Com medo da concorrência
Está nos principais jornais de circulação nacional, nesta quarta-feira, dia 15, a informação de que o governo estuda o enquadramento dos sites noticiosos estrangeiros que atuam no Brasil.
A questão foi levantada pela Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – após o anúncio de que o jornal eletrônico Huffington Post planeja lançar uma versão brasileira.
Além do Ministério das Comunicações, também a Advocacia Geral da União deverá emitir um parecer definindo se a internet deve ser considerada um meio jornalístico, assim como jornais, revistas e emissoras de rádio e TV.
A intenção do questionamento é enquadrar todos os sites de informações nas regras gerais que disciplinam os meios informativos tradicionais.
Dessa forma, o Huffington Post e outros concorrentes de origem externa teriam que se encaixar no limite de 30% imposto ao capital estrangeiro no setor.
O ministro das Comunicações, citado pelo noticiário desta quarta-feira, afirma que não irá propor uma mudança na Constituição ou nas leis para acomodar os interesses das empresas estrangeiras.
Apenas vai cumprir a lei, a partir de um parecer sobre o que define uma empresa como órgão de comunicação jornalística.
O ministro adiantou que serão levadas em conta determinadas características do negócio, como a produção de conteúdo noticioso e contratação de jornalistas.
Mas há ainda muitas controvérsias a respeito. O que fazer, por exemplo, com relação às agências internacionais de notícias que mantém correspondentes no Brasil?
Esses correspondentes podem ser brasileiros? Podem ser centenas e compor uma grande redação? O que diferenciaria uma grande agência internacional instalada no Brasil de um site jornalístico internacional com uma ou duas redações instaladas em capitais brasileiras e uma dúzia de correspondentes em outras regiões?
Uma dificuldade adicional seria a definição de “jornalista”.
Depois de extinta a regulamentação da profissão, com grande participação das empresas jornalísticas tradicionais, teoricamente qualquer pessoa pode ser contratada para as funções de repórter ou editor – como, por exemplo, pesquisador e catalogador de informações em tempo real.
Ignorando a lei
O próprio ministro deu uma ideia da complexidade da questão levantada pela Abert: alguém pode instalar a sede de um jornal eletrônico no outro lado da fronteira, por exemplo, no Uruguai, contratar jornalistas para atuar no Brasil e produzir jornalismo.
E não há lei que impeça uma empresa como essa de manter escritórios em São Paulo, no Rio e em Brasília.
Como se vê, não é assim tão simples.
As empresas consideradas genuinamente nacionais já tentaram impor a mesma restrição ao portal Terra, controlado pelo grupo Telefonica, até agora sem sucesso.
O ideal seria que toda a regulamentação sobre a propriedade dos meios de comunicação fosse colocada sobre a mesa de debates – para que se cumprissem certos requisitos da lei que sempre foram solenemente ignorados por aqui.
A legislação brasileira sobre radiodifusão, segundo lembra o Globo, é de 1962, quando ainda nem havia televisão em cores. Em 2016, o Brasil vai desligar o sinal analógico da televisão, implantando inteiramente o sistema digital, que expande ainda mais as fronteiras da emissão televisiva.
Com o crescimento da base de canais pagos e da internet em banda larga, um número cada vez maior de brasileiros terá acesso a praticamente tudo que se emite pelo mundo.
Ninguém discute a necessidade de atualizar essas normas, mas de uma forma abrangente.
Qual era, mesmo, o argumento para limitar em 30% a participação do capital estrangeiro em negócios de comunicação?
A defesa da cultura nacional?
O que é mesmo a cultura nacional e qual a sua predominância nos canais privados protegidos pela lei?
Para não tocar em certos pontos de alta sensibilidade, o ministro reitera, em sua entrevista aos jornais, que o governo está retomando as discussões mais amplas sobre o marco regulatório da mídia, mas fez questão de adiantar que “ninguém está discutindo regulamentação de jornais e revistas”.
O tema é delicado justamente porque as empresas brasileiras de comunicação querem uma regulamentação sob medida para preservar os benefícios a que têm direito e tentam manter fora das fronteiras os concorrentes estrangeiros.
Mas se negam a discutir questões polêmicas como a propriedade cruzada dos meios ou o controle de emissoras por autoridades públicas através de prepostos.
A consulta da Abert cria nova oportunidade para analisar o setor como um todo, mas isso nunca vai acontecer.