A privatização da segurança
Os dois principais jornais paulistas acompanham com olhares diferentes o caso ocorrido na terça-feira em uma chácara da cidade de Várzea Paulista, próxima da capital, quando policiais militares mataram nove pessoas.
O Estado de S. Paulo afirma que os suspeitos, que estariam reunidos para fazer o “julgamento” de um jovem acusado de estupro, eram integrantes do grupo criminoso conhecido como Primeiro Comando da Capital, mas não discute a versão oficial de que o confronto resultou de investigações da própria PM a partir de uma denúncia anônima.
A Folha de S. Paulo foi buscar outras fontes e levanta a hipótese de que a ação foi uma vingança contra o grupo criminoso, que teria baleado um policial no dia 7 deste mês.
Nenhum dos dois jornais manifesta qualquer interesse em investigar esse curioso relacionamento entre policiais e o crime organizado.
Da leitura das duas reportagens, e por alguns casos antecedentes, o leitor mais atento terá de concluir que há uma convivência bizarra entre certos setores da polícia paulista e o PCC, com certa tolerância desde que a organização não extrapole determinados limites.
Esses limites seriam, entre outros, ações violentas em bairros onde os fatos têm mais repercussão, ou ataques contra policiais.
Claro que qualquer malandro de esquina pode se apresentar como integrante do “partido”, como alguns chamam a organização, para se fazer de importante.
Mas não há como dissimular que há uma estranha simbiose entre o crime organizado e certos setores da polícia.
Durante o período em que ocorreram seguidos ataques de bandos armados a restaurantes da capital paulista – foram cerca de vinte, até o final de junho – a imprensa também creditou tais ações a membros do PCC.
A onda de arrastões somente diminuiu depois que representantes do setor se reuniram com autoridades policiais, negociando formas de melhorar o trabalho preventivo. Mas em pelo menos uma ocasião, segundo o proprietário de um restaurante na zona Sul, o representante da segurança pública sugeriu a contratação de uma empresa privada pertencente a policiais como única forma de garantir o fim das ocorrências.
Ouvem e calam
Mas essa atividade paralela de servidores públicos sofre alguma concorrência da própria organização criminosa.
Na Vila Santa Catarina, zona Sul, donos de casas de comércio, médicos e outros profissionais que possuem consultórios na região têm sido abordados por homens que se dizem representantes do chefe do tráfico nas favelas que proliferaram depois da urbanização de um trecho do córrego das Águas Espraiadas. Os emissários do crime organizado querem “vender segurança” aos comerciantes.
Em pelo menos um caso, uma dessas vítimas procurou a autoridade policial e recebeu a recomendação de não contrariar os criminosos ou mudar-se do bairro.
Juntando-se esse fato com a informação anterior, o leitor atento haverá de suspeitar que a segurança pública no estado de São Paulo foi privatizada da pior maneira possível: os mais ricos pagam à polícia, os mais desafortunados compram sua segurança dos próprios bandidos.
No entanto, não há hipótese de os jornais dedicarem algum esforço para ir além do que afirmam as autoridades quando ocorrem desentendimentos entre concorrentes.
Também falta disposição para procurar essas vítimas de chantagens de servidores públicos e criminosos para esclarecer a quantas anda o problema.
Além disso, seria conveniente ir um pouco além das declarações oficiais para esclarecer o que acontece com os policiais que ainda procuram fazer seu trabalho corretamente.
Quando os criminosos se desentendem com seus parceiros na banda podre da polícia, quem paga o preço são os policiais honestos.
Somente nos últimos nove meses, foram mortos 67 integrantes da Polícia Militar, cerca de 40% a mais do que o total de 2011.
Há confrontos, parte dos riscos eventuais da atividade policial, mas há também atos de vingança contra agentes que se recusam a negociar com criminosos.
Especialistas citados pela imprensa têm falado em um estado de guerra e ações de vingança da Polícia Militar.
O governador vem a público para justificar a alta letalidade da polícia, dizendo que, no caso de Várzea Paulista, “quem não reagiu está vivo”.
Ora, bastaria um caso, como o do publicitário Ricardo Prudente de Aquino, para a imprensa contestar a justificativa do governador. Aquino foi fuzilado no dia 18 de julho com cinco tiros porque os policiais que o abordaram julgaram que ele tinha uma arma.
Mas os jornais ouvem e calam.