CRISE POLÍTICA
O principal cassado da crise
‘Um ano de espetáculo cotidiano pela televisão, pelo rádio e pelos jornais, tendo como tema os desarranjos da política, mostrou a aparente facilidade com que grupos devotados a seus próprios interesses podem se apossar de setores vitais do Estado. Mas não pôs diante dos olhos do povo brasileiro apenas a corrupção endêmica, mesmo em sua nova versão pretensamente de esquerda. O espetáculo de certo modo politizou a relação do cidadão com a notícia, ampliou o conhecimento da sociedade a respeito do Estado. O que foi divulgado com intenções perversas, como o extrato bancário do caseiro de Brasília, acabou sendo redefinido pelo poder de desvendamento da verdade que resultou da informação crítica e investigativa.
O efeito positivo da crise política e do espetáculo foi o de revelar que só não estamos sob uma ditadura disfarçada porque há no cenário político brasileiro homens íntegros. Aqueles que transformaram as notícias e as denúncias em fatos políticos, em questionamentos do arbítrio. É um alívio saber que este país não é refém de notórios messianismos. As revelações da crise enriqueceram nossa consciência política.
Mas há senões. Em sua fala autodefensiva, o ex-presidente da Câmara, em face da denúncia que contra ele fez a Comissão de Ética, apelou para o reconhecimento da precedência do tribunal maior em casos assim, que é o eleitorado. Sua condenação pela Câmara seria, no fundo, uma usurpação de legitimidade e de atribuições. Em última instância, cabe ao povo decidir, o que é verdade. O apelo funcionou em seu favor. No entanto, a decisão dos eleitores e a expressão eleitoral da opinião pública dependem da informação livre e não da forjada, do debate democrático e não de entreveros corporativos. Sem acesso à verdade, o eleitor é pretexto.
Ora, na boca de quem justamente acabara de acusar a imprensa de responsabilidade pela crise e pelas denúncias apuradas e formalizadas pela Comissão de Ética, de que tribunal maior está ele falando? Que opinião pública pode haver se os meios de informação não colocarem na agenda das consciências, a cada dia, os fatos que perturbam, as contradições que lhes revelam o teor, a inconsistência maliciosa das versões? Esse apelo mostrou o quanto é falaciosa certa concepção de cidadania e dos direitos políticos do cidadão. Os que se consideraram vitoriosos nesse embate tiveram uma falsa vitória. Não fosse a mídia, pondo diante das nossas consciências a diversidade das notícias relativas aos fatos perturbadores, e estaríamos todos caçando informações a poder de tacape para entender o que acontece e meditar sobre elas na fria escuridão de nossa caverna primitiva.
Os episódios desses meses todos, e de seus recentes desfechos nas absolvições em desacordo com as acusações fundamentadas, mostraram a persistência do abismo histórico que separa o poder e o povo. Aliás, sob um governo cujo partido tinha as condições para reduzir substancialmente esse abismo, e tinha mandato específico para isso, e não o fez. Foi o que mais se conformou com ele. Os políticos que optaram pela conivência com os envolvidos fizeram-no porque desdenham a força da opinião pública. Consideram-se a salvo no corporativismo ainda dominante no Parlamento. Para eles, o povo é apenas uma categoria abstrata que pode ser mobilizada a cada eleição para legitimar pretensões de poder, que pode ser descartada em seguida com o efetivo rompimento dos elos que deveriam ligar quem vota e quem é votado. Vitimados pelos vícios do sistema partidário, muitos eleitores contribuem para esse distanciamento. Facilmente esquecem o nome e o partido do candidato em quem votaram.
Um dos fatos auspiciosos da resistência ao regime militar foi, sem dúvida, a proliferação de movimentos sociais e de organizações populares. Um novo sujeito político emergiu e ocupou o abismo entre o poder e o povo. O que veio a ser o Partido dos Trabalhadores propôs-se a ser expressão partidária desse novo sujeito, parasitou organizações e movimentos, sujeitou-os, transformou-os, sob inspiração leninista em fonte de energia do Partido, a correia de transmissão do poder.
Porém, com o partido no poder, os movimentos sociais e as organizações populares foram esvaziados. Muitos de seus militantes foram cooptados nos milhares de cargos de confiança do Estado. O novo sujeito que enchera de vida o abismo da política brasileira foi silenciado. Mesmo que organizações e movimentos continuem fazendo o teatro da luta social, da reivindicação radical, o que nos dizem é que o que era sério se tornou farsa. Na prática, o vazio está reaberto. Embora os compromissos dos que chegaram ao poder na onda do florescimento desse novo sujeito político não sejam os mesmos das oligarquias.
A serena confiança do ex-presidente da Câmara, dos outros envolvidos nos fatos denunciados e do próprio presidente da República tem sua razão de ser. Eles cresceram politicamente já com o antídoto para a crítica e o questionamento que pudessem alcançá-los. Fizeram a satanização preventiva dos adversários possíveis. Tudo se baseia num jargão de conceitos bipolares. Para cada palavra de um adversário há uma contrapalavra do político e do militante. De modo que, quando alguém faz uma denúncia contra um membro da corporação, ela nunca chega até o militante ativo que faz funcionar a máquina da mobilização e do convencimento eleitoral. O discurso antagônico e crítico já chega ao ouvinte e eleitor com o significado invertido. Tudo que não é do partido é neoliberal, mesmo quando a imensa maioria dos militantes não tenha a menor idéia do que isso pode ser. E tudo que não é do partido é de direita, porque obviamente só o partido é de esquerda, mesmo que os militantes não saibam esquerda exatamente de quê.
