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Marketing popular
‘Durante alguns dias, o romance permaneceu velado. O casal trabalha na mesma empresa de telefonia e, àquela época, não convinha tanto estardalhaço. Alguns eventos profissionais ajudaram a aproximá-los. Até então, eles só trocavam olhares e meia dúzia de palavras tímidas. Pouco depois, desistiram do teatro. Faziam planos para o futuro abertamente.
Após dez meses de namoro, passaram a morar juntos, logo depois de mobiliar a casa, tarefa recém-concluída. Faltou dinheiro, porém, para oficializar a união. ‘O cartório cobra mais de 250 reais para emitir uma certidão’, lamentam os noivos. Os gastos da festa também preocupavam um bocado. Tinham disposição para o casamento, é preciso enfatizar, mas precisavam de uma breve pausa para recompor as finanças.
Um anúncio da Casas Bahia, líder no setor varejista de eletrodomésticos e móveis, reavivou as esperanças de Daniel Martins Paiva, de 27 anos, e Cinara Rodrigues, dois anos mais nova. Como estratégia de marketing para consolidar a sua influência nas camadas populares e aumentar a clientela da gigantesca loja de 151 mil metros quadrados, erguida no Anhembi, em São Paulo, a rede decidiu bancar o casamento coletivo de 400 casais, em quatro cerimônias diferentes. Uma pequena ajuda àqueles que, a exemplo de Daniel e Cinara, adiam o matrimônio por falta de condições financeiras.
As inscrições começaram em meados de novembro e, na segunda-feira 27, os primeiros cem casais estavam diante do altar improvisado no salão de exposições. Daniel chorou durante a marcha nupcial. Cinara era uma das poucas noivas com vestido branco e grinalda, emprestados de uma amiga. ‘Não deu tempo para planejar muita coisa. Fiz o cabelo e a maquiagem no salão de beleza da loja. Não paguei nada.’
A cortesia, apesar de bem-vinda, não resolveu todos os problemas do casal. Para mobiliar a residência com produtos da Casas Bahia, Daniel e Cinara assumiram uma dívida de 10 mil reais. ‘Além do gasto com o cartão de crédito, temos quatro carnês. Mas não acredito que haverá dificuldade. Restam 12 meses para pagar todas as prestações’, anima-se Daniel.
O casamento coletivo reuniu cerca de 1,5 mil convidados no auditório do Anhembi. Somente a entrada dos noivos interrompeu o burburinho da platéia. No palco, montado para abrigar shows da Disney, os escrivães do cartório esperam atrás de uma mesa branca, discretamente ornamentada com arranjos de folhas verdes pontudas e flores copo-de-leite. Durante a celebração de duas horas e meia, nada de discursos ou bênçãos religiosas – apenas os trâmites legais do casamento civil.
Uma valsa suave embala a enorme fila de noivos, que aguardam a vez de subir na plataforma para assinar a papelada. Os beijos dos recém-casados atiçam os convidados, que respondem com palmas e assobios. Logo após o ritual, o mecânico Ruy Pinheiro Sampaio, de 30 anos, analisa a Certidão de Casamento minuciosamente. Há nove anos, ele mora com a doméstica Nádia Rocha, de 27 anos, com quem teve três filhos.
‘Queríamos nos casar há muito tempo, mas não sobrava dinheiro’, justifica a mulher. Preocupado com ‘as despesas extras’, o mecânico ainda não havia decidido se aceitaria a diária gratuita no hotel Holliday Inn, oferecida a todos os noivos. ‘Não comi nada desde o almoço e eles disseram que a gente só tem direito ao café da manhã. Estou com medo de a gente comer qualquer besteira à noite e eles cobrarem muito caro.’
Grávida de seis meses, a secretária Vanessa Ribeiro teve de apressar os planos de casamento com o assistente financeiro Edney Ribeiro. ‘Nós estávamos juntos há quatro anos. Com a chegada do Lucas, não dava para esperar mais’, confidencia a mulher. O casamento coletivo serviu como uma luva para o casal, que não poderia assumir muitas despesas. Mas o irmão do noivo, Antonio Domicio, também se animou com a proposta e casou-se com a namorada na mesma ocasião. ‘Na hora, dá um frio na barriga, mas depois passa. O bacana é que deu para convidar bastante gente. Cada casal tem direito a 30 convidados. Acho que nós somos os noivos com o maior número de parentes e amigos na platéia.’
Mesmo sem tantos convidados, o motorista João Luiz Constantino, de 53 anos, não perdeu a oportunidade de se casar com a dona de casa Maria Cristina, alguns anos mais nova que ele. João Luiz tem um casal de filhos adultos e a companheira, com quem vive há quatro anos, três filhos. Apenas a filha caçula ainda mora com a mãe e o padastro em uma casa alugada, no bairro Imirim, zona norte da capital paulista.
‘Sou cliente da Casas Bahia desde 1976. Na época, eu financiei um carro pela loja. Agora, estou enrolado com as parcelas da geladeira que comprei no início do ano. Mas sempre dá para fazer um acordo e reduzir os juros das prestações atrasadas’, conta João Luiz. Empolgada com a festa, a esposa equilibra duas taças de plástico com espumante rosé ao lado do marido. Disputaria, em breve, um bem-casado com as garçonetes. Atônita, uma das funcionárias alertava os convidados: ‘É apenas um doce por pessoa. Quem pegar um não pode voltar mais. Tem de ir embora’.
Mas o casamento não é a única atração no Anhembi. A quarta edição do evento, realizado sempre nos últimos meses do ano, ainda inclui diversos serviços gratuitos, de espetáculos da Disney a atendimentos de beleza. A bondade não é à toa. Com essas ações de marketing, espera-se que 2 milhões de pessoas visitem o espaço até 30 de dezembro. As vendas, apostam os organizadores, devem gerar uma receita de 80 milhões de reais. No ano passado, o faturamento superou os 100 milhões de reais.
A estratégia consiste em atrair a presença de consumidores como Edson Aranha, de 39 anos. Descontente com a programação da tevê, o motorista levou o filho Paulo Henrique, de 6 anos, na pista de patinação do evento. ‘Passar o domingo vendo o Faustão ou o Gugu não dá’, reclama da falta de opções. Divertiu-se com o garoto no local, gratuitamente, por mais de oito horas. Em compensação, Edson aproveitou para comprar uma bicicleta. ‘Antes, o Paulinho não queria sair daqui de jeito nenhum. Agora, pede para voltar logo para casa. Quer passear de bike.’
Mesmo que a visita não resulte em compras, as benesses conquistam os visitantes. ‘Quero voltar outras vezes aqui. A massagem de relaxamento é ótima’, comenta Marli Belmiro, de 40 anos, que pela primeira vez recebeu os cuidados de uma massoterapeuta profissional. Fernanda da Costa, de 29 anos, por sua vez, aguardou uma hora para passar no cabeleireiro. ‘Vou fazer uma escova com chapinha. Se eu fosse a um cabeleireiro do meu bairro, gastaria pelo menos uns 30 reais’, comemora. Enquanto isso, o namorado pesquisa preços de aparelhos celulares.
Menos disputada, uma exposição sobre ‘a trajetória de sucesso’ de Samuel Klein, o dono da Casas Bahia, ocupa um espaço de destaque no salão. A linha do tempo dá pistas de como o empresário conseguiu manter um duradouro casamento com os clientes de baixa renda. Apesar da pouca atenção dispensada pelo público, as longuíssimas filas diante dos guichês do crediário comprovam a eficácia de sua receita.’
MEMÓRIA
O filósofo e o crítico literário
‘Apesar de trafegar por trilhos diversos, ambos tiveram em comum a dedicação ao pensamento e a paixão pelos grandes textos
O gosto pela cultura. A seriedade intelectual. O profundo desejo de refletir sobre o Brasil. Apesar de trafegar por diferentes trilhos, o filósofo Bento Prado Jr. e o crítico literário Léo Gilson Ribeiro tiveram em comum a dedicação ao pensamento e a paixão pela literatura. Ambos morreram na semana passada. Ambos deixaram escritos que, nas respectivas áreas, marcaram época.
Bento Prado Jr., filósofo dos mais importantes que o Brasil teve, morreu na sexta-feira 12, aos 69 anos, de câncer na laringe. Formado em filosofia pela USP, escreveu, na livre-docência, uma tese sobre Bergson, que obteve reconhecimento mundial. Mas ele não se interessava apenas por pensadores. A paixão por literatos também era grande e, muitas vezes, refletia-se na escrita cheia de estilo e ironia.
Boêmio que freqüentava os bares do centro de São Paulo nos anos 50 e 60, Bento Prado Jr. ganhou fama também como palmeirense roxo. Mas, como intelectual, era de uma discrição extrema. Não à toa, para distanciar-se dos egos acadêmicos, refugiou-se na Universidade Federal de São Carlos, interior de São Paulo.
Léo Gilson morreu um dia antes de Prado Jr., na quinta-feira 11. Jornalista dedicado especialmente à crítica literária, tinha 77 anos e colaborava, há 10 anos, com a revista Caros Amigos. Doutor em literatura pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, era também ensaísta e dramaturgo. Mas foi, sobretudo, no jornalismo que deixou sua marca. Trabalhou no Diário de Notícias, no Correio da Manhã, na Veja, inclusive como repórter especial, e passou 17 anos no Jornal da Tarde. Dentre os vários prêmios que recebeu, está um Esso de Jornalismo, em 1969, pela reportagem A Noite dos Balões, sobre um casal de idosos assassinado por menores infratores.’
INTERNET
COB proíbe Pan ao vivo na rede
‘O Comitê quer que os sites esperem seis horas para divulgar as imagens. Mas o controle é quase impossível
Mais confusão à vista. Na quarta-feira 17, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) anunciou a proibição da divulgação, via internet, de conteúdo ao vivo dos Jogos Pan-Americanos, que acontecem no Rio de Janeiro, em julho. Nem mesmo as emissoras de tevê que compraram direitos de transmissão poderão colocar conteúdo ao vivo em sites parceiros.
A medida faz lembrar o alvoroço vivido na internet brasileira recentemente, reportagem de capa da última edição de CartaCapital. Na tentativa de vetar a divulgação de imagens de Daniela Cicarelli, a Justiça brasileira chegou a tirar do ar, por 24 horas, o site de vídeos YouTube. Que pensar se o COB optar por atitude semelhante?
O COB, alinhado ao Comitê Olímpico Internacional, quer um prazo mínimo de 6 horas para liberar as imagens. Até a Fifa foi mais flexível e lances da Copa de 2006 puderam ser vistos ao vivo pela internet. A Associação Brasileira dos Provedores de Acesso (Abranet) tachou de inaceitável a atitude do COB.
Na prática, qualquer um pode gravar o que bem entender, via celular, por exemplo, e retransmitir quase instantaneamente para a rede. Sites como o www.shozu.com, entre outros, têm essa ferramenta. Na internet, como já se viu, o controle é praticamente impossível.’
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