Os vínculos definem a pauta
A busca aleatória por notícias de economia e negócios nos jornais diários de papel é um exercício interessante para analisar os vínculos das empresas jornalísticas com protagonistas do mercado. Pode-se fazer até mesmo um mapa com os graus de proximidade, “afetos” e “desafetos” desse relacionamento.
Entre os colunistas, por exemplo, há uma verdadeira fixação com relação a investidores, acionistas, banqueiros e presidentes de empresas.
Já os repórteres especializados têm grande predileção por executivos operacionais, aqueles que dominam o dia a dia das organizações e podem alimentá-los com informações exclusivas.
Com alguma imaginação, é possível até mesmo detectar certa tendência à emulação de estilos e comportamentos, mantidas, evidentemente, as distâncias impostas pela diferença nos níveis de renda dos jornalistas e de suas fontes.
Mesmo que sejam obrigados, por questões orçamentárias, a consumir vinhos de no máximo 20 dólares, colunistas de economia e negócios gostam de se apresentar como apreciadores dos grandes ícones da vinicultura.
Alguns deles são capazes de discorrer longamente, nos encontros profissionais, sobre borgonhas históricos ou as melhores safras europeias.
Não há nada de errado nessas relações, desde que não condicionem a interpretação que se vai dar aos fatos envolvendo essas fontes.
Esses relacionamentos apenas entram no campo de observação porque ajudam a entender os vínculos das empresas jornalísticas com o universo que são encarregadas de retratar em sua faina diária.
E analisar vínculos é a maneira mais direta de entender certas escolhas, não apenas da mídia.
Numa circunstância em que se amplia o número e a diversidade das fontes no ambiente mediado, os jornais claramente optam por manter um núcleo de fontes e porta vozes de confiança cada vez mais restrito, o que torna relativamente mais fácil entender as razões e intenções das escolhas editoriais.
No microcosmo das relações interpessoais dos protagonistas desse universo mediado e mediador pode-se identificar uma relação dialética quase extemporânea.
Explica-se: nem mesmo os mais ousados entre os pensadores dão conta das complexidades que envolvem cada uma das questões sociais importantes dos nossos dias.
Como esperar que a imprensa tradicional consiga fazer compreensíveis esses fatos no calor dos acontecimentos?
A simplificação e o reducionismo são as saídas mais comuns.
Os vícios do confronto
Pode-se identificar um número cada vez mais reduzido de cientistas sociais, antropólogos e outros pensadores contemporâneos da sociedade que se limitam a abordar as contradições do nosso tempo pelo método dialético.
São mais valorizados, também no ambiente que pensa a mídia, os pensadores que procuram na dialógica o sentido das interações e do confronto de ideias.
A própria ideia de confronto ideológico não foi abandonada, mas as análises a partir da interação entre discursos opostos prometem um campo mais amplo para a especulação intelectual.
Comparado ao universo acadêmico, o ambiente do jornalismo se ressente de maior sofisticação, uma vez que a imprensa procura impor suas interpretações da realidade através de uma dialética do extermínio de ideias, rebatendo de pronto o que lhe parece oposto, abandonando as possibilidades de penetrar no discurso divergente.
Acontece que essa sofisticação da análise da realidade exigiria uma abertura da imprensa para a consideração da extrema heterogeneidade inerente aos fatos.
Em economia, por exemplo, não existem mais temas simples.
Desde a questão do câmbio à situação da indústria nacional, passando pelo desempenho da bolsa de valores ou as intenções de investidores, tudo precisa se encaixar em um quadro geral de interpretações cheio de nuances.
O que fazer, por exemplo, com o dado concreto segundo o qual a indústria tradicional perde espaço na economia deste século?
Como vincular a defesa da indústria tradicional com a desvalorização das atividades operacionais e a valorização do trabalho imaterial não vinculado a produtos tangíveis?
Observar os vínculos dos agentes da notícia com os protagonistas do ambiente em que prospectam os fatos ajuda a entender por que a interpretação oferecida pela imprensa parece carecer sempre de um par de possibilidades.
Há pessoas que desejam apenas tomar conhecimento, mas para a maioria imersa na complexidade dos grandes aglomerados urbanos, torna-se cada vez mais importante a compreensão dos acontecimentos.
Com seus vínculos restritos e dependentes deles, e habituada a descartar as divergências, a imprensa reduz sua capacidade de interpretar devidamente a realidade.