, com justo orgulho, essas marcas como as principais da sua identidade de cidadão e político?


Por boas razões, aliás, pois com essas marcas, e graças a elas, foi eleito Presidente da República.


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A outra questão mal explicada, a pinçar, é a tentativa de se reduzir a problemática da divulgação do governo Lula a um conflito linear entre o governo e a imprensa. Isso é de uma pobreza intelectual lastimável, até porque, da discussão e da análise, se excluem as razões da sociedade, que deveriam ser prioritárias.


Mas deixemos o assunto para a próxima semana.’


Milton Coelho da Graça


Lula e nós – uma visão pelo lado de lá, 11/01/06


‘O jornalista Bernardo Kucinski é assessor especial da Presidência da República. Ele ‘edita’ diariamente ‘Carta Crítica’, um resumo analítico-opinativo da imprensa nacional e internacional, com apenas oito ou nove exemplares, destinados ao presidente Lula e a poucos ministros ‘nucleares’. No dia 4 de dezembro passado, deu interessante entrevista à repórter Alice Sosnowski, da Agência Repórter Social. Vários jornais publicaram nesta quarta-feira (11/1/05) matérias sobre essa entrevista, cuja íntegra pode ser lida diretamente no site da ARS e reproduzida ontem no Comunique-se (‘Lula eliminou a necessidade da imprensa’). Aqui destaco apenas trechos em que Kucinski revela opiniões do presidente Lula e as suas próprias sobre jornais, jornalistas e a cobertura política.


RS – Como você avalia a relação da imprensa com o presidente Lula?


Kucinski – Sempre foi muito ruim. Ele sempre foi muito maltratado pela imprensa, tirando alguns períodos – como em certo momento da greve de 1978. Fora alguns períodos, ele sempre foi muito desrespeitado. Os jornalistas não aceitam um líder político que não tenha diploma. (…)


RS – Os jornalistas ou os donos dos jornais?


Kucinski – Os jornalistas, não os donos. Os jornalistas não têm respeito com a pessoa do Lula. Há sempre há um pressuposto de que ele vai falar besteira, vai errar, de que ele não conhece as coisas, usando como parâmetro um conceito de saber que é acadêmico. O Lula sempre foi tratado com discriminação e desrespeito. E em momentos cruciais, ele foi bombardeado com difamação. Eu me lembro que alguns momentos específicos, como aquela história do carro que ele vendeu ou dele morar numa casa de favor, coisa que milhões de brasileiros fazem. Tudo era distorcido para mostrá-lo como propenso à corrupção.


RS – Mas ele sabe que como figura pública e ainda mais como presidente que tem telhado de vidro. Ele mesmo já falou sobre isso quando ganhou as eleições.


Kucinski – Claro. Ele tem consciência disso. Esse trato que a imprensa dá ao Lula deveria criar nele uma rejeição à mídia total, mas ele se controla. Interpretando o Lula, eu acho que ele tem uma visão não muito positiva dos jornalistas, por causa de tudo isso. Agora, o erro que o Lula cometeu é quando ele virou presidente. O Lula não soube dissociar ele como pessoa, o político que vem sendo perseguido faz anos, da figura do presidente. O presidente tem por obrigação receber a imprensa. Não importa o que ela vai fazer depois. É uma obrigação institucional. O presidente tem que falar com a imprensa e, através dela, falar com a nação. Eu acho que faltou ao Lula e ao governo a percepção dessa obrigação. O governo começou a tratar mal a imprensa, não da forma que a imprensa tratava mal o Lula – ofendendo, xingando, discriminando – Muito pior, eu acho. Ele eliminou a necessidade da imprensa. Ela passou a se comunicar diretamente, através das falas do presidente, do café do presidente, dos discursos do presidente, que é sempre uma fala vertical. Ele fala e não se submete ao questionamento. O governo até poderia ter feito isso se, ao mesmo tempo, estabelecesse um rito de coletiva, como todos os governos de países importantes fazem. Uma vez, duas vezes por semana ou todos os dias. Sempre que tiver um visitante estrangeiro, fazer uma coletiva. Tem um acontecimento importante, uma coletiva. De uma forma ritualística. Sempre no mesmo lugar, com o escudo do Brasil atrás. E isso, o governo Lula não fez.


RS – Quem é contra este tipo de comunicação no governo? O presidente Lula?


Kucinski – A falha é do grupo que chegou ao poder. (…) Então já começou por aí. E quando se instalou o governo a comunicação foi… eu diria o seguinte: primeiro pela experiência de vida do Lula e a convicção que ele tem de que se comunica bem diretamente com o povo, o que aliás acho verdade. Segundo, a presença do Duda Mendonça foi pertubadora. Ele passou a circular no governo de maneira informal. Ele não era ministro de nada, ele era contratado pelo governo para fazer ações de comunicação. Na minha opinião, ele não podia ao mesmo tempo ser palpiteiro do governo e quem ia fazer as ações. Nem as empresas privadas fazem isso. Você apresenta sua demanda, a empresa de comunicação apresenta a proposta e você aprova ou rejeita. Ali não. O Duda ficava dos dois lados do balcão. De maneira informal, mas isso aí prejudicou a percepção pelo governo que ele tinha de criar uma política de comunicação e colocar essa política em um plano estratégico .


