A opção preferencial pela crise
Há um debate em curso nas redes sociais sobre as escolhas editoriais dos jornais considerados de circulação nacional.
No centro da questão, a diferença de tratamento dado a escândalos políticos de acordo com a filiação partidária dos protagonistas.
O núcleo duro das discussões coloca em confronto defensores do atual governo federal, liderado pelo Partido dos Trabalhadores, e os adeptos dos governos do PSDB sob o comando de Fernando Henrique Cardoso.
Mas uma parte dos debatedores considera que a imprensa tradicional sempre criticou os governantes e que seu papel é o de se opor invariavelmente a quem quer que esteja no poder central.
Esse argumento não subiste, se considerarmos que, na atual circunstância, tal assertiva vale para o governo federal, mas não necessariamente para os governos estaduais.
Veja-se, por exemplo, o caso do Rio de Janeiro, onde o principal diário, o Globo, mantém desde 2003 uma cobertura intensamente crítica ao poder de Brasília mas poupa, em grande medida, o governo local de Sérgio Cabral.
Há muitas razões para isso, e a principal delas parece ser o programa de "pacificação" de favelas, que começou após o assassinato do jornalista Tim Lopes, da TV Globo.
Em São Paulo, os dois principais jornais de circulação nacional, Estado e Folha, fazem escolhas semelhantes, poupando o governador Geraldo Alckmin e tratando como inimigo o governo federal.
Como se trata de questão que envolve preferências políticas e se emaranha na subjetividade da linguagem jornalística, é preciso buscar os elementos factuais que demonstrem a existência de um estado de espírito oposicionista a priori nas escolhas da mídia tradicional.
Esses elementos de informação podem ser identificados mais facilmente no noticiário econômico dos jornais chamados de genéricos, ou generalistas, comparando-os com a imprensa especializada em economia e negócios.
Nas escolhas de indicadores econômicos sazonais se pode observar como os três principais diários de circulação nacional, aqueles que mais influenciam as instituições e são tidos como articuladores da agenda pública, tratam de minar a confiança da sociedade no governo federal, pintando um quadro de insucessos e catastrofismo.
Editados pelo mercado
Veja-se, por exemplo, as edições desta quarta-feira (31) do Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo.
No Estado, a manchete do caderno Economia&Negócios anuncia: "Superavit primário do governo no primeiro semestre é o pior desde 2001".
Na Folha, o caderno Mercado afirma que "Superavit melhora, mas fica abaixo da meta em 12 meses".
O Globo, que dá menos importância ao noticiário econômico na maior parte da semana, informa que "Economia para pagar juros é a menor do 1o. semestre desde 2010".
Já o Valor Econômico, principal jornal especializado do País, não deu a mesma importância ao resultado parcial das contas públicas – provavelmente porque seus editores consideram que, neste trecho do ano, esse indicador pode não ser tão relevante ao ponto de merecer uma manchete.
Afora as diferenças de tom nas abordagens de cada um dos três jornais, observe-se que havia, entre os números do dia da economia nacional, alguns outros tópicos que também poderiam merecer destaque.
Mas eles estão escondidos em notas curtas ou editados em posição menos destacada.
Por exemplo, o Índice Geral de Preços – Mercado, medido pela Fundação Getulio Vargas, teve uma alta de apenas 0,26% em julho, frente ao aumento de 0,75% verificado em junho.
A desaceleração dos preços se deu de forma generalizada, o que induz os analistas a prever que em agosto a inflação também não deverá ser alta.
Também há registro de que a confiança do comércio subiu 0,6% neste mês, em relação a julho de 2012.
Embora o cenário geral ainda seja de pessimismo na projeção até o final do ano, a melhora do ânimo no comércio deve ser considerada, dada a notória influência nefasta que o noticiário negativo produz na disposição de investimento das empresas.
De qualquer maneira, os jornais poderiam registrar que, tanto a queda da inflação como a percepção da inconsistência do pessimismo, foram previstas pelas autoridades econômicas do governo federal nos últimos dois meses.
Uma terceira notícia que concorre com o espírito catastrofista da imprensa é o resultado dos balanços das instituições financeiras: misturada aos números bilionários dos lucros dos bancos, registra-se quase envergonhadamente a queda da inadimplência da população.
Em algumas análises, a disposição dos correntistas de quitar suas dívidas em vez de comprometer o orçamento com novos empréstimos, é vista como um risco para os bancos.
Mas o fato de o número de calotes ter se reduzido em praticamente todas as instituições financeiras não seria uma boa notícia para a economia em geral?
O que se quer demonstrar aqui é que a imprensa brasileira tem uma predileção especial pelo catastrofismo, reduzindo a exposição de indicadores positivos e forçando a imposição de um cenário de crise.
Seria uma atitude contra o governo do PT?
É possível, mas o mais provável é que a mídia tradicional se oponha, sistematicamente, contra qualquer governo que não reze por sua cartilha dogmática de submissão ao mercado.
É o mercado, essa fantasmagoria irracional, que edita os jornais.