Na segunda-feira (2/10/2006) foi ao ar, na novela Páginas da Vida, uma cena em que os astros Marcos Paulo e Regina Duarte, no papel de médicos, comentam, em tom de troça, sobre uma paciente que se consultou com o Dr. Diogo (Marcos Paulo), com diagnóstico de enxaqueca, dando a entender que se tratava de “frescura”, nada grave, nada desafiador para o conhecimento e a ação desses médicos.
De um lado, a cena da novela reflete claramente a realidade: o menosprezo não só de leigos, mas também de muitos médicos, em relação à enxaqueca. De outro, causa um desserviço de enormes proporções, uma vez que reforça, em rede nacional, a idéia de que “enxaqueca não é nada”.
Estima-se que pelo menos 20 milhões de brasileiros sofram de enxaqueca, uma doença crônica que devasta a qualidade de vida do portador. É um dos motivos principais de ausência ao trabalho e diminuição de produtividade, líder no ranking de consumo de analgésicos, causa dolorosa mais comum de procura ao médico. A exemplo de outras dores crônicas, é freqüentemente acompanhada de depressão e ansiedade. A enxaqueca ainda é confundida com muitas outras doenças, por isso há dificuldade no diagnóstico. Uma vez diagnosticada, porém, tem tratamento eficaz, embora nada simples a longo prazo. A enxaqueca acomete crianças e adultos, homens e mulheres.
De acordo com artigo publicado no renomado JAMA (Journal of the American Medical Association), a prevalência da enxaqueca está fortemente associada à camada populacional de renda mais baixa (JAMA, 267 [1]:64-9 – “Prevalence of Migraine Headache in the United States. Relation to age, income, race and other sociodemographic factors”).
Vítimas de discriminação
Em 2003, a prestigiosa revista científica Paediatrics (vol. 112, nº 1, páginas e1 e e5) publicou artigo demonstrando que a qualidade de vida de crianças com enxaqueca é afetada em níveis equivalentes à de crianças deformadas pela artrite ou acometidas pelo câncer (doenças crônicas comumente tidas como mais debilitantes do que a enxaqueca). A íntegra do artigo pode ser lida aqui.
Em suma, a enxaqueca é uma doença crônica de alta ocorrência e de profundo impacto físico, mental e social. Assim como todo o Brasil, minha família e eu admiramos o trabalho e o talento do grande autor Manoel Carlos, assim como da produção e – é claro – do querido elenco da novela.
Por isso, em nome da classe médica, de inúmeros pacientes que têm sua vida prejudicada pela dor crônica, e de tantos outros ainda sem diagnóstico e vítimas de discriminação, tenho esperança de que o diálogo sobre enxaqueca a que assistimos sirva de trampolim para abraçar a oportunidade de discutir, esclarecer e desmistificar de vez, na novela, esse problema de saúde pública.
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Médico, integrante da American Headache Society, autor do livro Enxaqueca –Finalmente uma saída (www.enxaqueca.com.br), São Paulo