Repórter Social – Como deveria ser este plano estratégico de comunicação? Deveria ser centralizado? Com quem?


Kucinski – (…) Eu mesmo fiz inúmeros projetos e foram todos engavetados, e também por uma outra coisa que aconteceu no começo do governo, que foi o seguinte: transferiu-se da vida política do PT um padrão de comunicação que é típico do político, que é a comunicação privilegiada. Quase todo o político tem algum jornalista que ele privilegia, e ele passa informação apenas para ele, há um acordo entre eles. Foi esse o padrão que se seguiu. O padrão de comunicacao do governo Lula é por um lado a fala vertical do presidente e por outro os vazamentos, que se tornaram padrão de comunicação. Vazamento de assessores muito próximos. Os vazamentos desmoralizam o governo, desmoralizam os comunicadores, insuflam a luta interna. Passa-se a fazer uma luta interna através da mídia. Usa-se a mídia para disputa interna. Vira uma distorção. Os vazamentos ou conversas reservadas com jornalistas têm um papel importante, mas ele é acessório. É legitimo chamar um grupo de jornalistas, tentar contextualizar uma situação, baseado no off. Você num certo sentido dá uma orientação, elementos para jornalistas optarem pelas prioridades dele. Isso é legitimo e necessário, mas isso tem que fazer parte de uma política de comunicação. (…)


Repórter Social – O que aconteceu quando a carta crítica vazou para a imprensa em 2004? Como o senhor interpretou o fato?


Kucinski – Eu não dei bola. Certamente foi para me agredir. Quero deixar claro que o jornalista tem o direito de fuçar, descobrir e publicar. O erro está no fato de que a carta crítica é uma conversa reservada entre eu e o presidente que, por deferência dele, é compartilhada por alguns ministros. E alguém vazou. (…)


Repórter Social – O senhor critica a forma como a imprensa conduz a crise política em Brasília? O que falta para os jornalistas?


Kucinski – Está faltando tudo. Falta conhecer história, e falta a preocupação em conhecer. Falta operosidade. Eles não trabalham a sério as questões, não vão a fundo. Estou falando do jornalista, do repórter. Você tem aí uma grife, os colunistas. Estes têm conhecimento, bons contatos, cultura, bagagem. O problema é outro.


Repórter Social – Qual?


Kucinski – Eles têm um espaço privilegiado na imprensa porque defendem certas posições. Todos eles defendem a política econômica do Palocci, do Banco Central, defendem corte de gasto público, o Estado mínimo. Por isso, eles são premiados com espaços nobres. Há um processo de seleção na verdade. E eles estão em todos os lugares. Você abre o jornal, ele está no jornal. Você liga o rádio, ele está no rádio, você liga a TV, está na TV. Estão em todos os espaços ao mesmo tempo, pq eles estão falando aquilo que o poder quer que ele fale. Você tem exceções, mas elas são contada nos dedos de uma mão, como o Luis Nassif por exemplo. Em geral, eles são tolerados porque legitimam o jornal. Os dissidentes, os mais críticos também têm o seu espaço, mas é um espaço mais acessório, ocasional, calculado para que ele não influa no tom geral do discurso da mídia.


Repórter Social – E os repórteres?


Kucinski – O problema do repórter é que eles estão vivendo um momento muito difícil. De extrema competição, uma carga de trabalho que não deixa espaço para um trabalho aprofundado. E nesse ambiente, com essa carga, nas circunstâncias atuais, criou-se nesse reportariado uma postura muito igual de todos eles. Sendo todos iguais, todos correm menos risco. E qual é a postura igual? Todos acham que todo o governo Lula é corrupto, tudo que todos os ministros fazem é suspeito e qualquer coisa que se faça, alguma coisa tem por trás daquilo. Como o trabalho é uma pauleira, não dá tempo de investigar direito. Aos poucos a gente foi vendo que as acusações viraram matéria; as pautas viraram matérias. Matérias inteiras que deveriam ser o ponto de partida e elas são o ponto de chegada.


Repórter Social – Mas isso não é responsabilidade dos editores, diretores dos jornais?


Kucinski – Aí junta a fome com a vontade de comer. Eu não acho que eles (os repórteres) fazem isso porque mandam eles fazerem. Eles fazem isso porque estão possuídos por um sentimento genuíno de indignação. Eles se sentem cruzados de uma cruzada moral. Se você ousar dizer o contrário pode ser repudiado pela categoria. A palavra de ordem é acusar e linchar. Eu acho que daqui a 10 anos vai haver um mea culpa. Vão perceber que 3/4 das acusações eram infundadas. Se uma pessoa vai falar com um ministro, isso não quer dizer que tem corrupção. Vão perceber que a tal empresa do Gushiken não teve sacanagem e afundou por causa dessa campanha. Vai ver quantas empresas já quebraram por causa dessa campanha


Repórter Social – E os repórteres?


Kucinski – O problema do repórter é que eles estão vivendo um momento muito difícil. De extrema competição, uma carga de trabalho que não deixa espaço para um trabalho aprofundado. E nesse ambiente, com essa carga, nas circunstâncias atuais, criou-se nesse reportariado uma postura muito igual de todos eles. Sendo todos iguais, todos correm menos risco. E qual é a postura igual? Todos acham que todo o governo Lula é corrupto, tudo que todos os ministros fazem é suspeito e qualquer coisa que se faça, alguma coisa tem por trás daquilo. Como o trabalho é uma pauleira, não dá tempo de investigar direito. Aos poucos a gente foi vendo que as acusações viraram matéria; as pautas viraram matérias. Matérias inteiras que deveriam ser o ponto de partida e elas são o ponto de chegada.