Nesse processo todo, houve, sem dúvida, um único condenado fatal: o novo sujeito nascido das lutas populares, que começara a renovar costumes políticos e até inovar no direito social, como se viu na própria Constituinte. Perdeu a voz e perdeu o mandato.
* José de Souza Martins é professor titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo’
PAPEL DOS INTELECTUAIS
Silêncio das boas cabeças
‘O sociólogo americano Steve Fuller, que vive na Inglaterra, conquistou muitos inimigos como articulista de jornais como o New York Times e o Independent. Fuller é o que normalmente chamam de encrenqueiro, adora provocar seus pares da academia fazendo perguntas incômodas como ‘o que Newton pensaria da física moderna?’ ou ‘por que os filósofos analíticos progrediram tão pouco desde Platão?’ Fuller falou por telefone com o Estado sobre sua mais nova provocação, o livro O Intelectual: O Poder Positivo do Pensamento Negativo (Relume Dumará, 160 págs., R$ 29,90). Nele, o professor de sociologia na Universidade de Warwick condena acadêmicos pela ausência no debate público – como se vê, o ‘silêncio dos intelectuais’ não é fenômeno exclusivo do Brasil . E sugere que os filósofos recuperem o tempo perdido entrando na discussão antes que sejam expulsos da república e da mídia, hoje ocupada por intelectuais nem sempre oriundos do mundo acadêmico.
Fuller é uma figura polêmica. Aceita a condição pós-moderna, advoga o republicanismo cívico e defende o modelo clássico da universidade como instituição dedicada ao ensino e à pesquisa. Em seu novo livro, adota como modelo um clássico do século 16, O Príncipe, o tratado da arte de governar escrito por Maquiavel. Seria o suficiente para um de seus opositores, o crítico Christopher Hitchens, derrubá-lo num duelo verbal, mas, tomando a dianteira, Fuller não o poupa. Acusa o esquerdista Hitchens de paranóico e de estar a serviço de uma missão imperialista ocidental, ao propor uma política externa dura contra o que chama de ‘fascismo islâmico’.
Seu livro, no entanto, não se propõe a desmontar a barraca intelectual de Hitchens ou Noam Chomsky. A tese central tem como alvo o acadêmico que recusa a autonomia de pensamento para defender seu território. O verdadeiro intelectual, diz, aproxima-se da verdade à medida que detona crenças antigas e inspira outros a pensar por conta própria. Sua obra pretende ser um guia barulhento de como se tornar um intelectual – inclusive com uma seção de perguntas e respostas e uma conversa dura entre um filósofo e um intelectual fascinado pelo poder da mídia, poder esse discutido por intelectuais e acadêmicos ouvidos pelo Estado.’
***
O poder do pensamento negativo
‘O sociólogo Steve Fuller costuma dizer que o intelectual é como Batman, sempre à procura do sinal do morcego nos céus de Gotham City para intervir. Como o super-herói dos quadrinhos, o intelectual lê as notícias do jornal em busca de sinais do mundo desesperado. Um mundo que parece destinado a ser salvo por ele. Não é, digamos, uma imagem muito favorável aos que dedicam sua vida à reflexão. Fuller, além de intelectual, é idiossincrático.
Diz, por exemplo, que os sofistas são os protointelectuais da Grécia antiga, perseguidos pela fúria dos filósofos platônicos que os difamaram. Diz também que todo intelectual é paranóico, citando Nietzsche, que via o poder em todas as instituições, e Freud, que via sexo por trás delas. Sobre suas teses, Fuller fala na entrevista abaixo.
Intelectuais deixaram de ser identificados como acadêmicos e atingiram o status de ídolos pop, ocupando espaço na televisão, nas revistas e nos jornais. Você escreve em O Intelectual que os acadêmicos devem se lembrar de seu papel de semear para a próxima geração. Isso quer dizer que o tipo de intelectual descrito em seu livro é insustentável?
Não exatamente. As críticas de Zizek ao totalitarismo são pertinentes. O jornalista anglo-americano Christopher Hitchens chega mais perto desse perfil de intelectual polêmico, que tem opinião sobre tudo, de madre Teresa de Calcutá ao ataque às torres gêmeas, defendendo posições que provocam os mais conservadores por ser, como Chomsky, um homem de esquerda. Já vai longe o tempo de Sartre, em que filósofos participavam ativamente da vida política, até mesmo como militantes. Hoje, pessoas como Hitchens só sugerem políticas agressivas que refletem muito mais a paranóia dos intelectuais contemporâneos.
Por que você escolheu Maquiavel como modelo entre outros importantes pensadores? O Intelectual pretende ser uma versão revista e atualizada de O Príncipe?
Sim. Como explico na introdução, meu livro é para e sobre gente como Maquiavel. Pessoas precisam ser educadas para se tornar intelectuais e, como acadêmico defensor da universidade, sei o que significa um bom treino ou uma boa pesquisa. Assim como, no século 16, O Príncipe ensinou a arte de governar, tendo em mente o republicanismo cívico romano, O Intelectual pretende ensinar a pensar com autonomia.
Hitchens ou Chomsky parecem corresponder ao perfil do intelectual autônomo, mas também ao do megalomaníaco descrito logo no começo do livro, em que você diz que os intelectuais sofrem de ligeira paranóia. Por que intelectuais são mais suscetíveis às teorias de conspiração?
Hitchens é, sem dúvida, um dualista. Ele só vê em preto-e-branco. Obviamente, não endosso seu ponto de vista e tenho razões de sobra para isso, principalmente por seu insustentável argumento de que os Estados Unidos mereceram os atentados do 11 de Setembro pela forma com que os americanos tratavam os muçulmanos, voltando atrás logo depois ao sugerir uma política externa mais agressiva contra o fascismo islâmico. Intelectuais típicos são assim, paranóicos. