Estamos vivenciando a consolidação de uma nova estrutura econômico-social, profundamente ligada à tecnologia: a sociedade da informação – também denominada “sociedade do conhecimento” por Bernardo Sorj (2003) e “Era da pós-informação” por Nicholas Negroponte (1995). A fonte de produtividade está agora em geração, obtenção e processamento de informações, e, naturalmente, na comunicação, instrumento indispensável para a propagação de conhecimentos.
Tal estrutura acaba gerando uma dicotomia. Por um lado, rompe as fronteiras nacionais pela globalização, permitindo a plena convivência de um “mosaico cultural”, no qual os pontos positivos de cada cultura são valorizados e ajudam a enriquecer o todo, conforme Martín-Barbero (Moraes et al., 2003). Porém, tanto a expansão quanto a valorização da informação criam uma nova exigência social: o domínio da tecnologia. Sem a devida competência para utilizá-la, o individuo torna-se excluído de uma série de benefícios, desde a expansão dos próprios conhecimentos (erudição) até boas vagas no mercado de trabalho.
Portanto, saber utilizar a informática e estar inserido no mundo digital tornou-se tão importante quanto saber ler e escrever, visto que o individuo sem estes saberes está de certa forma “condenado” a serviços pouco remunerados (vale ressaltar a importância do correio eletrônico, que está presente em muitas profissões, mesmo as que não exploram ou dependem da tecnologia).
Neste cenário, combater a exclusão digital é um fator importantíssimo para o desenvolvimento de países como o Brasil. A falta de acesso aos recursos de informática – principalmente pela população de baixa renda – gera um ciclo vicioso em que as elites permanecem elite porque têm acesso à tecnologia, enquanto as classes menos favorecidas são predestinadas a serviços mal pagos porque o custo da tecnologia é alto e, portanto, inacessível.
Conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apenas 21% da população brasileira com idade superior a 10 anos têm acesso à internet (IBGE, 28/9/2006). É um número muito baixo, o que deixa claro que a internet é uma mídia “elitizada”. Contudo, isto não reduz seu valor para o jornalismo, pois seu público necessita e procura informação. Ocorre que a ausência de tantos brasileiros na rede é um obstáculo econômico para o fortalecimento dos jornais online. Por enquanto, a publicidade online e o acesso à rede têm crescido consideravelmente, mas ainda em ritmo insuficiente para exploração do potencial verificado em países desenvolvidos – temos como exemplo as versões online do New York Times e do Wall Street Journal, ambos americanos. Na Europa, destacam-se Le Monde e The Times.
Componente do trabalho
Esta vantagem dos países ricos não é apenas econômica, mas resultado de um processo de transformação cultural e social que ocorreu mais rápida e eficientemente do que no Brasil. Conforme Joseph Straubbhar e Robert Larose (Straubbhar & Larose, 2003)., as sociedades mais desenvolvidas passaram com sucesso por três estágios: sociedade agrária, sociedade industrial e sociedade da informação. Como os estágios não são mutuamente exclusivos, países como o Brasil encontram dificuldades de passar de uma etapa a outra, possuindo elementos de cada uma de forma desorganizada.
No caso dos Estados Unidos, ter alcançado o estágio de sociedade da informação permite que o país obtenha sucesso nos estágios anteriores, como na agricultura, que utiliza alta tecnologia para aumentar a produtividade: “embora menos de 3% da força de trabalho americana esteja ligada à agricultura, os Estados Unidos é um dos maiores exportadores de comida do mundo” (Straubbhar & Larose, 2003, p. 26).
Desta forma, mesmo que a economia americana ainda tenha fortes componentes de agricultura, indústria e prestação serviços, todos esses setores foram alterados pelas tecnologias da informação: “Fazendeiros, industriais e provedores de serviços, todos trabalham de novas maneiras devido ao uso da informação como um componente majoritário de seu trabalho” (Straubbhar & Larose, 2003, p. 42). Este processo já estava muito adiantado quando o Brasil dava seus primeiros passos para a abertura político-econômica: “Em 1980, apenas 3% dos trabalhadores americanos estavam na agricultura, pouco mais que 20% na indústria e cerca de 30% em serviços, enquanto o restante [47%] trabalhava diretamente com informação” (Straubbhar & Larose, 2003, p. 43).
Prosperidade e valor
Por empregos de informação, entende-se todos aqueles que são primariamente envolvidos na produção, processamento ou distribuição de informações, como “secretárias, […] gerentes, pesquisadores, educadores, seguradores, contadores, banqueiros e financiadores”, bem como “jornalistas, produtores de mídia, trabalhadores em computação, engenheiros em áreas de informação, designers e assim por diante” (Straubbhar & Larose, 2003, p. 43).
