O direito de espernear
A proposta de recomposição legal do direito de resposta, determinada pelo Senado Federal e encaminhada à Câmara dos Deputados, começa a assombrar as empresas jornalísticas.
Entre os aspectos que preocupam a imprensa está a inversão do foro para julgar a ação – em vez de ser julgada na comarca onde se localiza a sede do veículo que provocou a demanda, a questão será tratada no domicílio do reclamante.
Esse detalhe pode fazer uma enorme diferença, conforme observa editorial publicado nesta quarta-feira, dia 21, pela Folha de S. Paulo: a situação é particularmente perniciosa se a pessoa que pede direito de resposta for influente em sua região.
O editorialista do jornal paulista sabe muito bem do que se trata. Basta dar uma olhada, de passagem, nas reportagens recentes sobre a formação de quadrilhas em alguns tribunais para se chegar à óbvia conclusão de que esse mero detalhe pode abrir a oportunidade de lucrativos negócios com ações por danos morais.
Digamos que um jornal de São Paulo ou do Rio de Janeiro publique reportagem que seja considerada ofensiva por um deputado que mora em outro estado.
O cidadão poderia demandar na Justiça local o direito de resposta, com possibilidade de exigir indenização por dano moral.
Além dos custos adicionais pela litigância em outro foro, o jornal teria que enfrentar a possibilidade do jogo combinado entre o reclamante e o julgador.
Os jornais exercem seu direito de espernear, e algumas das considerações já divulgadas por representantes da imprensa, como essa, fazem sentido.
Mas é preciso ponderar que a situação que levou o senador Roberto Requião a propor a recomposição do direito de resposta foi criada pela própria imprensa, ao produzir reportagens com base em vazamentos de informação e dar curso a acusações mal fundamentadas, desconsiderando as versões dos acusados.
Ao se negar reiteradamente a atender as queixas de pessoas e instituições que se consideraram injustiçadas pelo noticiário, os jornais acabaram produzindo uma maioria no Congresso Nacional em favor de uma lei mais rigorosa sobre a questão.
Para se ter uma ideia sobre o estado de espírito que se criou entre a imprensa e o Congresso, basta lembrar a estatística citada pelo senador Requião na semana passada: nos últimos três anos, a presidência do Senado encaminhou a diversos jornais nada menos do que 148 ofícios, solicitando a correção de erros em reportagens e denúncias consideradas sem fundamento.
Nenhuma dessas manifestações foi publicada.
Ampliar o debate
O texto que foi aprovado no Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados certamente pode ser melhorado.
A Associação Nacional de Jornais e outras entidades representativas da mídia tradicional defendem a integração do direito de resposta a uma legislação mais ampla e atualizada sobre o funcionamento da imprensa, que ao mesmo tempo assegure a liberdade de informação e garanta o direito em caso de atentados a interesses individuais e à privacidade.
No entanto, a situação que conduziu à proposta que agora tramita na Câmara dos Deputados foi criada pela própria imprensa, ao promover o ataque à regulamentação da profissão de jornalista e defender a anulação da antiga Lei de Imprensa sem propor, na ocasião, qualquer espécie de regulamentação.
A atitude arrogante das empresas de comunicação também tem impedido qualquer tentativa de autorregulação, o que deixa a instituição imprensa flutuando sobre a sociedade sem qualquer espécie de limite.
Para se convencionar se é possível regulamentar a atividade jornalística sem que isso venha a afetar o direito da sociedade a ser informada de maneira ampla e transparente, é preciso em primeiro lugar que a imprensa se apresente para o debate sobre suas atribuições no ambiente público.
Acontece que esse debate, quando ocorre, é manipulado ou enviesado pela própria imprensa, que se refugia nobunker de uma suposta liberdade de informação cujos parâmetros não consideram o estado contemporâneo das comunicações.
O texto que passou pelo Senado oferece, é certo, uma interpretação muito ampla do direito de resposta e contém algumas contradições.
Mas para se superar essas deficiências, é preciso enfrentar outra controvérsia: um suposto limite da imprensa quando trata de questões que podem causar danos irreversíveis a direitos individuais ou ao desempenho de uma empresa, por exemplo.
O editorial da Folha é um sinal de que o lobby dos jornais não está conseguindo bloquear a tramitação do projeto.
Mas o assunto, por sua importância, deveria estar exposto a um debate mais amplo.