O meio ambiente e o tempo da imprensa
Os principais jornais do país dedicam grandes espaços, nesta terça-feira, dia 5, à programação da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que deve se iniciar em pouco mais de uma semana no Rio de Janeiro.
Com pequenas diferenças, predomina nas reportagens o viés pouco otimista dos analistas mais críticos, que procuram como referência para suas avaliações a conferência realizada há vinte anos, chamada Eco-92, também no Rio.
Para o cidadão comum, que se submete diariamente aos efeitos maléficos da degradação ambiental, vinte anos são mesmo uma eternidade, mas dos especialistas habituados a grandes processos de mudança, é de se esperar análises mais profundas.
Entre todas a utopias que floresceram na modernidade, o desejo de viver em harmonia com a natureza é provavelmente aquele que mais se aproximou da realidade nas últimas décadas.
Pelo menos em termos de regulação, em todas as partes do mundo têm florescido normas destinadas a proteger o patrimônio ambiental e promover o desenvolvimento econômico com base na valorização dos espaços naturais.
As demais, seja o sonho da paz mundial, o desejo de sistema políticos justos e eficientes e a busca de uma economia menos sujeita a crises e mais igualitária, parecem muito mais distantes.
Por esse motivo, grandes eventos como a Rio+20 servem para demarcar os avanços alcançados no trabalho diário de conquistar as consciências.
Tais acontecimentos também ajudam a imprensa a sair de sua ação rotineira na superfície dos fatos e encarar a tarefa de perscrutar a História em busca de abordagens mais consistentes.
É da natureza do trabalho jornalístico viver entre o tempo superficial e o tempo profundo, até mesmo como método de convencimento: os fatos históricos são quase sempre uma referência para entender o presente, mesmo quando a notícia assinala uma ruptura.
No caso da Rio+20, o prazo de duas décadas, apesar de curto em termos históricos, marca uma série tão grande de mudanças que sua análise deveria estimular olhares mais otimistas.
Os desertores lamentam
“Pouco avanço nas negociações põe em risco resultados da Rio+20, diz ONU.”
Essa é a manchete do Estado de S. Paulo para a página dedicada ao tema, adornada por uma fotografia da modelo Gisele Bündchen plantando uma árvore num dos eventos preparatórios à conferência.
Sim, há bons motivos para se acreditar que as autoridades envolvidas em negociações multilaterais terão dificuldades para chegar a um consenso em torno do documento de quase 500 páginas que deverá finalizar o encontro.
Na semana passada, o ritmo dos avanços era de um parágrafo a cada meia hora, numa reunião preparatória ocorrida em Nova York.
Acontece que não são os documentos oficiais que determinam a evolução das ações em favor do meio ambiente.
As mudanças reais acontecem no dia a dia das pessoas e das empresas, que vêm promovendo novos hábitos de consumo e criando, na prática, uma geração de seres humanos muito mais conscientes da necessidade de preservar o que resta do patrimônio ambiental do planeta.
Nesse sentido, o caderno especial publicado nesta terça pela Folha de S.Paulo faz um pouco mais, ao propor uma reflexão sobre o significado da expressão “economia verde”.
Entre as costumeiras idiossincrasias, marca registrada do jornal paulista, pode-se apanhar aqui e ali boas análises sobre a questão, como os avanços no setor industrial e as discussões sobre indicadores de desenvolvimento econômico.
Mas também não poderia deixar de aparecer, em página inteira, mais uma versão do olhar cínico sobre a questão ambiental – novo fruto da indigestão nietzscheniana que envenena muitas mentes da geração que tirou carteira de motorista nos anos 90.
Trata-se do pacote que, misturando a crítica à idéia de progresso e evolução, ao homocentrismo e ao pensamento humanista, questiona os fundamentos científicos dos alertas sobre as mudanças climáticas.
“A reflexão talvez não deva ser sobre esse ou aquele dado científico, mas sobre quem somos, se valemos a pena”, diz o ponto central dessas ponderações.
Fruto de um pessimismo que só se justifica com o suicídio, tais reflexões nascem do complexo da Folha de S. Paulo, que ainda não encontrou em sua trajetória um momento histórico no qual fincar suas fundações.
Não achando um bom lugar na História, melhor decretar o fim da História pela falência do humanismo, certo?