Neste novo modelo de organização social, que privilegia a informação, o conhecimento tornou-se a grande engrenagem do poder e não mais os recursos naturais. Temos como exemplo o Japão, que, devido às limitações de seu território, busca matéria-prima em países asiáticos, mas, como detêm o conhecimento para desenvolver tecnologia de ponta, transforma esta matéria-prima em produtos e comercializa-os internacionalmente, sendo uma das maiores potências econômicas do mundo.
Isto ocorre porque o conhecimento utilizado é o que determina o valor do produto final. Como o custo dos insumos físicos – em geral – é cada vez menor, bens e serviços mais valorizados são aqueles que transmitem, condensam e incorporam informações. Assim, numa economia global, a prosperidade ocorre quando é possível agregar mais valor a um produto do que os concorrentes.
Alternativas facilitadoras
A competitividade é então um dos aspectos que permitem aos países desenvolvidos a boa qualidade nos produtos e serviços de informação – incluindo o jornalismo. O Brasil, infelizmente, ocupa a 38ª posição no Índice de Competitividade das Nações, elaborado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Ribeiro, 4/9/2006). E, conforme as exigências do mercado se voltam para a informação, um país que investe pouco em educação e tecnologia não consegue nem mesmo acompanhar o que ocorre nos países desenvolvidos – eis a razão pela qual a internet brasileira é tão desacreditada e menos lucrativa, se comparada à dos EUA e da Europa.
Bernardo Sorj argumenta que a exclusão digital representa uma dimensão da desigualdade social, pois, “ela mede a distância relativa do acesso a produtos, serviços e benefícios das novas tecnologias da informação e da comunicação entre diferentes segmentos da população” (Sorj, 2003, p. 62). Assim, a exclusão digital no Brasil é um problema majoritariamente social e não tanto tecnológico.
Se o equipamento mínimo para acessar a internet é um computador com modem e uma linha telefônica, a tecnologia necessária para o acesso à internet já está inserida no país e com preços populares (é interessante observar que muitos países subdesenvolvidos não têm sequer infra-estrutura razoável de telefonia). Há no Brasil até mesmo sistemas de financiamento para computadores e uma série de softwares gratuitos que substituem satisfatoriamente os comerciais, mesmo na utilização profissional, visto que o governo os vem adotando no setor público.
Visão polêmica
O fato é que, conforme Sorj, a exclusão digital não ocorre somente por causa da dificuldade do acesso ao equipamento, mas também pela ausência da “capacidade do usuário de retirar, a partir de sua capacitação intelectual e profissional, o máximo proveito das potencialidades oferecidas por cada instrumento de comunicação e informação” (Sorj, 2003, p. 59). Em poucas palavras: é preciso saber utilizar a tecnologia, caso contrário a exclusão digital permanecerá. Um bom exemplo disso são os idosos, que, mesmo tendo em casa um computador conectavél, na maioria não usufruem da internet por falta de instrução. O capital cultural-intelectual é exatamente o que permite que um indivíduo compreenda e utilize as informações que recebe, sendo determinado por uma série de fatores como educação, família e relações sociais. Sorj argumenta que:
A valorização do conhecimento como principal fonte de criação de valor, num mundo em constante mutação, transforma a aprendizagem num processo de formação permanente, pela necessidade de atualizar e adaptar a formação profissional original às exigências dos novos conhecimentos e transformações tecnológicas (Sorj, 2003, p. 37).
O analfabetismo tradicional já impedia que muitas pessoas tivessem acesso à leitura e à escrita para ampliar seus conhecimentos. Hoje, fala-se no analfabetismo digital, pois, “nos tempos atuais, muitas pessoas não podem utilizar bem os computadores porque não têm as habilidades necessárias, mesmo tendo completado a escola primária’ (Straubbhar & Larose, 2003, p. 33).
Sobre o assunto, o colunista e ensaísta Cândido Prunes tem uma opinião interessante, porém polêmica:
Como se sabe, a língua portuguesa é falada apenas no Brasil, Portugal e poucos (miseráveis) países africanos. O material disponível na internet, em português, é, portanto, ínfimo. Acrescente-se a isso a baixa produção acadêmica brasileira e percebe-se a tremenda desvantagem de um aluno que não conheça outro idioma. (…) Por isso – se houvesse uma real intenção do Governo de diminuir a exclusão digital –, se torna necessário um esforço para difundir a língua inglesa desde os primeiros anos do curso fundamental. Melhor ainda se o objetivo de longo prazo fosse de transformar o Brasil num país bilíngüe (Prunes, 24/11/05).
Aposta na escola
Por mais radicais que sejam as afirmações de Prunes, elas indicam que a exclusão digital é também um problema de ordem intelectual. Complementando a discussão, Manuel Castells (Moraes et al., 2003) vê um contexto ideológico. Para ele, na sociedade da informação, as funções e os processos dominantes estão cada vez mais organizados em forma de redes. Essas redes compõem uma nova morfologia social, um novo paradigma, e sua propagação altera substancialmente os processos produtivos de experiência, poder e cultura. Assim, para o autor, a presença ou a ausência na rede são fatores decisivos na dominação e transformação de nossa sociedade.
