O vespeiro do controle externo
O assunto mexe com as entranhas dos dirigentes de empresas de mídia: pela primeira vez, desde o século XVII, a imprensa britânica se encontra na iminência de vir a ser controlada por um órgão regulador externo.
A comissão oficial que conduziu o chamado inquérito Leveson, criado para investigar o escândalo das relações de jornais do empresário australiano Rupert Murdoch com autoridades de vários escalões chegou à conclusão de que o sistema de autorregulação não funciona.
Segundo o relatório oficial, a Press Complaint Comission – comissão de queixas sobre a imprensa, em tradução literal – não cumpre o papel para o qual foi criada.
O inquérito, provocado pela revelação de que o jornal dominical News of the World, um dos principais negócios de Murdoch, tinha entre suas práticas jornalísticas a interceptação de conversas telefônicas de celebridades, pessoas comuns e autoridades, conclui que a Press Complaints Comission não serve para nada.
Funciona como um sistema de acomodação de interesses corporativos, protegendo os veículos de comunicação e engavetando as queixas.
Tem ainda menos eficiência do que o brasileiro Conar – Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária, organização não-governamental criada em 1980 para se contrapor às intenções do governo militar de estabelecer a censura prévia sobre as peças de publicidade.
Uma diferença básica entre o Conar e a Press Complaints Comission é que, no caso brasileiro, a entidade funciona como uma instância de negociação entre empresas concorrentes, o que acaba eventualmente beneficiando o consumidor.
As responsabilidades compartilhadas entre anunciantes e agências fazem com que o Conar esteja atento a questões delicadas mas objetivas, que exigem decisões rápidas sob pena de produzirem danos financeiros ou morais de grande monta.
A decisão da comissão que investigou o caso do grupo Murdoch mostra que não é a mesma coisa com relação à imprensa, que lida com muita subjetividade e envolve, mais comumente, pessoas físicas do que empresas.
Quando o noticiário deletério atinge empresas, seus responsáveis quase sempre ficam cobertos pelo anonimato.
O debate improvável
O caso que mais impressionou os investigadores britânicos foi o sequestro da adolescente Amanda Jane Dowler, de 13 anos, cujo corpo foi encontrado em setembro de 2002, seis meses após ter desaparecido no caminho para a escola.
Em 2011, descobriu-se que repórteres do News of the World tinham grampeado o telefone da menina e manipulado as mensagens de voz para produzir reportagens, depois de sua morte, induzindo a família e a polícia a considerar que ela ainda estava viva.
O caso se transformou no maior escândalo da história moderna da imprensa, levou ao fechamento do jornal e conduziu à comissão que agora recomenda a criação de um órgão regulador independente para fiscalizar a atuação dos veículos de comunicação.
O tema causa ojeriza na imprensa, mas não pode ser ignorado.
As controvérsias atingem até mesmo a coligação entre conservadores e liberais-democratas que governa o Reino Unido: durante discurso no qual declarou ser contra uma lei para mudar o sistema de autorregulação, o premiê David Cameron foi contestado pelo vice-premiê, seu aliado, Nicholas Gregg.
“Uma imprensa livre não significa uma imprensa que seja livre para perseguir pessoas inocentes ou livre para abusar de famílias enlutadas”, declarou o vice-premiê, segundo o Huffington Post.
O efeito do jornalismo estilo Murdoch afetou até mesmo as convicções de parlamentares do partido Conservador, muitos dos quais, segundo o site noticioso, estão propensos a aprovar a lei de controle externo da imprensa.
Apesar de os jornais brasileiros não terem acompanhado com muito interesse as discussões anteriores à aprovação do relatório, agora não se pode mais ignorar o fato de que o país que foi o berço da liberdade de informação está colocando em dúvida a capacidade da imprensa, como instituição, de assegurar um equilíbrio aceitável entre o conceito de absoluta autonomia para os órgãos de comunicação e a necessidade de prevenir ou punir desvios motivados por conveniências políticas, econômicas, ideológicas ou até mesmo por interesse na audiência.
No Brasil, a imprensa de alcance nacional está em guerra aberta com um partido político em cujo ventre são gestadas ideias radicais de controle.
Em torno dessa questão rosnam os coronéis eletrônicos que dominam as mídias regionais, juizes cooptados pelo poder local, grupo criminosos incrustados na política e instituições fragilizadas pela corrupção.
A hipótese de um debate equilibrado por aqui é muito improvável.