Repórter Social – Mas isso não é responsabilidade dos editores, diretores dos jornais?


Kucinski – Aí junta a fome com a vontade de comer. Eu não acho que eles (os repórteres) fazem isso porque mandam eles fazerem. Eles fazem isso porque estão possuídos por um sentimento genuíno de indignação. Eles se sentem cruzados de uma cruzada moral. Se você ousar dizer o contrário pode ser repudiado pela categoria. A palavra de ordem é acusar e linchar. Eu acho que daqui a 10 anos vai haver um mea culpa. Vão perceber que 3/4 das acusações eram infundadas. Se uma pessoa vai falar com um ministro, isso não quer dizer que tem corrupção. Vão perceber que a tal empresa do Gushiken não teve sacanagem e afundou por causa dessa campanha. Vai ver quantas empresas já quebraram por causa dessa campanha


Repórter Social – E por que a imprensa entrou na campanha de linchar o governo Lula?


Kucinski – Porque o governo Lula decepcionou. (…) O que está acontecendo é que todo mundo acha que tem que fazer uma acusação. Tem que fazer parte de um processo histórico, como se estivesse pertencendo a uma coisa que uma geração está fazendo: a nossa geração está derrubando um governo corrupto. Todo o jornalista se sente na obrigação de contribuir com isso. Eles acreditam que estão fazendo o bem. Eles estão percebendo a superfície das coisas e não os fundamentos. (…)


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Pera aí, não é nossa exclusividade


Notícias de primeira página na imprensa americana desta quarta-feira (11/1):


1 – Segundo o USA Today, a Receita Federal reconhece que não fez restituições a centenas de milhares de contribuintes de baixa renda, porque suspeitou de fraude, mas não deu essa informação aos contribuintes nem lhes deu a chance de se explicarem.


2 – O Washington Post informa que os dois disputantes à liderança da maioria republicana na Câmara dos Deputados já andaram envolvidos com lobistas. O dep. Roy Blunt tentou enfiar numa lei uma emenda que beneficiaria a Philip Morris, para quem sua namoradinha da época fazia lobby. O outro, dep. John Boehner, certa ocasião distribuiu entre alguns coleguinhas cheques (tipo mensalão) da indústria de fumo.


3 – Ainda o Washington Post: um artigo assinado por um oficial superior britânico no jornal do exército dos EUA afirma que a ‘insensibilidade cultural’ dos militares americanos deu força à insurgência porque ‘podia ser comparada a racismo institucional’. (Essa nem no Haiti nós imitamos)


4 – O Los Angeles Times termina uma série de quatro reportagens sobre o declínio e a vigarice no Sindicato dos Trabalhadores no Campo, fundada pelo famoso líder sindicalista César Chavez (nos arquivos dos nossos jornais existe bom material sobreesse rapaz). A maior parte do dinheiro do sindicato, segundo o jornal, ‘está sendo gasta em glorificar Chavez e expandir os negócios de sua empresa familiar, que inclui uma dúzia de parentes.’


5 – O ex-prefeito negro de Washington (hoje só vereador) Marion Berry foi apanhado com o nariz cheio de cocaína. E deu ao Post uma resposta clássica de políticos ou cheiradores ‘profissionais’ apanhados em flagrante de besteira: ‘Escrevam o que vocês quiserem. Essa é a minha declaração. Nem mais, nem menos.’’




CRISE NA MÍDIA
Thais de Mendonça Jorge


Lula, Lula, Lula: falta de assunto subjuga redações às fontes oficiais, 10/01/06


‘Fim de ano, início de um novo. A época é boa para fazer um balanço do tipo de cobertura que a mídia dá à figura do presidente da República.


O jornal norte-americano The New York Times publicou, em sua edição digital, no período de 26 de dezembro a 5 de janeiro, apenas cinco notícias com o presidente George W. Bush.


Em compensação, o Uol/ Folha Online inundou os nossos computadores, nesse mesmo período, com 21 matérias tendo o presidente Lula como principal fonte.


Isso sem falar no rádio e na televisão, onde Lula aparece todos os dias, seja pela chamada mídia espontânea – resultado dos pronunciamentos que faz no país e no exterior -, seja como convidado, no caso dos recentes programas Roda Viva e Fantástico.


Tudo estaria muito bem, não fosse o fato de termos entrado num ano eleitoral e de Luiz Inácio se tornar garoto-propaganda de si mesmo. A excessiva personalização empata a discussão de assuntos relevantes e denota a existência de uma crise que ameaça as redações e subtrai leitores.


Há muito se nota, nas pequenas e grandes redações do país, a falta de uma pauta estimulante, de levantar temas que interessem à população, de suscitar uma polêmica saudável acerca dos problemas dos brasileiros.


