A crise não tira férias
A crise no Judiciário não entra em recesso. Mesmo em pleno gozo de suas férias de dois meses, os magistrados são tema de noticiário escandaloso, que não respeita seu merecido repouso.
O jornal O Estado de S.Paulo, que tem uma longa tradição de boas relações com a magistratura paulista, traz nesta terça-feira, dia 10, mais uma reportagem sobre pagamentos suspeitos de benefícios a juizes e funcionários do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Esses pagamentos deram causa à investigação do Conselho Nacional de Justiça que motivou a Associação dos Magistrados Brasileiros a apelar ao Supremo Tribunal Federal contra a corregedoria.
A Folha de S.Paulo reproduz reportagem anterior do Estadão sobre o mesmo assunto e acrescenta nova denúncia, informando que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais é acusado de cometer irregularidades na promoção de juizes.
Como se sabe, duas decisões individuais, dos ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, provocaram no final do ano passado grande polêmica porque, se levadas adiante, vão esvaziar as funções do CNJ e acabar, na prática, com o controle externo do Judiciário.
E a Justiça brasileira precisa de controle externo?
As reportagens publicadas nos últimos dias por alguns dos principais jornais do país induzem o leitor a acreditar que sim, que, se forem deixados sob o controle de suas próprias corregedorias internas, os tribunais seguirão produzindo decisões controversas, sem que o público venha a tomar conhecimento delas.
Na reportagem desta terça, o Estadão revela que o Tribunal de Justiça de São Paulo pagou mais de R$ 500 mil a um desembargador, a título de verbas e créditos atrasados.
Esse é o valor que o magistrado admite, mas o jornal oberva que ele pode ter recebido mais do que três vezes esse total.
Segundo o jornal, os juizes reivindicam valores referentes a férias não gozadas, ou deixam acumular licenças-prêmios – o direito a três meses adicionais de férias a cada cinco anos de trabalho – e depois pedem tudo de uma vez.
Os índices aplicados na correção e as planilhas de cálculos desses valores compõem um segredo guardado a sete chaves nos tribunais.
Esses pagamentos são antecipados e eles driblam a fila dos credores comuns do Estado, que esperam vinte anos ou mais para receber precatórios, porque os juizes têm seus pedidos julgados internamente, em processos administrativos, e não precisam encarar os trâmites da própria Justiça.
O crime organizado agradece
A Folha de S.Paulo traz outro caso de irregularidade, revelando que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais furou a fila de antiguidade e produtividade e promoveu 17 juizes que são parentes de desembargadores e dirigentes de entidades de classe da magistratura, em detrimento daqueles que deveriam ter prioridade.
Além de desrespeitar o direito dos mais antigos e mais produtivos, as promoções foram feitas sem publicação de edital.
Esse caso também foi levado ao Conselho Nacional de Justiça, que poderá reverter as promoções ou simplesmente determinar que as próximas promoções sejam feitas às claras e respeitando a lista composta por critérios de desempenho, assiduidade e antiguidade.
O noticiário é aquecido ainda por uma declaração do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ao afirmar, durante o programa de televisão Roda Viva, na TV Cultura de São Paulo, que considera inconstitucional a ação do Coaf – Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Depois de haver proposto, em decisão liminar, que o Conselho Nacional da Magistratura não tem poderes para investigar magistrados, o ministro deixa a dica para os interessados em eliminar ou reduzir o poder de fiscalização do Coaf.
Criado para monitorar movimentações bancárias atípicas no contextro de acordos internacionais para combate à lavagem de dinheiro, o Conselho de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda tem se revelado como um dos instrumentos mais eficazes no combate aos crimes financeiro, à corrupção e ao crime organizado.
Se o leitor fizer uma leitura criteriosa do noticiário sobre a crise no Judiciário, o cidadão comum vai concluir que o ponto central é o corporativismo, que justifica privilégios onde deveriam haver normas garantidoras da independência dos magistrados.
Vai também suspeitar de que alguns desses privilégios são usufruidos abusivamente.
O leitor pode ainda concluir que o mal do corporativismo ameaça a própria democracia, quando a defesa dos interesses específicos afeta o direito da sociedade como um todo de conhecer como funcionam os poderes da República.
O corporativismo pode, por exemplo, levar o Supremo Tribunal Federal a considerar que o Coaf não pode mais monitorar as grandes somas que percorrem o sistema financeiro, porque isso estaria afetando o direito ao sigilo fiscal.
O crime organizado ficaria eternamente agradecido.