‘Estava preparado para ficar dois anos na função de ombudsman, prazo que se cumpre na data de hoje. Limpava as gavetas, organizava arquivos virtuais, pensava em qual seria o meu próximo destino na Redação do jornal, quando recebi uma ligação do presidente do O Povo, Demócrito Rocha Dummar – a conversa habitual que ele tem com os ombudsmans na conclusão mandato –, adiantando que a proposta seria que eu ficasse mais um ano no cargo. Lembrei que o item 6 do Regimento do Cargo de Ombudsman veda a recondução por mais de dois anos consecutivos; ele respondeu que já estava providenciando a mudança desse artigo do regulamento.
Na conversa que tivemos, disse a ele que a mudança à véspera do fim de meu mandato poderia sugerir casuísmo. O presidente argumentou sentir que a função, depois de 13 anos e oito jornalistas, antes de mim, terem passado por ela, se ‘institucionalizava’; consolidava o reconhecimento dos leitores e superava rejeição inicial dos jornalistas da Redação, possibilitando que as críticas fossem debatidas sem preconceitos, o que, à vista dele, vinha contribuindo para melhorar da qualidade do jornalismo do O Povo, meta que o jornal nunca deixa de perseguir. Portanto, disse, além de a medida não ter sido pedida por mim, não era feita em meu benefício, mas para favorecer o jornal em um setor que ele vê como de extrema importância.
De minha parte, sem nenhum laivo de falsa modéstia, vejo a situação da seguinte maneira: 1) concordo ter contribuído para a consolidação do cargo, principalmente reduzindo as tensões entre os jornalistas e o ombudsman, muitas vezes tendo chegado – anteriormente – ao confronto aberto, situação esta que, felizmente não precisei enfrentar; 2) reconheço dever boa parte da melhor convivência estabelecida com a Redação do jornal a todos os ombudsmans anteriores: houve aprendizado mútuo, de forma que a relação amadureceu. Caso tivesse sido um dos primeiros ombudsmans, teria passado por teste mais duro e, possivelmente, teria errado mais; 3) creio também ter atuado de maneira satisfatória quanto aos leitores, pois recebi pouquíssimas queixas sobre a forma como faço meu trabalho (posso garantir que não passaram de cinco e-mails em tom crítico nesses dois anos); 4) mas isso não constitui vantagem, os ombudsmans, de maneira geral, recebem uma espécie de ‘salvo-conduto’, pois os leitores os vêem como aliados.
No entanto: 1) acho correta a forma como a função instaurou-se no Brasil. Os dois únicos jornais a manter ombudsmans estabelecem mandato com prazo determinado. Na Folha de S. Paulo, o período também é de um ano, com a possibilidade de duas reconduções; 2) os periódicos americanos e europeus mantêm os ombudsmans por tempo indefinido no cargo. Isso, a meu ver, pode levar ao enrijecimento dos comentários, tanto internos como das colunas públicas, correndo o risco de se tornarem repetitivos e monótonos, sem nada acrescentar de novo; 3) por isso, considero importante a alternância, possibilitando que novos olhares se lancem ao jornal; 4) com certeza, há na Redação jornalistas em condições de levar à frente o trabalho e de imprimir-lhe rumo mais criativo.
Porém, com a certeza de que ficarei somente mais este ano na função, atendi aos argumentos do presidente do jornal. Espero que mais essa recondução possa significar que os leitores e os meus colegas jornalistas concordem, pelo menos em parte, com os argumentos positivos sobre o meu trabalho, listados acima.
Posse
A posse do Conselho de Leitores e do ombudsman será amanhã, às 10h30min na sede do jornal. É uma cerimônia simples, à qual os leitores que quiserem comparecer serão bem-vindos.
Aniversário
O Povo completa hoje 79 anos de circulação ininterrupta, desde aquele 7 de janeiro de 1928, quando Demócrito Rocha viu a oportunidade de lançar um novo periódico, pois ‘nunca será demais um novo jornal’ para ‘falar ao povo’, como gravou em seu primeiro editorial. Hoje, este é um dos poucos jornais regionais a se manter sem estar vinculado a uma repetidora de TV Globo. Se fosse só isso, já não seria pouca coisa.
Férias
Após a posse, entro em férias, retornando no dia 31 de janeiro. Durante esse período, as ligações ao ombudsman serão atendidas pelos secretários da Redação: Mirtes e Jonas. Os casos mais urgentes serão levados diretamente aos editores. Os e-mails, responderei na medida do possível.
Balanço
Ao lado, os leitores poderão ver o balanço detalhado dos atendimentos do ombudsman no trimestre outubro, novembro, dezembro e o total consolidado de 2006. Durante o período deste mandato fiz 1.076 atendimentos, número um pouco menor em relação a 2005, com 1.145. As correções que o jornal faz na seção ‘Erramos’ passaram de 567 para 649. A exemplo de 2005, o maior número de contatos com o ombudsman no ano passado foi para fazer críticas e apontar erros, somando 598 atendimentos. Um número significativo de pessoas fala com o ombudsman para fazer comentários e sugerir pautas (239).
Apesar da ligeira queda no atendimento, observei neste mandato a participação mais questionadora dos leitores, principalmente durante o período das eleições, o que era de se esperar. O ano passado, não tenho dúvida, foi um ponto de inflexão no relacionamento entre jornais e leitores; estes passaram a exigir que suas vozes fossem ouvidas, indagando duramente o comportamento olimpiano a que se habituaram os jornalistas. Cabe aos jornalistas terem a exata compreensão desse fenômeno, pois a imprensa será obrigada a trilhar essa vereda sem volta, aberta, principalmente, pelas novas tecnologias de comunicação, ao alcance de um número cada vez maior de pessoas.’