O suco que virou ácido
Sexta-feira, dita santa, e um assunto extinto na mídia tradicional insiste em ressuscitar nas redes digitais, assombrando os fariseus.
Trata-se daquela história do suco que virou ácido.
O tema veio a público no dia 13 deste mês, uma quarta-feira, e no sábado seguinte, três dias depois, já havia subido aos céus da imprensa.
Excelência na gestão da crise, por parte da Unilever?
A consultora Vera Lúcia Vieira, diretora da CostumerSat Consultoria, pesquisadora em comunicação e marketing, aponta indícios de que pode ter havido simplesmente um conluio entre os jornais e a empresa, para ocultação do cadáver, quer dizer, do problema.
Segundo o rastreamento feito pela pesquisadora, as primeiras constatações de que havia outro produto no lugar do suco de maçã da marca AdeS foram divulgadas nas redes sociais no dia 13.
Quase imediatamente, ainda antes de a notícia sair nos telejornais, algumas redes de supermercados já estavam tirando as caixas de suas prateleiras.
Como a empresa fabricante demorou um dia para fazer esclarecimentos e providenciar o recolhimento dos lotes contaminados, foram retirados todos os produtos daquela marca.
Quando os jornais deram as primeiras notícias, o assunto já "bombava" nas redes digitais, com relatos de outras ocorrências com alimentos da mesma empresa.
A ação da empresa foi rápida, mas dirigida apenas à imprensa tradicional: comentaristas de programas radiofônicos saíram assobiando e os bravos analistas dos telejornais apenas repassaram o já sabido.
A Unilever não teve pressa para fazer o comunicado oficial à Anvisa, o que poderia reduzir os riscos de consumo involuntário do líquido ácido por alguma criança: o órgão de vigilância sanitária foi informado no dia 14/03 por uma funcionária, que ouvira a notícia no rádio.
A pesquisadora Vera Lúcia Vieira observa que os comentários foram intensos nas redes sociais, produzindo anedotas com a imagem da caixa de suco, num crescendo que, afinal, obrigou a fabricante a se manifestar.
Até as 13h27 do dia 20/03, o site da empresa não havia publicado a informação oficial sobre o recolhimento do produto – mas a notícia já havia saído na edição online da Folha de São Paulo.
Detalhe: o comunicado oficial no site unilever.com.br foi postado no dia 20, com data do dia 18.
O mesmo texto oficial foi postado na Facebook e reforçado às 23h00 do dia 20, no perfil criado para divulgar o suco AdeS.
"Problema de qualidade"
A estratégia da empresa ficou clara no decorrer dos dias seguintes: conter o noticiário negativo na mídia tradicional e deixar que a onda passasse nas mídias digitais.
Na análise da consultora, a prioridade foi reduzir o efeito negativo do incidente sobre a marca, e não defender o consumidor: nesse período, e até o final desta semana, as linhas do Serviço de Atendimento ao Consumidor da empresa permaneceram congestionadas e ainda não ficou suficientemente esclarecido o que ocorreu na linha de produção.
Uma investigação da Anvisa revelou que já no dia 6 de março, uma semana antes de o caso vir à tona, havia sido registrada uma reclamação no serviço de atendimento da Unilever, mas a empresa não se pronunciou nem informou as autoridades sanitárias.
A Lei de Defesa do Consumidor determina que o fornecedor não pode colocar no mercado produto que sabe, ou deveria saber, que apresente riscos à saúde ou à segurança dos consumidores; caso isso venha a ocorrer, deverá emitir um comunicado de alerta através de todas as mídias (são citados TV, rádio, jornal, revistas).
Embora as redes sociais e a internet não sejam citadas no texto legal, infere-se que sejam consideradas mídias da mesma forma.
O comunicado finalmente publicado pela Unilever afirma que a contaminação, que a empresa chama de "problema de qualidade", contornando a gravidade do fato, "limita-se a 96 unidades de AdeS sabor maçã, 1,5 litro, lote AGB25, produzidas na linha TBA3G na fábrica de Pouso Alegre" (MG).
No entanto, o comportamento errático da empresa reduz a credibilidade de sua estratégia de comunicação.
O assunto segue vivo nas redes digitais, mas praticamente desapareceu do rádio e da televisão, e, nos jornais, apenas pipoca eventualmente em notas curtas.
Até onde se pode rastrear, a empresa não divulgou os prejuízos financeiros causados pelo incidente.
A perda para sua reputação é incalculável, e ainda pode contaminar a credibilidade da mídia tradicional.