Forçando conclusões
Enquanto o resto da imprensa deixa esfriar o assunto, a Folha de S. Paulo requenta a crise da USP com uma pesquisa do Datafolha sobre a opinião dos estudantes da universidade a respeito da presença da Polícia Militar no campus, publicada domingo, dia 13, com repercussões na edição desta segunda-feira.
Mas pode-se levantar alguns questionamentos sobre o resultado da consulta em pelo menos dois aspectos.
Um deles se refere às amostragens de alunos consultados nos cursos de ciências humanas – notoriamente contrários à ação de policiais na universidade – e nos de ciências físicas e biológicas, manifestamente favoráveis ao convênio entre a reitoria e a Polícia Militar.
O jornal não informa, dentro do total de 683 estudantes abordados em 28 unidades, quantos estudam em cada faculdade e qual é a proporção de cada grupo em relação ao total de alunos dessa unidade.
No entanto, induz o leitor a acreditar que uma maioria absoluta apoia a presença da PM.
Outro ponto de interrogação é quanto à formulação da pergunta específica, uma vez que o problema não se refere exclusivamente à presença ou não da PM, mas à eficiência do tipo de patrulhamento que os policiais realizam e à maneira como costumam abordar os estudantes.
Ou seja, o problema é a falta de segurança na Cidade Universitária e se a PM é a melhor solução.
Além disso, ao misturar a pergunta genérica que tenta captar a sensação subjetiva de segurança com questões comportamentais, como experiência com maconha, e outros temas, como o posicionamento a respeito da ocupação da reitoria por um grupo de alunos, a pesquisa corre o risco de perder o foco, além de estimular o preconceito.
Basta ler os comentários nos sites de jornais para observar como muita gente considera os estudantes da USP, de modo generalista, “um bando de maconheiros”, privilegiados que estudam de graça e gastam o dinheiro do estado.
Por outro lado, a questão objetiva para mensurar o número de estudantes que já sofreram alguma forma de violência no campus fica isolada, quando deveria ser considerada muito relevante, em se tratando de avaliar a questão da segurança, ponto original da controvérsia.
A manchete da Folha no domingo, dia 13, afirma que “58% dos alunos da USP apoiam a PM no campus”, mas a margem de erro de 4% torna frágil essa maioria, principalmente se forem levados em conta alguns aspectos do público cunsultado.
Um deles é o fato de que os alunos de humanas circulam muito mais pelas áreas externas de suas unidades do que os estudantes de ciências exatas e biológicas – parte do aprendizado do primeiro grupo se faz em debates, sessões de cinema e conversas temáticas organizadas por grupos de estudo que tanto podem estar na Faculdade de História como na Escola de Comunicação e Artes ou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Portanto, é natural que os estudantes que ficam menos restritos aos corredores e salas de suas unidades se sintam menos seguros.
Para os demais, basta ver uma viatura policial no caminho entre a sala de aula e o ponto de ônibus ou o estacionamento para se sentir mais seguro.
Além disso, basta refletir sobre a figura prototípica de um aluno da Faculdade de História e a imagem de um aluno da Faculdade de Engenharia, na visão de um PM, para visualizar as diferenças de tratamento que recebem dos policiais.
A exclusão dos jovens
Parte importante da reportagem de domingo é tomada por um artigo assinado pelo diretor-geral e pelo diretor de pesquisas do Datafolha. O texto é interessante por extrapolar o ambiente da universidade e analisar um ponto mais profundo da questão que se apresenta na USP e que, de modo geral, a imprensa brasileira tem tratado com muita superficialidade.
Mesmo que se possa questionar a pesquisa, ou pelo menos a forma como ela é resumida no jornal, deve-se atentar para a reflexão trazida por esse artigo, que aborda essencialmente o mal-estar dos jovens em relação às instituições tradicionais da democracia representativa.
Citando estudos anteriores do Datafolha, os articulistas lembram que o jovem brasileiro não se sente representado nas estruturas democráticas tradicionais, e, embora com mais acesso a informações, não se vê atendido em demandas básicas, como a inclusão no mercado de trabalho, educação de qualidade e combate à violência.
Apesar de realizado em 2008, quando o Brasil ainda colhia os primeiros frutos do fenômeno da mobilidade social, o estudo citado, uma radiografia do jovem brasileiro, ainda representa parte das frustrações dos jovens.
Aqui é que entra a importância de se levar a maiores profundidades a crise na Universidade de São Paulo, porque ela abre uma oportunidade para a sociedade, por meio da imprensa, discutir seu futuro.
É fato que existe uma situação consolidada de mal-estar entre a polícia e os jovens. Os números da violência policial não deixam dúvida de que falta às autoridades o treinamento específico para lidar com essa parcela da população, de natureza agitada, ruidosa e na opinião da polícia, propensa a protagonizar distúrbios.
Como bem lembram os diretores do Datafolha, se na USP, berço da classe média paulistana, as autoridades enviam 400 militares da tropa de choque para desalojar 72 estudantes que ocupavam a reitoria, imagine-se o que aconteceria se o conflito ocorresse, por exemplo na zona Leste de São Paulo.
E se houvesse por aqui uma crise como a européia, e a polícia tivesse que agir em manifestações de jovens na periferia, que espaço esses eventos ganhariam na imprensa? E como a imprensa brasileira iria tratar esses manifestantes?