Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo


CARNAVAL & POLÍTICA
Alberto Dines


Entrudo e entradas, 11:46 24/02


‘O nome mais antigo e mais conhecido é Carnaval mas os três dias de folguedos
que precedem a Quaresma também já foram chamados de Entrudo. Nosso ano
cronológico começa no dia 1º de Janeiro, mas o ano real, efetivo, sempre foi
adiado para depois do Carnaval. O modorrento verão dava um jeito de empurrar a
reabertura das agendas para a Quarta-feira de Cinzas. Hoje mesmo ela ficou para
trás, ultrapassada pela primeira segunda-feira após o tríduo de Momo.


Significa que, enfim, acabou 2005 e começou 2006 ? Ou 2005, como já se disse
aqui, é o ano que não vai terminar ? De qualquer forma, será um ano curto, tipo
compacto de TV, atropelado e enganoso, pouco maior do que um semestre. E, como
acontece com as gestações breves, condenado a partos prematuros.Tão grande é a
pauta de tarefas inconclusas e missões apenas esboçadas que, desta vez, os
laboratórios da empolgação eleitoral precisarão inventar algo mais consistente
do que a esperança.


O saldo de 2005 é uma montanha de escombros: está tudo em aberto, tudo em
banho-maria, tudo pela metade. E rigorosamente dúbio, a começar pelas
confissões, desculpas, culpas disfarçadas e vergonhas truncadas que nosso
malabarista-mor exibe com enorme competência desde Maio.


O nepotismo está sendo erradicado do Judiciário graças ao recém-criado
Conselho Federal de Justiça mas como impor ao Legislativo saneamento semelhante
se os parlamentares recusam-se a comparecer ao trabalho mesmo depois do descanso
remunerado e em ano de renovação de mandatos ? Se nem os pareceres da Comissão
de Ética são acolhidos pelo plenário da Câmara dos Deputados qual a esperança de
ver a Casa do Povo a serviço do povo ? Nenhuma. E isso, parece, não incomoda a
ninguém.


As CPI estão com os seus dias contados, mas os respectivos relatórios estão
distantes da conclusão. Esgotada a indignação inicial dos senadores e deputados,
evaporada a ira sagrada que os empurrou durante alguns meses para o cumprimento
do dever, percebe-se que sobrou apenas uma enorme e lânguida complacência. Sem
os poderosos holofotes do ano passado, o nome do jogo agora é Sobrevivência. A
qualquer preço. Até que os eleitos em Outubro decidam o que fazer com o fétido
esgoto a céu aberto revelado a partir do inesquecível flagrante de propina na
sede dos Correios.


Iniciado o ano legislativo, salta aos olhos a constatação de que a tal ‘base
aliada’ é uma lenda. Este foi o pecado original do governo, seu sonho e seu
castelo de areia. Ao longo de quase um mandato perseguiu-se mas não se conseguiu
o necessário suporte parlamentar para tocar um projeto imaginado para
transformar definitivamente o país. E quando o governo obteve alguma maioria no
Congresso, desvendaram-se os métodos que empregou. Foi no Legislativo que o
Executivo se enredou e se o Judiciário não tivesse vindo em seu socorro teria
soçobrado ainda em 2005.


Noves fora: há um clima de mentira no ar, a embromação foi assumida como
forma de governar. Sumiu o Duda Mendonça e num passe de mágica multiplicaram-se
os dudas. Os assanhados marqueteiros estão agora em todo canto, tapando buracos
com areia, impingindo animação e estatísticas, promovendo festas e feitos,
preocupados somente em desativar os focos de ceticismo. Descrença era atributo,
hoje é subversão, sentimento anti-patriótico, incompatível com a brasilidade.


Ninguém reparou mas estamos no picadeiro de um enorme circo onde novos
mega-shows como dos Rolling Stones e do U-2 deverão criar nas multidões
atarantadas a sensação de que vivemos no melhor dos mundos. Ao som do rock and
roll.


O Carnaval foi, no passado, uma válvula de escape das tensões, oportunidade
para a chacota represada e reserva de vitalidade para os próximos dissabores.
Como será neste ano é uma incógnita. De qualquer forma, diante do atraso do Ano
Novo, ficam os votos para um alegre entrudo. E boas
entradas.’




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