Pressa e pressão


O coordenador do Núcleo de Estudos de Mídia e Política (Nemp), professor Luiz Gonzaga Motta, comentou as conseqüências da cobertura do mensalão e da crise política nos leitores: ‘O noticiário deixa a impressão de que, intencionalmente ou não, jornais e jornalistas acabam servindo de meninos de recado à classe política (…)


Abastecem as intrigas, acusações, trocas de desaforos de uns com outros, criando uma superficialidade política e uma cobertura jornalística distante da realidade da vida, longe das preocupações cotidianas dos cidadãos (‘Quem lê tanta política?’, edição no. 1 do site midiaepolitica.unb.br).


Entretanto, não são só os temas de corrupção que tendem a intoxicar o público. A insistência nos mesmos assuntos, lacunas de criatividade, a pressa e a pressão vêm fazendo com que os jornalistas andem atrás das mesmas fontes, que estampem informações repetidas, por vezes erradas e, sobretudo, que deixem de lado questões que estão na agenda coletiva.


Leigos, quando comentam o trabalho jornalístico, por alguma razão superficial ou sem interesse, são taxativos: ‘É falta de assunto’. Creio que a falta de assunto é falta de imaginação, desprezo ou ausência de cuidado com os assuntos do dia-a-dia das pessoas. Esse é o item mais importante no presente momento, em que se começa justamente mais uma campanha eleitoral.


No dia 22 de dezembro, os telejornais da noite dedicaram grandes espaços ao presidente Lula. Em visita a Montes Claros (MG), o chefe do Executivo inaugurou um posto de saúde que só iria funcionar no mês seguinte, ganhou presentes, subiu ao palanque e fez discurso. Já em Brasília, nesse mesmo dia, inaugurou nova pista do aeroporto e fez um passeio pelos céus de Brasília com funcionários da Infraero. Estava aberta a temporada de caça aos votos para as eleições de 2006, como, apropriadamente, identificou um repórter do SBT.


A partir do dia 26, última semana do ano – semana considerada morta -, a carência de material noticioso fez com que o governo fosse feliz na ocupação dos espaços vazios da imprensa. Lula-candidato e a estratégia para os últimos dias de mandato (tapar os buracos das estradas, fazer algo pela educação) entraram de graça na mídia. E os leitores/ espectadores/ ouvintes tiveram que engolir pseudonotícias do tipo:


‘Não prometo, eu garanto ao povo brasileiro que vamos ter um Brasil se desenvolvendo muito mais em 2006.’ A frase do presidente ganhou a capa de todos os jornais impressos e páginas da internet do dia 26 de dezembro. A origem não era nem uma declaração de Lula em alguma solenidade, muito menos numa entrevista. Derivava do programa Café com o presidente.


A Radiobrás divulgou a gravação cedo: às 9h29 já estava no site do Uol, e às 9h35 na Folha Online com as mesmas palavras em destaque. Os textos chamavam a atenção para o tom de palanque do pronunciamento. O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, apressou-se em desmentir a informação, que admitiria dias mais tarde (5 de janeiro), em entrevista a uma rádio baiana: Lula (ainda) não era candidato.


Entre os dias 26 de dezembro e 5 de janeiro, ficamos sabendo que Lula perdeu, entre 2004 e 2005, um terço de simpatizantes (26/12) – na verdade, a matéria era sobre o PT, mas a Folha de S. Paulo abriu manchete personificada na figura do presidente; que Lula sancionou repasse de verba aos municípios (27/12); e que criticou tratamento a prefeitos pelos governos anteriores (28/12).


No mesmo dia 28, o presidente conseguiu, no Uol/Folha, outras manchetes: ‘Lula decretará estado de emergência em estradas’; ‘Presidente critica tratamento a prefeitos’ e ‘Lula pede aprovação de Fundeb antes do Orçamento 2006’. No dia seguinte, 29/12, a notícia sobre a criação da Super-Receita (‘Decreto define integração de secretarias da Receita Federal e Previdenciária’), texto que poderia ter como fonte apenas o governo, começava com o ato de assinatura do documento: ‘O presidente Lula determinou hoje…’, sentença perfeitamente dispensável.


Mais café


No dia 30, antevéspera do ano novo, quando grande parte das pessoas está se dirigindo às estradas, o tópico principal das capas seria o programa de recuperação lançado às pressas pelo governo para inaugurar, a propósito, o eleitoralismo às escâncaras. O réveillon do presidente na Granja do Torto – ‘uma festa simples’ – mereceu uma absurda nota de seis parágrafos, onde ficamos sabendo que Lula começou mais cedo sua folga de fim de ano, mas que ainda iria gravar o Café com o presidente.


Enquanto isso, nos Estados Unidos, Bush, que, de 26 a 30 teve apenas duas menções, ambas negativas, no NYT (‘Collin Powell defende escuta telefônica’ e ‘Bush designa nomes para compor a Comissão Eleitoral’) também teria seu fait-divers. ‘Presidente usa tranqüilidade das férias para preparar agenda de 2006’ era o título da matéria que ocupou 130 linhas na página on-line, informando o que Bush faria nesse tempo e que voltaria mais cedo à Casa Branca para ‘dar o tom’ do restante de seu mandato.


Um texto analítico – ‘Lula troca slogan de `Paz e Amor´ por `Pai dos Pobres´’ – da Folha de S. Paulo, republicado pelo Portal Uol no primeiro dia do ano, seria uma tentativa de dar fecho às especulações sobre a candidatura com algumas informações inéditas. Entretanto, ainda assim, a análise acabava caindo na banalidade de interpretações a partir de uma única fonte, citada como ‘um ministro’, e fazia uma revelação: ‘O jornalista João Santana, marqueteiro que dá consultoria ao Palácio do Planalto, deverá exercer o papel que foi do publicitário Duda Mendonça na campanha de 2002’.