Desta forma, a tecnologia da informação apenas fornece a base material do acesso à internet. A estrutura social é que exclui os indivíduos da economia e nega-lhes os recursos – principalmente o conhecimento – para uma possível ascensão. A questão do acesso ao equipamento só será resolvida quando outros problemas sociais mais graves, como a fome, forem resolvidos. Todavia, isto ocorrendo ou não, o problema cultural da utilização da informação ainda deve permanecer, pois, segundo Gilson Schwartz, há dois tipos de exclusão digital:
A mais simples é aquela em que você não tem computador ligado à internet e não está ligado à rede. E outra, mais perigosa, é aquela em que você tem computador, banda larga, webcam, tudo, mas está perdido no meio da rede ou está usando essa rede de forma não-construtiva (Schwartz, 28/11/2004).
Acompanhando este pensamento, uma boa proposta de inclusão digital é um investimento consistente nas escolas, de forma que as novas tecnologias estejam presentes no dia-a-dia dos alunos e estes estejam aptos a utilizá-las como complemento educacional, direcionando-se para a correta utilização da internet.
Preparo e capacitação
Além disso, é preciso que o país invista maciçamente em tecnologia, disseminando o uso do software livre e barateando os custos dos computadores e conexões à internet. Disponibilizar computadores ao acesso público, como tem sido feito pelo governo, pode ser uma saída a curto prazo, mas não podemos deixar de lado a importância dos investimentos nacionais em tecnologia, informática e educação. O Brasil é um país dependente da tecnologia estrangeira e isto é péssimo para sua economia, agravando ainda mais o problema da exclusão digital e social.
Resumindo, conforme Bernardo Sorj, a inclusão digital depende de cinco fatores:
** Existência de infra-estruturas físicas de transmissão (telefonia);
** Disponibilidade de equipamentos e serviços de conexão (computador, modem, linha telefônica e provedor de acesso);
** Treinamento no uso do computador e da internet;
** Capacitação intelectual e inserção social do usuário, produto da profissão, do nível educacional e de sua rede social, o que determina o aproveitamento efetivo da informação e da comunicação pela rede;
** Produção de conteúdos adequados às necessidades dos diversos segmentos da população.
Por fim, é preciso deixar claro que os contextos da tecnologia são mais importantes do que os produtos tecnológicos – os equipamentos. Da mesma forma que um automóvel pode ser benéfico ao transportar as pessoas, pode também ser negativo ao causar acidentes de trânsito. O mesmo ocorre com a internet. Afinal, ambos são apenas um meio para determinado fim: na rede, o fim é a transmissão de informações, sejam estas positivas ou não (como exemplo de informações negativas, temos os crimes virtuais, que vão desde o roubo de números de cartões de créditos até a distribuição de material pornográfico ilegal).
Saber então utilizar a internet de forma construtiva e converter as informações obtidas em conhecimento é questão cultural que exige preparo e capacitação. O abismo que separa o Brasil das nações desenvolvidas deixa os cidadãos desamparados culturalmente, muitas vezes incapazes de usufruir dos benefícios da sociedade globalizada.
Ritmo brasileiro
Contudo, é um erro acreditar que o jornalismo online é inviável devido à exclusão digital, conseqüência não somente dos preços dos computadores, mas também da falta de instrução. Se este pensamento estivesse correto, o Brasil, que possuí altos índices de analfabetismo, também não suportaria o jornalismo impresso. Isto sem falar na questão da “leiturabilidade”, ou seja, na capacidade de interpretação. Como a educação é precária no país, muitas pessoas são incapazes de compreender com clareza até mesmo o que é transmitido por rádios e televisões. Portanto, é preciso evitar que exclusão digital se torne um argumento antiinternet por parte dos tecnófobos (indivíduos que se recusam a adotar as novas tecnologias, ou por temê-las ou por simples comodismo).
Ocorre que algumas pessoas se incomodam quando é noticiada uma nova tecnologia, argumentando que se trata de trivialidade de alto custo. Em certos casos (mas não da internet), realmente fazem pouca diferença em relação a modelos anteriores, embora o preço consideravelmente maior. Porém, se não fosse pelo lançamento de novos modelos, o preço dos mais antigos não cairia, popularizando a ferramenta. Essa é a dinâmica da tecnologia.
É preciso então aceitar que, num primeiro instante, apenas algumas pessoas tenham acesso a uma novidade. Somente após um estágio de adaptação e popularização é que uma tecnologia se torna acessível a todos. A regra, felizmente, também vale para a internet, que já está se popularizando no país – só que em ritmo “bem brasileiro”.
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Estudante de Jornalismo da Unoeste, São Paulo