Sai jornalismo, entra panfletagem
A imprensa brasileira, representada pelos três principais jornais de circulação nacional, já deu partida à campanha eleitoral pelas prefeituras, com o viés de todas as eleições que aconteceram desde o processo de redemocratização do país.
As atenções maiores estão voltadas para a disputa na capital paulista, onde os analistas de política entendem se concentrar o nó que irá decidir, em 2014, a sucessão presidencial.
Também há notícias e especulações sobre a briga pela prefeitura do Rio, mas com menos relevância.
O texto subjacente nas reportagens, entrevistas e artigos diz ao leitor e eleitor que se trata de sustentar em São Paulo a hegemonia do grupo político dominante para mais à frente quebrar o domínio do grupo dominante na política nacional.
Não há qualquer espécie de dissimulação: o candidato oficial da imprensa tem, supostamente, que enfrentar o procedimento pré-eleitoral chamado de prévias, enquanto nos bastidores se sabe qual será o resultado dessa consulta ao colegiado interno do seu partido.
No campo externo da disputa, os dois blocos políticos buscam ganhar ou salvaguardar suas alianças, que em épocas como esta ameaçam se desfazer, em processos de negociação explícita por mais poder e, eventualmente, mais acesso aos cofres públicos para quem chegar lá.
Essencialmente, é a isso que se reduz o processo eleitoral.
Há, evidentemente, diferenças consideráveis entre os projetos de poder de um e de outro grupo, mas esse é o tipo de informação que desaparece da cena midiática assim que se inicia a campanha.
Esse processo, com todas as invenções dos marqueteiros contratados para construir os discursos mais convincentes, passa a dominar toda a imprensa.
A contaminação começa nos editoriais e vai até o comentário do “intelectual” de plantão no plantel de colaboradores da imprensa.
É o periodo em que as metodologias de análise científica da cena política, social e econômica são guardadas numa gaveta, enquanto os adjetivos e as frases de efeito são sacados para assegurar a renovação dos contratos dos chamados analistas.
O que geralmente não se percebe, nessas circunstâncias, é que os jornais abandonam os pressupostos do jornalismo para se transformarem em panfletos eleitorais.
Ilusão do controle
Tomadas em seu conjunto, as alianças políticas que se confrontam tradicionalmente nas eleições brasileiras não se diferenciam muito umas das outras, aparentemente. Mas os editores e – principalmente – os donos dos jornais, sabem muito bem do que se trata.
Acontece que as diferenças essenciais entre as duas principais propostas colocadas à escolha do eleitor nunca são explicitadas pela imprensa, embora estejam visíveis na leitura cuidadosa dos textos e na configuração visual do conteúdo jornalístico.
Transformados em panfletos, os órgãos de comunicação reforçam neste periodo a tendência que marca sua linguagem e seu discurso e que, de maneira muito clara, denota sua relação com o publico.
Mesmo em tempos de tecnologias que expandem o alcance da mensagem, transformando o leitor passivo em protagonista do sistema comunicacional, a mídia tradicional ainda conceitua a comunicação como um processo meramente informacional, mecânico e linear, no qual o emissor define não apenas o conteúdo como o entendimento que deve produzir a mensagem.
Isso significa que o emissor – jornal, revista ou teleinformativo – acredita determinar até mesmo o sentido do que foi transmitido, como se isso fosse possível.
Pura ilusão do controle, que poderia se configurar como um processo aceitável apenas no caso, raro, em que emissor e receptores partilham exatamente os mesmos valores, a mesma vivência e as mesmas visões sobre tudo que é comunicado.
Essa ilusão do controle sobre o processo comunicacional chega a ser patética, considerando-se a necessidade que tem a mídia tradicional de estabelecer laços de confiança e credibilidade com os leitores mais jovens, habituados ao protagonismo na redes informatizadas de comunicação.
A comunicação jornalística tem um espectro ainda mais amplo de imponderabilidade entre a mensagem emitida e sua interpretação pelo receptor, comparando-se, por exemplo, com a comunicação corporativa, porque, operando no sistema de comunicação de massa, lida com a diversidade natural da sociedade humana.
O entendimento desse fenômeno é o que diferencia basicamente um comunicador formado nas faculdades específicas e um profissional de outra especialidade que se considera jornalista.
A ilusão de controle é a origem do mau jornalismo.