Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Relações mais do que intrincadas

Na Grécia Antiga, o filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) chegou à conclusão de que para o exercício da política era necessário bom domínio de outra área do conhecimento humano: a comunicação. Desde então, ninguém ousou criticar essa afirmação. É inegável, porém, que a partir do surgimento e do crescimento dos mass media ocorreu alguma modificação nesse paradigma: na virada do século 20 para o 21, a comunicação se sobrepôs à política.

Uma das razões para a concretização dessa mudança relaciona-se à expansão da sociedade e a constatação de que os feitos só existem no momento em que são comunicados. Com isso, a divulgação de ideologias, atos políticos e candidatos deve passar, necessariamente, por algum veículo de comunicação de massa – que pertence a um dono. Essa pessoa tem total liberdade para selecionar o tipo de informação que deseja transmitir, bem como o modo de se fazer isso. Um exemplo simples dessa manipulação de consciências é a prática de evidenciar os aspectos positivos de um candidato e noticiar os fatos que prejudicariam a imagem de outro. Esse cenário se enraizou de forma profunda no Brasil a medida em que a maioria dos donos de empresas de comunicação exercem, direta ou indiretamente, alguma atividade política.

Quadro repetido

Além disso, a mídia precisa do governo, assim como o governo necessita da mídia. A sobrevivência de um está atrelada às boas condições do outro. Essa falta de independência já perpassa a história do Brasil há 506 anos e agora também se manifesta nessa esfera “Estado-mídia”. Novamente, só produz resultados satisfatórios para a ínfima parte da população interessada na perpetuação do poder de seu clã e na manutenção do excelentíssimo status social.

A isegoria (igualdade na expressão de opiniões), colocada em prática com o surgimento da política, praticamente sucumbiu diante da pouca pluralidade presente nos veículos de comunicação. Segundo a declaração de Wanderley Guilherme dos Santos, filósofo e Ph.D em Ciência Política, no livro Leituras da crise – Diálogos sobre o PT, a democracia brasileira e o socialismo (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006), “o público na verdade não escolhe a informação que compra, não existe um número significativo de jornais com informações diferentes.”

Já nas eleições deste ano, além da repetição desse quadro, as propostas dos dois principais candidatos à presidência da República, pelo menos no primeiro turno, foram extremamente semelhantes. O jornal Brasil de Fato (número 186) traz matéria intitulada “Programas de governo que se confundem”. Alckmin e Lula têm idéias parecidas para áreas como educação, energia, saúde, transporte e, pasmem, agricultura/reforma agrária.

Ágora eletrônica

Às vésperas do primeiro turno eleitoral de 2006, entrevistas realizadas pela grande mídia mostraram que muitas pessoas ainda estavam em dúvida sobre em quem votar. Porém, aconteceu mais de um debate, houve diversas matérias sobre as eleições nos telejornais e até a Caravana JN rodou o país! E o que tudo isso significou? Os mass media deveriam ter priorizado e fomentado maior conscientização política e visão mais crítica da população em debates baseados na ética, e não na estética. O público merece conhecer candidatos que mostrem conteúdos sérios, e não apenas simulacros.

Com certeza, com a melhora desses pontos, poderemos vislumbrar a eliminação do estado de “inércia política” de grande parte do povo. Vamos ver se agora, com o segundo turno presidencial, ocorrerá alguma alteração nesse painel, embora tudo nos leve a crer que ainda não será desta vez que a mídia protagonizará um debate esclarecedor e reflexivo sobre o futuro da nação.

Por fim, não devemos esquecer que a “ágora”, a praça pública da Grécia Antiga, transformou-se em “ágora eletrônica”, e a imprensa passou a exercer o papel de um novo “aerópago”, o antigo tribunal de Atenas. O único detalhe é que desde aquela época as discussões políticas aconteciam somente entre ricos comerciantes, filósofos e grandes proprietários. Portanto, não se surpreenda ao atestar alguma semelhança com os dias de hoje: ela não será mera coincidência.

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Estudante de Jornalismo, São Paulo