Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Entender a própria importância

Entender a própria importância
A professora de Direito Penal da USP Ana Elisa Bechara atribui à imprensa papel fundamental na democracia. Mas a essa relevância deve corresponder um alto senso de responsabilidade. Caso contrário, a atividade jornalística, ao invés de servir a suas mais nobres inspirações, que convivem com a necessidade de conquistar audiência, muitas vezes a qualquer preço, acaba colocando mais lenha na fogueira da insegurança. Ana Elisa Bechara falou ao Observatório da Imprensa.


Ana Elisa Bechara – A imprensa brasileira, historicamente, tem um papel muito importante para a sociedade e muito importante dentro da produção do Direito, inclusive porque a imprensa traz à sociedade informação. E trazer a informação, muitas vezes, como historicamente aconteceu no Brasil, as mudanças sociais, a própria evolução da sociedade. Uma questão interessante, a despeito de todo esse elogio da imprensa e da importância da imprensa, reconhecida democraticamente, é como se exerce esse poder. Porque é um poder de influência brutal. E a gente vê isso muito claramente dentro da realidade da criminalidade, como a imprensa trata a informação. Como trata a informação significa: como traz a informação, quais informações traz e que demandas sociais gera. Quando a imprensa, por exemplo, noticia de forma muito repetitiva, dando um enfoque muito mais gritante a uma determinada realidade, isso leva a uma insegurança social maior, a uma sensação de insegurança maior e isso leva a uma demanda maior da sociedade em relação ao estado. Não é que produza mais segurança. E esse discurso é um discurso que interessa muito aos políticos. Porque se tem uma demanda maior de segurança, e essa é uma característica da sociedade na atualidade, ser uma sociedade insegura, esses políticos veem como mecanismo de angariar votos, justamente partir para a elaboração de leis, e de um tratamento em geral mais rigoroso da criminalidade, e é um tratamento que é equivocado. A grande influência negativa é que hoje a gente acaba tendo muitas leis, e agora estou falando dentro do universo jurídico, criadas com base em notícia de imprensa. Uma atitude impensada da imprensa, uma divulgação impensada, que leva à elaboração de leis que são absolutamente equivocadas. Ou leis autoritárias, ou leis que não se prestam a resolver a realidade, leis atécnicas ou que geram um efeito boomerang. Porque, se a sociedade é insegura e pede mais segurança, essas leis mal-feitas, quando vêm à tona, não geram os efeitos esperados – e a imprensa acaba divulgando isso para a sociedade. Então a gente tem a lei tal, mas ninguém é punido no Brasil; e a sociedade fala: "Meu Deus, está vendo como o Direito não funciona? Então agora nós estamos mais inseguros ainda!".

OI – Em relação ao caso do mensalão, o que é que poderia ser um desdobramento negativo por efeito de uma cobertura não adequada?

A.B. – A imprensa exerce uma influência dupla, tanto em relação à sociedade, que está lendo as informações, que está acompanhando as informações, como também a imprensa influencia os próprios atores desse processo – que fazem parte da sociedade e que portanto leem as notícias. Me preocupa quando eu leio, por exemplo, vejo alguma notícia dando conta da impressão de um ministro sobre o julgamento do caso. O que a mim parece aberrante no sentido de que um juiz não antecipa o julgamento do caso. Isso pode gerar uma reviravolta no próprio caso, requerer, e às vezes não sei se esse foi exatamente o discurso do julgador, no sentido de antecipar o caso, ou se o jornalista entendeu daquela forma, que não era exatamente assim. E, por outro lado, um efeito eventualemnte negativo para a sociedade é criar uma expectativa irreal. A imprensa tem sim, não só um poder, mas uma responsabilidade social no sentido de transmitir essa esperança de uma sociedade melhor, no caso do mensalão, de um Brasil menos corrupto, de uma evolução da própria percepção da sociedade com relação à intolerância, à corrupção. Eu acho isso fenomenal, mas eu não posso criar expectativas também equivocadas, porque a sociedade vai acompanhando isso, vai lendo. Qual é o acompanhamento que a sociedade faz do caso? Primeiro a imprensa. Então se eu gero expectativas que são irreais, no final eu corro o risco de frustrar essa sociedade.

Leia aqui a entrevista de Ana Elisa Bechara.