Nos dias seguintes fomos brindados com o dado de que 25 escolas profissionalizantes seriam inauguradas pelo governo (ou melhor, por Lula) em 2006 – e um novo apelo de Lula pela aprovação do Fundeb, ambas informações da Agência Brasil, do programa Café com o presidente. Houve ainda a repercussão da entrevista que Lula deu ao Fantástico e que foi ao ar no domingo, dia 1/1. Em outras palavras, comida requentada para o público.


Apenas em um dia (4/1), no site Uol, o presidente brasileiro aparece em três matérias (‘Lula recebe ministro australiano e volta a discutir recuperação de estradas’, ‘com Agência Brasil’; ‘Lula confirma que vai a Davos’; e ‘Lula tentará reverter desgaste político com obras estruturais’). Esse número seria baixo diante do que ocorreu a 5/1, quando se pôde contabilizar mais de 10 notícias com menção ao presidente, a maior parte favoráveis. ‘Lula deve voltar à África em fevereiro’; ‘Lula quer intensificar e diversificar parcerias internacionais, diz ministro’; ‘Lula deve indicar este ano mais um ministro para o Supremo Tribunal Federal’; ‘Presidente Lula folga quatro dias na Bahia’; ‘Wagner afirma que Lula decide até março se disputará reeleição’; ‘Chanceler argentino prepara encontro Lula-Kirshner’; ‘Diretor-geral do FMI vem ao Brasil a convite de Lula’ (três versões), totalizam 400 linhas.


Só no texto ‘Votos de recuperação e de paz marcam mensagens de líderes’ (agência Efe), Lula teve quatro parágrafos. A íntegra da nota distribuída pelo Palácio do Planalto sobre a doença de Ariel Sharon foi para a tela em três diferentes formas. ‘Lula folga 4 dias em praia privativa na Bahia’ (40 linhas), ‘Chances de Lula em 2006’ (opinião), a coluna humorística de José Simão e até comparações com JK da minissérie da Globo completam a exploração da efígie presidencial transmitida à população.


Top Stories


Nas repercussões sobre o estado de saúde de Sharon, na editoria internacional do New York Times, o presidente da maior economia ocidental disputou espaço com outros chefes de Estado: Bush não teve mais que três exíguas linhas. Porém, pela primeira vez em 10 dias, o presidente norte-americano mereceu lugar entre as top stories e teve até foto na primeira página: foi durante um briefing sobre o Iraque. Isso aconteceu simplesmente porque o Iraque é assunto diário na capa desse jornal.


Na década de 1990, quando visitei a redação do New York Times, ouvi incrédula uma declaração do editor-chefe. Que, apesar de ter repórteres cobrindo a White House e os organismos de governo todos os dias, o jornal não se sentia na obrigação de dar espaço ao presidente. ‘A não ser quando fizer algo relevante’, disse esse respeitado jornalista da casa, Ben Bradlee. ‘Se for apenas levar flores aos mortos na guerra, não vale a pena gastar espaço’, completou.


A fixação na figura humana do político já nos causou problemas anteriormente. Em minha tese de mestrado em Ciência Política (‘Collor: ascensão e queda do salvador da pátria. Análise da construção de um mito político nas páginas do Jornal do Brasil’), apresentei cenários em que a mídia colaborou para erigir a imagem de um candidato ideal, e mais tarde também ajudou a destruí-lo.


O perigo de ressaltar as qualidades pessoais de um político está em que todo o restante de planos, propostas e programas vão sendo relegados a segundo plano, em favor da exaltação à coragem, beleza e até à virilidade do candidato. A imprensa sem imaginação e com recursos materiais escassos embarca no jogo pirotécnico das luzes e da ribalta porque carece de instrumentos para cativar a atenção dos leitores.


No entanto, precisamos ver que o país e as pessoas mudaram. Depois de tantos golpes e escândalos, ainda não conseguimos botar na cadeia todos os que deveríamos, mas discutir assuntos como educação, saúde, moradia, direitos humanos, meio ambiente, qualidade de vida, direito à informação, justiça não significa apenas dar espaço a esses temas, quando eles chegam pelas agências internacionais.


O chão e as árvores


Enviar repórteres para escarafunchar os rincões do Brasil e descobrir de quê e como vivem as pessoas – como votam e porquê -, é tarefa de jornalistas. Numa cobertura muito focada em setores (financeiro, transportes, Planalto, Justiça, Itamaraty e outros), corre-se o risco de perder a visão do chão e só ficar com a visão das árvores. Indo ao extremo, poderíamos ter na cabeça que cobrir os ministérios e os ocupantes temporários da Esplanada, só se for para revelar os canais do caixa-dois.


A crise de pauta, no momento, está em uma excessiva focalização no presidente Lula, nos escândalos e assuntos de governo. Pelas condições em que estão estruturadas as redações dos sites noticiosos, como o Uol, a Folha Online e O Globo Online, repórteres não vão às ruas com freqüência e, na maior parte do tempo, apuram matérias por telefone. Assim, dependem das assessorias e secretarias de comunicação, da Agência Brasil e de fontes da própria casa para abastecer os leitores durante 24 horas.


