Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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ARAGUAIA
Claudio Tognolli


Guerra de estróinas, 3/3/06


‘O jornalista Hugo Studart lança, pela Geração Editorial, a obra ‘A Lei da Selva’, de 382 páginas, epigrafando na história do Brasil simplesmente algo a que jamais havíamos franqueado acesso: a versão dos militares sobre a Guerrilha do Araguaia. A guerrilha durou entre 1972 e 1974. No conflito tombaram mortos 90 brasileiros, e ainda há 70 corpos desaparecidos na mata.


O marechal Castelo Branco costumava chamar de ‘vivandeiras alvoroçadas a rondar os bivaques em que habitam os granadeiros’ aos generais de pijama, que volta e meia saem do opróbrio de suas cozinhas para emitir opiniões políticas. Hugo Studart, sabiamente, excluiu da obra estrelados-vivandeiras: quem fala no livro são espíritos ‘florentinos’ do exército que, num primor de talha, não relutam em falar que brasileiro guerrilheiro, de ânimos aparelhados, era exterminado como ‘estróina’. É de convocar escrúpulos. Mas está aí justamente a novidade do livro: dar voz aos estróinas do outro lado, naquela época em que a imagem que tínhamos do Brasil era refletida num espelhinho de pataca.


No livro estão relatados episódios que nossos historiadores jamais conseguiram alcançar: detalhes das execuções dos guerrilheiros Dina e Mundico, uma explicação inédita sobre o que significava no imaginário dos militares combater e matar os gigantes da guerrilha; uma entrevista em que um militar relata como matou Sônia, heroína da guerrilha, aquela que feriu dois militares (Lício e Curió) e, mesmo cravejada de balas, ao receber a ordem de se identificar, teria dito: ‘Guerrilheiro não tem nome, tem causa’; um militar que relata as execuções de dois prisioneiros, Maria Diná e Tobias, ambas trágicas; o nascimento do Tribunal Revolucionário, com relatos das quatro execuções sumárias (justiçamentos) realizadas pelos guerrilheiros (três camponeses e um companheiro).


Alguns capítulos são de tirar o fôlego e nos remetem a pensar sobre os paroxismos da guerra, sobretudo esta, com ares de um Vietnã brasileiro, talvez mais sanguinolento, porque nada frontal: uma antologia de execuções e tocaiadas ladinas, oblíquas, enviesadas, laterais, em que canalhas dos dois lados dedicavam-se ao ofício de maquinar a morte do outro brasileiro como ele da maneira mais sórdida possível.


Os capítulos mais chocantes tratam da Terceira Campanha, quando as tropas desembarcaram sem farda com a ordem de não fazer prisioneiros. Nesse capítulo, é relatado o Dia D; a tortura de camponeses, a cadeia de comando e a estratégia de combate; o QG da Inteligência e o perfil do chefe direto das atrocidades; os combates na mata; a contratação de jagunços e a tabela de preço pelas cabeças dos guerrilheiros; o Chafurdo de Natal, com a relação dos que morreram. Há também o capítulo da Caçada Final, em que é relatado o modus operandi das execuções de prisioneiros, quais guerrilheiros foram executados, quem deu a ordem de não fazer prisioneiros, a destruição dos documentos e a cremação dos corpos na Serra das Andorinhas.


O coronel Lício Maciel, um dos oficiais mais ativos na história da Guerrilha do Araguaia, acaba de publicar em seu blog comentários elogiosos (e também algumas críticas) sobre o livro. Ele escreveu: ‘O jornalista Hugo Studart está lançando agora em março, na Bienal do Livro de SP, o livro ‘A Lei da Selva’, sobre a guerrilha do Araguaia.


O livro tem um mérito que ninguém pode negar: foi construído sobre informes de pessoas honestas, confiáveis, que participaram efetivamente da luta. Além disso, lança luz sobre determinados episódios ainda obscuros, mas que irão sendo sucessivamente, com o lançamento de novos livros, tornados claros. Embora não tendo lido todo o livro, tive conhecimento de um dos capítulos mais importantes, versando sobre os combates que participei e os comentários feitos a respeito dos mesmos no diário do Velho Mário. Dei minha opinião em diversos trechos, considerei determinadas interpretações por demais tendenciosas, não concordei com diversas passagens, mas considero o livro do Studart um dos mais importantes até hoje já escritos sobre a Guerrilha do Araguaia. Espero que ele seja igualmente honesto nas demais partes do livro, as que não li’.


O livro de Hugo Studart é obra obrigatória porque mostra, com detalhes de um repórter aguçado, como um Brasil virou inimigo dele mesmo, naqueles tempos de mundo bipolar, em que o ‘inimigo’ poderia estar estudando na sala ao lado. Alguém disse que, para quem tem de pagar na Páscoa, a quaresma é curta. Talvez esteja aí a fúria dos militares em exterminar, queimar e dilacerar brasileiros com tanta pressa. Talvez esteja aí a fúria dos guerrilheiros em fazer o mesmo com os homens de quepe. Enfim: o melhor e mais cuidadoso relato daqueles tempos, prenhes de outros tempos em que o PT nasceria como um partido de presos políticos, para hoje virar um partido de políticos quase presos…’




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