Demolições e eleições
A demolição de seis casas na rua Helvétia, centro de São Paulo, é o novo lance da operação política-policial em andamento desde o primeiro dia útil deste ano.
Está em todos os principais jornais nesta quinta-feira, dia 19, como um dos fatos mais relevantes na sequência de acontecimentos que tem como cenário a chamada Cracolândia.
A presença de máquinas pesadas pondo abaixo os imóveis foi a imagem preferida dos dois diários paulistas de circulação nacional, da mesma forma como no dia anterior haviam sido destaque as fotografias de prédios, bares e hotéis sendo emparedados para impedir que continuassem abrigando usuários de crack.
A imprensa dá espaço para quem questiona essas ações, como o Ministério Público do Estado, que quer saber de onde vieram as autorizações judiciais para tais medidas.
O Estado de S.Paulo lembra que os imóveis demolidos, bem como toda a Cracolândia, fazem parte de uma Zona Especial de Interesse 3, segundo o Plano Diretor da cidade, o que significa que devem ter pelo menos 40% do total destinado a habitações de interesse social – para famílias com renda de até 5 salários mínimos mensais – e 40% para imóveis de “mercado popular”, para famílias com renda de até 16 salários mínimos.
Representantes do Ministério Público e da Câmara Municipal acusam a prefeitura de retirar indiscriminadamente dos imóveis tanto usuários de drogas como famílias inteiras, que apenas têm a má sorte de morar na Cracolândia, incluindo idosos, crianças e pessoas doentes.
Por trás dessa controvérsia ronda o velho espectro dos processos de “higienização urbana”, pelo qual autoridades eliminam de áreas valiosas os moradores indesejáveis, ou seja, aqueles cuja presença dificulta a exploração dos terrenos pela indústria imobiliária.
Aparentemente, o noticiário confina o leitor ao problema urbano e à questão social e sanitária das comunidades de drogados.
Mas há uma linha lógica entre os relatos sobre a intervenção policial na Cracolândia e a política nacional.
Uma longa entrevista do governador Geraldo Alckmin à TV Folha, reproduzida em duas páginas da Folha de S.Paulo, procura colocá-lo no centro da operação, deixando em segundo plano o prefeito da capital, Gilberto Kassab.
Entre suas declarações, Alckmin anuncia que a polícia continuará presente na Cracolândia e seguirá fazendo incursões na região em busca de traficantes.
Tudo é política
Chama atenção uma crítica direta de Alckmin ao seu antecessor, José Serra, que em 2009 mandou a polícia invadir a Cracolândia, dispersando os viciados, que voltaram a se agrupar e acabaram se multiplicando logo após a operação policial. Ao insistir que agora os agentes do governo só vão deixar a Cracolândia quando o bairro voltar a ser chamado pelo seu nome original, Alckmin deixa bem clara sua divergência com a estratégia adotada por Serra.
Praticamente sem enfrentar perguntas incômodas, o governador teve amplo espaço não apenas para se apropriar do que vier a ser o resultado do processo de “limpeza” do centro de São Paulo, como voltou a criticar o governo federal, que na sua opinião não combate devidamente o narcotráfico.
Não foi questionado, por exemplo, sobre as sucessivas denúncias de envolvimento de policiais paulistas com traficantes.
José Serra, que anda em baixa desde que sua família foi fulminada pelas denúncias do livro A Privataria tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., também frequenta o noticiário desta quinta-feira, nas páginas de política, ao anunciar que não irá disputar a Prefeitura de São Paulo neste ano.
Em fase de namoro com o Partido dos Trabalhadores e tendo consolidado a criação do PSD – aquele partido que ocupa um espaço apenas virtual no espectro ideológico –, o prefeito Kassab ensaia um vôo independente de seu padrinho, José Serra, e passeia pelo centro de São Paulo na companhia do ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Assim, as máquinas que derrubam imóveis deteriorados no centro da capital paulista também representam a tentativa de renovação do grupo político que conserva o poder no Estado há vinte anos.
O governador Alckmin se isola e capricha no discurso oposicionista, a despeito de estar recebendo vultosas verbas para a assistência médica aos viciados da Cracolândia.
Kassab busca influenciar na eleição de seu sucessor, ainda que tenha de se aliar ao PT.
E José Serra guarda energias e tenta se manter no noticiário, para se lançar candidato a presidente, sua grande obsessão, em 2014.
Terá que enfrentar o mineiro Aécio Neves, que ainda não ganhou todo apoio da imprensa apenas porque não se atirou à disputa.
A propósito, se ninguém havia notado, o colunista do Globo Ancelmo Góis lembra a semelhança entre Aécio Neves e o ator Domingos Montagner, que faz o papel de um político “boa-pinta e mulherengo” na minissérie “O brado retumbante”, da TV Globo.
Além disso, o personagem da ficção é honesto. E bom administrador.
É tudo jornalismo. É tudo política.