Uma reflexão que convidamos os editores a fazer é quanto ao espaço dado (usurpado, tomado) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A campanha aberta pelo candidato Lula neste início de ano tem que oferecer, no mínimo, espaço idêntico aos concorrentes. Não é uma questão de justiça apenas – do direito à informação – e, sim, um item da agenda dos leitores.


Não precisamos cobrir ‘aventuras de campanha’, como fez o Jornal do Brasil na época de Collor, transformando a cobertura num espetáculo colorido e otimista. O que a mídia necessita mostrar são as condições do Brasil e dos brasileiros. A crise de pauta tem um diagnóstico certeiro. É que a mídia não está funcionando como canal, não está dando voz ao povo quando, acima de tudo, deveria voltar ao tempo das estalagens, sua verdadeira origem.


Nas pousadas do século XV, viajantes de todos os tipos – entre eles os menanti (mercadores de notícias) – trocavam informação, entre uma e outra troca de cavalos. Era uma via de mão dupla como deveria ser agora: a imprensa precisa mostrar aos novos pretensos governantes o que são e o que querem os cidadãos e levar à população as idéias e projetos que eles desejam implantar, nas estradas pavimentadas entre grandes cidades e nas estreitas ruas dos burgos pobres.


(*) Editora-executiva do site Mídia&Política.’




HAITI, BRASIL & MÍDIA
José Paulo Lanyi


A morte do general Bacellar, 12/01/06


‘Um corpo, uma mancha de sangue e um mistério. O sangue se esvai do corpo do general Urano Bacellar, brasileiro, comandante da Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti, o país mais pobre do Hemisfério Ocidental. O mistério começa com a autoria e, uma vez confirmado o que se diz, possivelmente nunca chegará ao fim. Relatos e perícias apontam para o suicídio do oficial. Um gesto incompreendido por todos, menos para quem o praticou. Se é que o praticou.


Faltou alguém lá na hora. Um repórter, mas não o ‘embedded’ ou o circunscrito às áreas autorizadas. Faltou alguém para nos explicar o que estava acontecendo com o general e à volta dele. As primeiras informações dos jornais brasileiros cheiravam a material de agência internacional, secundado pelos necessários telefonemas da Redação. As fontes de primeira hora eram as oficiais: Itamaraty, Minustah (a Missão de Estabilização da ONU no Haiti), Ministério da Defesa… E um ou outro testemunho de oficiais que não quiseram se identificar e que cravaram na versão do suicídio.


Perguntas, perguntas, muitas perguntas vêm à mente, quando se depara com a notícia:


1) O general suicidou-se, acidentou-se ou foi assassinado?


2) Como se acidentar, sendo um ‘exímio atirador’, como destacaram os jornais, e acertar a própria boca?


3) Foi assassinado? Por quem?


4) Suicidou-se? Por quê?


4b) O que levaria um general a um extremo desses? Como lidar com um fato que não bate com os registros históricos? Oficiais generais dificilmente se matam, salvo em tempo de guerra (ao cair nas mãos do inimigo, por exemplo) ou motivados por questões pessoais. O que teria levado um homem preparado, forjado no aço do exercício, inspirado pelo ideal da honra militar, à frente de uma missão invejável, embalado pela lembrança carinhosa da família, o que teria levado esse homem a praticar o que, dizem os legistas brasileiros, ele praticou? Terá sido pela ‘solidão do comando’ e por uma sensação de derrota, como sublinhou Ricardo Bonalume Neto, na Folha, ao analisar a incidência de suicídios entre os militares?


4c) Qual é o perfil do General Bacellar? É calmo, equilibrado? Como reage sob pressão? Como chegar aonde chegou, sob o crivo implacável de seus superiores, sem o domínio de si mesmo? Ou ele era, sim, senhor de si mesmo, de suas frustrações e de seus dilemas?


4d) Se apresentava sintomas de depressão, como o Exército não a diagnosticou, no dia-a-dia ou em um desses testes psicológicos realizados ao longo da carreira de um oficial?


5) Em caso de assassinato, a verdade seria ou não encoberta pelas chamadas ‘razões de Estado’?


5b) O que é mais desmoralizante para uma tropa? O suicídio de seu líder máximo no teatro de operações ou o seu assassinato por um comando inimigo? O que dizer aos soldados e à Nação?


De todas as informações divulgadas a mais elucidativa, a meu ver, foi esta, de Raphael Gomide, publicada pela Folha de S. Paulo em 10 de janeiro:


‘O general Urano Bacellar, 58, tinha crises de depressão freqüentes ainda como tenente pára-quedista, nos anos 70, e falou várias vezes que tinha vontade de se matar, segundo seu instrutor e companheiro de alojamento Osvério Ferreira Motta, 63, coronel da reserva do Exército.


Os dois oficiais pertenciam à tropa de elite do Exército e fizeram parte dos grupos que atuaram contra a guerrilha do Araguaia nos anos 70. Segundo Motta, eles conviveram intensamente -tinham camas lado a lado- por cerca de seis anos, na Brigada Pára-Quedista, no Rio, quando eram tenentes, e se conheciam desde a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Após o período no Rio, encontraram-se esporadicamente, até o início dos anos 90, quando o coronel foi para a reserva.


