Um acidente, independentemente de suas proporções, merece sempre cobertura jornalística adequada, sem exageros, sem o quase sempre irresistível apelo ao sensacionalismo, e, principalmente, evitando-se eleger culpados antes do término das apurações, que, no caso de desastres aeronáuticos, costumam levar meses ou anos. É indiscutível que o máximo de informações – fidedignas, ressalte-se – deve ser oferecido ao leitores, mas notícias e comentários sobre o recente choque no ar envolvendo um avião de carreira e outro particular parecem ter dispensado um tanto de cautela e reflexão.
Foi o que aconteceu quando se veiculou que os parentes se queixavam da falta de informações sobre as vítimas. Legítima até certo ponto, a reclamação das famílias, que não estavam em condições de refletir sobre os entraves que a companhia aérea enfrentava para administrar uma situação de crise, foi publicada nos jornais e comentada em rádios e na internet, sem que os profissionais de mídia ponderassem acerca das imensas dificuldades de se localizar uma aeronave numa área em que árvores, densas, têm cerca de 40 metros.
Não faltou, por parte de um blogueiro especializado em política, hospedado no portal de um dos maiores jornais do país, o comentário irresponsável de que o avião executivo estaria, eventualmente, a serviço do narcotráfico, ignorando ele que aviões caros como o Legacy não são utilizados nesta atividade; e mais, não levando em conta que, com a entrada em vigor da Lei do Abate, tornou-se sobremaneira arriscado sobrevoar o território nacional sem plano de vôo autorizado, e mais ainda, que os que tentam burlar o controle de tráfego aéreo voam a baixíssima altitude, para tentar escapar à ação dos radares.
Na esteira do amadorismo demonstrado aqui e ali, um repórter perguntou ao presidente da companhia aérea se a queda da aeronave poderia prejudicar os negócios da empresa, ao que recebeu a apropriadíssima resposta de que aquele era o momento de prestar apoio e solidariedade às famílias, e não falar de negócios.
Fotos falsas
O Estado de S. Paulo chegou a noticiar que os pilotos americanos não tinham habilitação para conduzir o Legacy, o que veio a ser desmentido pela autoridade aeronáutica dos EUA. Também duvidou-se da negativa dos pilotos a respeito de terem desligado o transponder do jato, e a verdade apareceu meridiana: na Europa, o equipamento empregado naquela aeronave foi proibido, por ter apresentado exatamente a tal falha que se produziu no acidente na Amazônia – sem que ninguém tenha criticado o absurdo de o fato não ter sido comunicado à Embraer, fabricante do jato.
Os aeronautas americanos admitiram estar na altitude errada, mas um acidente é uma conjunção de erros, no caso, envolvendo falha no sistema anticolisão, a omissão das autoridades européias em não comunicar a ocorrência do problema naquele continente, além de eventual erro da torre de controle, que só agora está sendo considerado e noticiado. É legítimo que se procure dar um furo jornalístico, mas o açodamento de alguns profissionais deveria ser substituído por uma reflexão acerca das circunstâncias, além de aconselhamento com especialistas da área.
De bom, a extensa cobertura teve a didática explicação, com diagramas, das aerovias, dos sistemas anticolisão e dos transponders, além da divulgação da reprovação da Ordem Advogados do Brasil à ação de advogados que têm assediado as famílias oferecendo patrocínio de ações judiciais milionárias.
Os pilotos americanos erraram, mas não foram os únicos, nem podem ser execrados por isso, tampouco deveriam ser retidos no país. E como a internet, de certa forma, tornou-se veículo de mídia, não faltaram aqueles que aproveitaram o triste episódio para fazer circular horrendas e pretensas fotos das vítimas, que uma observação mais atenta leva à conclusão de que são falsas.
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Administrador, São Paulo