Os políticos e as suas torcidas dizem, a realidade desmente. Na atualidade, quase ninguém dá bola para a política. A política parece um jogo de guerra digital que só interessa aos jogadores e aos donos das LANs houses e dos sites de internet, que faturam com base no tempo de uso e na audiência.
Francisco de Oliveira, o sociólogo pós-petista, afirmou que a política ficou irrelevante. Eu acrescento ao pensamento do professor: ela virou também entretenimento da pior qualidade. Uma evidência disso é que a maioria dos telespectadores preferiu o Fantástico, da Globo, ao debate entre os presidenciáveis, ocorrido no domingo (8/10), na Rede Bandeirantes de Televisão.
Outra evidência foi manifestada, durante a semana, pelas colunas políticas nacionais que vibraram com a montagem fotográfica que trouxe o rosto de Heloísa Helena colado em um corpo de mulherão. Nesse ambiente que não demarca mais fronteiras entre o social e o privado, entre jornalismo e entretenimento, entre jornalismo e assessoria de imprensa, gente como Cicarelli, Clodovil, Maluf, Lula, Alckmin, Bush, Roberto Freire, Bornhausen e Mercadante, todos são farinhas do mesmo saco.
Quem perdeu tempo na noite de domingo assistindo ao tão falado debate, pôde conferir a irrelevância da arena política. Lá, Geraldo e Lula, em busca de mais votos, abriram mão de suas identidades, e seguiram scripts mecanicistas, semelhantes aos dos serviços de atendimento ao consumidor (Sacs), em que cada atendente responde ao que já está previamente escrito e esperado. A pergunta indeterminada ou desconhecida é sempre passada para outro ramal, até que a ligação caia.
Naquele simulacro de debate, a política que verdadeiramente interessa, ‘aquela que viabiliza a polis‘, ficou de fora. Parece que o que interessa aos nossos políticos e à imprensa é mesmo a barbárie: um mundo sem regras, sem normas; no mínimo sem a boa educação, a delicadeza. O que resulta em muito factóide e furo.
Falas e gestos
Esse tipo de evento na televisão tem quase cinco décadas. É basicamente impulsionado por muito marketing, dinheiro e sacanagens. O resultado é que a sociedade desconfia cada vez mais do que vê e ouve na tela de televisão e nas páginas da imprensa.
O marco inicial desse tipo de sujeira eletrônica, em 1960, foi o debate na televisão entre John Kennedy e Richard Nixon. Na época, um dossiê informou à assessoria de Kennedy que Nixon sofria de uma doença que o fazia suar em bicas. Os spins doctors de Kennedy não perderam tempo e pressionaram a produção do debate para que, durante todo o programa, a temperatura do estúdio ficasse infernal. O suor de Nixon foi percebido pelos eleitores como nervosismo e insegurança.
Longe de transformar esse tipo de comunicação com os eleitores em algo informativo e transparente, esses embates transformaram-se em terreno propício para ‘pegadinhas’ ou para jogo pesado. Em um debate brasileiro, o candidato Eduardo Suplicy não conseguiu responder qual era o preço de um pão francês. Você sabe? Em outro, Fernando Henrique Cardoso foi inquirido se acreditava em Deus. Fernando Collor quis, em debate, embaraçar Lula denunciando que o petista possuía um aparelho de som, três em um. Alckmin, no debate, insinuou que Lula não conseguia articular perguntas, por isso mesmo precisava lê-las. O resultado é que não existe mais a boa ambigüidade nas falas e nos gestos. Não é possível a saudável mistura, o meio termo.
Traquinagens retóricas
No último debate domingueiro, o metalúrgico quis ser Vargas, o mito. O tucano se apresentou como Lacerda, o corvo. Os papéis de bom ou mau, de inteligente ou limitado, de preparado ou despreparado, de bem ou mal vestido, oscilaram entre os dois candidatos. Nesses debates, as roupas, maquiagens, as torcidas, os temas são obras de equipes multidisciplinares de comunicação, nas quais relações-públicas, jornalistas e publicitários se transformam em spins doctors – aqueles protagonistas das sombras do marketing político que trabalham movidos por muita grana para desqualificar os adversários girando na contramão dos fatos.
Os spins-doctors do domingo (8/10) inventaram traquinagens retóricas tais como o ‘Aerolula’, ‘os cartões corporativos’ e ‘as privatizações da Petrobras e do Banco do Brasil’. Essa gente que não ama o país deixou a transcendência fora do debate. Temas como a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, tão relevantes para o país, quase sem futuro, não foram lembrados.
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)