Motta diz que na maioria das vezes o motivo da depressão do colega era o rigor extremo de certos treinamentos militares, e que Bacellar -homem ‘reflexivo e intelectualizado’- contestava a razão de alguns exercícios e os métodos de missões de combate a opositores do regime militar. Segundo o militar, Bacellar comandou patrulhas no Araguaia.


‘Ele sempre falou que ia se matar e entrou muitas vezes em depressão. Eu chegava para o café da manhã, perguntava o que estava acontecendo e ele me dizia: ‘Estou triste hoje. Não estou entendendo mais nada. Isso aqui não tem razão de ser’.


Aqui, a fonte tem nome, sobrenome e alta patente. Deve ser considerada como ponto de partida. Fora essa, não notei nenhuma outra que pudesse explicar o infortúnio do comandante brasileiro.


Jornalisticamente, chegamos tarde demais. Precisamos de uma explicação para um fato chocante e fomos encontrá-la não em Porto Príncipe, mas no Rio de Janeiro.


Ainda se desconhecem as razões que culminaram na morte do general Bacellar. Mas já se pode dizer: nos jornais, a cobertura mirou no alvo e, de modo geral, acertou no oficialismo.’




JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu


Coisa de circo, 12/01/06


‘‘…que pra coisas de putaria


pros serviços sem valia


não precisa sabedoria


(Talis Andrade in Sertões de Dentro e de Fora)


Coisa de circo


O considerado Lineu Tavares, de São José dos Campos, escutou no rádio que a deputada Ângela Guadagnin, do PT de São Paulo e, segundo ele, ‘ex-péssima prefeita’ de sua cidade, inventou um projeto de lei que proíbe a presença de animais em espetáculos circenses. Lineu ficou revoltado:


Se proibirem os bichos, o que os circos vão apresentar, além de mágicos, palhaços e anões? E esses nós já temos às dúzias no Congresso Nacional…


Janistraquis acha que Lineu Tavares esqueceu a mulher barbada.


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Morte no inferno


Deu em jornais daqui e d’alhures:


Laudo indica suicídio de general brasileiro no Haiti


Eu, que aprendi a desconfiar de Deus e todo o mundo, botei os dois pés pra trás, duas pulgas atrás de cada uma das orelhas e, pra completar, mergulhei a barba naquela água limpinha onde prolifera o mosquito da dengue. ‘Aí tem!’, disse a meus zíperes, porém Janistraquis escutou e disparou esta e definitiva opinião:


‘Considerado, é claro que o homem se matou; você desconfia porque nunca esteve no Haiti…’, suspirou meu secretário, que certa vez, em missão jornalística a serviço do falecido jornal Notícias Populares, foi obrigado a fazer pouso forçado num terreno baldio mais tarde identificado como o aeroporto de Porto Príncipe.


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Extrema veadagem


A considerada Daise Cristina Moraes lia o Estadão quando lhe feriu os olhos o seguinte e herético textinho, pisoteado pelo título PADRE QUE REZOU MISSA VESTIDO DE ORIXÁ É AFASTADO:


(…) Ao saber que um grupo de paroquianos havia encaminhado um abaixo-assinado pedindo seu afastamento da paróquia, na última missa da Festa de Reis ele teve um ataque histérico dizendo que só sairia da Igreja da Lapinha, onde está a 33 anos, ‘morto’.


Daise comentou:


Ao que parece, até no velho e sábio Estadão o pessoal desconhece a diferença entre a preposição ‘a’ e o verbo ‘haver’, para desespero do considerado José Inácio Werneck e seus pares; ah,ah,ah…


Segundo Janistraquis, que foi coroinha por necessidade, qualquer errinho do jornal torna-se ínfimo diante da sesquipedal veadagem do piedoso sacerdote.


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Milagre nos EUA


O considerado Victo Rennó Neto leu no site do Estadão esta notinha devidamente sufocada sob o título Dick Cheney recebe alta após insuficiência respiratória:


Washington – O vice-presidente americano, Dick Cheney, recebeu alta do Hospital da Universidade George Washington, na capital americana, onde esteve internado durante a madrugada, aparentemente, devido aos efeitos colaterais causados por um remédio, informaram fontes governamentais.


Cheney, que completará 65 anos no final deste mês, sofreu quatro ataques cardíacos, tem um quádruplo desvio coronário, passou por duas angioplastias e carrega um marca-passo. O eletrocardiograma realizado nesta madrugada, no entanto, mostrou que o vice-presidente não sofre de problemas no coração.


Victo, que não diz se acredita em milagres, estranhou:


Veja só, mesmo com todo este histórico médico o repórter ainda é capaz de dizer que ele não é cardiopata. É mole?


Janistraquis acha que, em sendo o repórter americano, o redator do Estadão achou melhor não discutir…


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Literatura


Rascunho, ‘o jornal de literatura do Brasil’, como se autodenomina, é editado em Curitiba, reúne excelentes críticos, entre os quais seu diretor, Rogério Pereira, e inaugurou novo site. Faça uma visita, aproveite para assinar a versão impressa e ajude a divulgar o jornal. ‘Quem gosta de ler, não pode perder’, avisa Janistraquis.


