Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para a mídia reparar nas brasileiras

O vencedor do Nobel da Paz de 2006 descobriu uma coisa que a mídia ainda não sabe: as mulheres – especialmente nos países pobres – não são cidadãos de segunda categoria. O sucesso do banco do microcrédito confirma que elas são maioria entre os que ganham menos, mas que, se tiverem oportunidade, vão lutar – até mais do que os homens – para mudar essa situação:

‘Mais de 90% dos empréstimos são concedidos a mulheres. Há uma razão para isso: elas são vistas como mais centradas que os homens no bem-estar da família. Os juros cobrados por Yunus, em torno de 20% ao ano, não são baixos, mas são compensados pela facilidade na obtenção do empréstimo. O banco não pede hipoteca nem fiador, e ainda assim a inadimplência é muito baixa. O empréstimo é dado a grupos de quatro pessoas. Assim, o mau pagador é pressionado pelos demais, que não querem perder o crédito. O sistema criado por Yunus, imitado em vários países, tem o mérito de incentivar o empreendedorismo.’ (Veja, 14/10/2006)

No Brasil a situação não é diferente. Pesquisa do IBGE, divulgada na semana passada, mostrava que 29,6% das mulheres que trabalham nas seis principais regiões metropolitanas do país são chefes de família. Elas têm 40 anos ou mais, criam os filhos sozinhas e ganham menos do que as que moram sozinhas ou com um marido ou companheiro.

‘Em média, as chefes de família tinham 8,7 anos de estudo, o que significa ensino fundamental completo, e a maior parte trabalhava na informalidade ou tinha uma inserção precária no mercado de trabalho. Entre as mulheres chefes de família em todo o país, 21,9% eram empregadas domésticas’. (Folha de S. Paulo, 4/10/2006).

O destaque dado ao Nobel da Paz – que em última análise deve parte do seu sucesso às mulheres – é merecido. Mas as mulheres, que garantiram a continuidade da existência do banco do microcrédito, também deveriam ter, por parte da mídia, um tratamento melhor. E, como se viu na pesquisa do IBGE, não seria preciso procurar mulheres empreendedoras na Índia. As brasileiras pobres e incultas, que assumem o comando de suas famílias e a educação dos filhos, poderiam render páginas e páginas nos jornais e especiais de muitas horas na televisão.

Histórias únicas

Quem sabe agora, com o Nobel da Paz e o exemplo das indianas, a mídia brasileira mude sua pauta. Os jornais registraram a pesquisa do IBGE e não deram continuidade ao assunto. E as emissoras de televisão só entraram no tema porque estava chegando o Dia da Criança. Uma matéria da TV Globo destacou mesmo a tristeza de uma doméstica – chefe de família – dizendo que este ano não haveria presente caro para os filhos, porque ainda estava pagando prestações dos presentes comprados no Natal.

Enquanto o Nobel da Paz ainda é assunto, espera-se que a mídia lembre de procurar paralelos no Brasil e fale da situação das mulheres, especialmente das mulheres mais pobres. E, em vez de deixar o governo usar o futuro banco do microcrédito como parte da sua campanha, a mídia pode consultar as chefes de família para saber que tipo de atividade elas gostariam de ter para sustentar os filhos.

Afinal, elas somam quase 30% das famílias brasileiras, um número significativo o suficiente para merecer mais do que um simples registro pela imprensa. Mulheres que, com seu baixo salário e seus muitos compromissos, ajudam a movimentar a economia. Não vai ser preciso procurar casos longe da redação. Na casa de repórteres, pauteiros e editores de jornais convivem domésticas ou faxineiras com histórias únicas e edificantes, como a ex-favelada que hoje é a orgulhosa proprietária de um sobradinho na periferia ou a ex-doméstica que virou dona de empresa de decoração e ganha dinheiro colocando gesso nas casas de classe média. Mas, como santo de casa não rende matéria, resta a esperança de que – graças às mulheres pobres e empreendoras da Índia e o Nobel da Paz – as brasileiras mereçam algum destaque na mídia.

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Jornalista