Razão e sensibilidade
Os jornais anunciam nesta sexta-feira (05) que a semana se encerra com céu azul sobre Brasília. Não, não se trata da previsão do tempo – estamos falando do fim das dissimulações e do amplo clareamento de intenções dos protagonistas do poder.
Há mais transparência no ar da capital federal depois que se esclareceu quem é quem na controvérsia sobre a reforma política.
Seja por convicção ou oportunismo, diz a imprensa, a urgência em atender os reclamos das ruas e promover uma consulta popular sobre mudanças básicas no jogo do poder ficou nas mãos solitárias da presidente da República.
Do outro lado, entre os que apostam no esvaziamento dos protestos, alinham-se representantes da oposição e aqueles que estão constantemente mudando de barco segundo conveniências de momento.
Trata-se do embate clássico no qual a razão apresenta aquilo que se supõe seja o possível, e a sensibilidade insiste em romper esse limite.
Esse foi o contexto em que ocorreu a sequência de acontecimentos que começou na reunião do vice-presidente Michel Temer com os líderes aliados e terminou numa conversa telefônica dele com a presidente Dilma Rousseff.
Temer saiu da reunião com os líderes partidários convencido de que não há prazo suficiente para realizar a consulta popular antes das eleições de 2014.
Dilma argumentou que é preciso enfrentar essa impossibilidade.
Nesse período, a imprensa colheu muitas vozes, e o resumo dos discursos que a mídia apresenta é que não haverá plebiscito neste ano.
E talvez nunca.
No entanto, uma análise detalhada do conteúdo político dos jornais indica que a questão não está fechada.
A Folha de S. Paulo é o único jornal a afirmar que a hipótese da mudança já para 2014 está enterrada, apostando em sua manchete que o plebiscito está adiado.
O Estado de S. Paulo e o Globo preferem apenas relatar as idas e vindas, porque, na verdade, todos sabem que, neste caso, a razão terá que se submeter à sensibilidade.
É possível que a Folha esteja apenas tentando transformar em fato aquilo que é crença interna de seus editores, ou seja, que não é possível atender agora a demanda das ruas.
Também é possível, por outro lado, que os outros jornais estejam apostando na extensão de uma crise que pode afetar profundamente o atual governo.
Basta ler os colunistas postados nos lugares de mais destaque dos jornais e consultar seus editoriais, para qualquer leitor se convencer de que a imprensa, de maneira hegemônica, aposta no desgaste político da presidente da República.
A solidão da presidente
No entanto, o resultado desse conjunto narrativo pode ser bem o contrário: no imaginário popular, a sensibilidade ganha da razão.
Mesmo que se pudesse conversar um a um com todos os brasileiros, não seria possível convencê-los da impossibilidade de um plebiscito no prazo de três meses.
Os parlamentares que se opõem à reforma hoje também estarão contra ela no ano que vem e na próxima década, como estiveram nos últimos vinte anos. Curiosamente, os jornais preservam os seus nomes e publicam uma enxurrada de opiniões anônimas.
Como em todos os governos, eles reagem com a ameaça de boicote a propostas do Executivo que, se não aprovadas, podem causar danos à economia nacional.
São predadores levados ao poder pelo próprio eleitor.
Para neutralizá-los, é preciso expor seus nomes, e a imprensa sabe disso, pois já realizou essa operação muitas vezes.
A clássica lista como aquela dos que votaram contra ou a favor das eleições diretas, ou dos que aprovaram ou rejeitaram este ou aquele projeto, se transformaria num vírus letal nas redes sociais.
Em poucos dias, cada um deles se transformaria naquilo que alguns colunistas chamam de "leproso político", e teríamos a possibilidade de uma reforma adicional, pelo voto.
Os jornais se empenham em retratar a presidente da República em completa solidão, como se fosse a única a tentar o que é considerado impossível num ambiente dominado pela razão oportunista.
Mas a linguagem não dá conta das sutilezas que supostamente delimitam os terrenos da razão e da sensibilidade.
A narrativa jornalística, contaminada por interesses específicos, se vale de subjetividades para vender interpretações supostamente racionais dos fatos.
A retórica política dissimula interesses corporativos e o discurso jurídico mal esconde a letargia da burocracia.
A imprensa deu as costas para as ruas e só enxerga o jogo do poder.
Mas, quanto mais claras ficam as manobras para esconder a intenção de deixar tudo como está, maior será a revolta das massas frustradas pelas instituições.
O céu azul de Brasília prenuncia tempestade.