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Exagero


Sob o título O dono da África, a chamadinha na capa do UOL convidava à leitura de matéria da Raça Brasil, embora o texto só estivesse disponível para assinantes da revista:


O publicitário Nizan Guanaes diz que o negro na propaganda é sinônimo de sofisticação e que só não aparece com igualdade nos comerciais porque a sociedade brasileira é que é desigual.


Janistraquis, que, como tantos e tantos neste país de m…, vê o negro como perfeito sinônimo das injustiças dessa sociedade brasileira tão desigual, como o próprio Nizan admite, acha que o próspero e inteligente baiano exagerou na criatividade:


‘Considerado, será que o publicitário está mesmo convencido de que basta uma boa campanha para eliminar todas as dificuldades dos negros e transformar a miséria em charme e sofisticação? Isso só pode ser herança do marketing político, pois afinal foi outro baiano também esperto quem transformou um operário não muito letrado em presidente do Brasil.’


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Sérgio Augusto


Num ensaio intitulado A guerra contra a fé que não ousa dizer seu nome, publicado no Caderno 2 do Estadão, escreveu este que é o melhor ensaísta do Brasil:


Mais difícil do que governar um país com mais de 200 tipos de queijos, como a França, é levar sempre a sério um país, como os EUA, onde 40% da população dão alguma credibilidade à astrologia, 44% duvidam da teoria evolucionista de Charles Darwin e 52% ignoram que a Terra dá uma volta anual em torno do sol.


(Leia a íntegra no Blogstraquis).


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Entre uma e outra


O considerado Ubirajara Moreira da Silva Jr., de Brasília, implicou com a manchete Sharon entre a vida e a morte, que leu em O Globo:


Passei a minha vida toda envolto no grande engano e atolado na minha santa ignorância, achando que todo e qualquer ser humano (e por que não dizer, animal) vive entre a vida e a morte desde o instante em que nasce!!!


Janistraquis acha que você é muito radical, Ubirajara; lembre-se dos que sempre viveram entre a riqueza e a safadeza e não morrem de jeito nenhum, apesar das pragas, vodus variados e até alguns atentados…


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De levantar defunto


O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal em Minas Gerais, enviou notinha publicada no caderno Cidades, do Diário da Tarde de BH. Ali, sepultado sob o título SAUDADES – Arromba túmulo para rever o grande amigo, lê-se:


O servente de pedreiro Edson Vieira foi preso em flagrante, depois de violar a sepultura de um amigo, conhecido como Zé Grande , morto no dia 7 de dezembro do ano passado, em Conselheiro Lafaiete, a 96 km de BH. De acordo com testemunhas, Édson foi ao cemitério, e alegando que iria fazer reparo em um dos túmulos, pegou algumas ferramentas e arrombou a sepultura.


Depois, o servente retirou o caixão com o corpo do amigo e abriu. Funcionários da administração do cemitério acionaram a Polícia Militar, que prendeu o acusado. Édson afirmou que queria apenas ver novamente o amigo, pois estava com muita saudades dele.


Camilo achou normal, pois ‘como diz Mílton Nascimento, também conhecido como Bituca, amigo é pra se guardar…’; porém Janistraquis, que na juventude comeu muito frango de macumba com cachaça, garante: pelos sintomas, o acusado tomou tantas na passagem do ano que tá de porre até hoje.


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Desastre de trem


O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no DF, de cujo varandão escancarado é possível acompanhar a indignação de Bernardo Kucinski contra os jornalistas, pois Roldão lia o caderno Turismo, do Correio Braziliense, quando fez baldeação na matéria intitulada Aventura sob trilhos. Aí o Mestre embarcou nesse verdadeiro Expresso da ignorância e teceu tantos comentários que o espaço da coluna ficou pequeno.


Leia no Blogstraquis a minuciosa diatribe de Roldão.


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Nota dez


A entrevista que o considerado Augusto Nunes concedeu ao Jornal do Commercio deveria ser copiada e distribuída a instituições públicas e privadas de todo o país – e ainda lida e repetida na Voz do Brasil, se tivéssemos um governo democrático. Leia um trechinho e confira a íntegra no Blogstraquis:


(…) Na hora em que surgirem os candidatos, quaisquer que sejam, o Lula não vai mais poder posar de rainha da Inglaterra, como na campanha passada. Ele podia se recusar a dar entrevistas, a ir a debates…; dessa vez Lula vai precisar dos debates. Agora, não será um debate com jornalistas, que estarão amedrontados ou não terão direito a réplicas. Vai ser um debate que questionará o crescimento econômico e um governo que não tem obras físicas para mostrar porque caiu na falácia.


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Errei, sim!


‘EXISTO, LOGO HESITO – Nosso leitor E. Nogueira, de São Paulo, enviou editorial do Estadão, no qual o redator cometeu este massacre: ‘(…) Tudo leva a crer, porém, que os cuidados tomados pela BMF e pelos participantes do pool são suficientes para garantir o hesito da obra e abrir uma nova forma de financiamento privado de obras públicas.’


Janistraquis concorda com Nogueira. Na verdade, a leitura do texto nos permite descobrir a razão pela qual esse hesitante pessoal – executores e críticos – que produz nosso exasperante mundo econômico não consegue levar o Brasil a bom êxito. Ou será hezito, ou ezito, ou ainda hexito?!?!?!’ (fevereiro de 1994)’




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