Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Muita coisa em julgamento

Muita coisa em julgamento
Não se pode saber agora tudo que está em julgamento no caso do mensalão. Os poderes Executivo e Legislativo estão sob exame do Judiciário, é óbvio. Mas também o Judiciário está sendo julgado, como já disseram vários de seus integrantes, entre eles a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, que reitera essa opinião em entrevista ao Estado de S. Paulo publicada nesta segunda-feira (13/8).

Na Folha de S. Paulo, o historiador Evaldo Cabral de Melo chama a atenção para o fato de que a magistratura é muito menos transparente, no Brasil, do que os outros dois poderes. A história do Judiciário brasileiro não é brilhante. Por sinal, o mesmo se diga em relação a outros países. Na França do início do século 19, alguém poderia dizer que a nomeação de juízes honestos e diligentes era uma novidade incômoda. O que se esperava eram juízes acomodados aos interesses dos poderosos e corruptíveis.

Um visitante estrangeiro do Brasil imperial, o alemão Burmeister, escreveu, abre aspas: “O mais rico ganhará sempre do mais pobre; o branco, do homem de cor; e, no caso de um processo entre brancos, o que tiver mais prestígio ou posição social, o mesmo acontecendo nas demandas entre mulatos ou pretos.”, fecha aspas.

A maneira como empresas, empresários e executivos se relacionam com o poder é uma questão implícita. Isso não se refere à atuação de Marcos Valério e suas agências de publicidade, assunto explícito, mas a todo o mecanismo que vai desde o financiamento de campanhas eleitorais até a realização de concorrências de cartas marcadas, superfaturamentos, propinas, temas ostensivos na CPI do Cachoeira e da empresa Delta.

E está sendo avaliada indiretamente a maneira como o eleitor se relaciona com candidatos e campanhas eleitorais. Pesquisa recente feita pelo repórter Daniel Bramatti, do Estadão, apontou evidências de que o tempo de televisão foi decisivo, em 2008, nas eleições para prefeito.

Isso significa que uma parte majoritária do eleitorado se deixa embromar por programas do horário eleitoral que mostram tudo, menos uma imagem verdadeira e equilibrada da vida real. Os candidatos sabem disso muito bem. Por isso jogam seus destinos nas mãos de marqueteiros capazes de dar uma aparência convincente à propaganda dos feitos ou das promessas de seus clientes.
Há muito tempo o contato com o eleitor, na rua, deixou de ser um ato político e passou a interessar apenas do ponto de vista televisivo. Em meados da década de 1990, um prefeito eleito pelo PT, militante político visceral, constatava que havia algum tempo o Partido dos Trabalhadores deixara de contar com seus filiados para fazer propaganda nas ruas. Recorria, como os outros partidos, a pessoas contratadas para agitar bandeiras em cruzamentos movimentados e distribuir panfletos.

Um capítulo à parte deve ser dedicado ao julgamento da imprensa, canal por onde circulam as informações, análises, comentários e opiniões que se transformam imediatamente em subsídios para o debate, ou em armas para a propaganda.

Deixem-se de lado as opiniões e os comentários. Eles apenas traem a posição já tomada por seus emissores. Muito poucos têm compromisso sólido com a busca da verdade. Raríssimos são capazes de sopesar pontos de vista contrários aos seus. No clima de Fla-Flu, pouco importa a solidez dos argumentos. As paixões e os interesses roubam a cena.

As análises, na Folha, no Estado, no Valor e no Globo, têm sido feitas por especialistas, A
qualidade dessas análises oscila, mas elas são, de modo geral, muito úteis para quem quer entender melhor, não apenas torcer.

Quanto ao noticiário, ele é orientado por escolhas de pautas e maneira de editar as informações. Os jornalistas, como todos os outros envolvidos, têm convicções. Ou interesses.
Até aqui, porém, constata-se que a imprensa tem perseverado em fazer ver que o mensalão não é uma ficção midiática, como pretendem o ex-presidente Lula e seu partido. Pouco importa como se classifiquem tecnicamente as maracutaias feitas em nome da governabilidade. Houve desvios e corrupção. São crimes. Serão julgados.

Qual será a decisão judicial é outra história, que dará muito pano para manga em 2013 e depois.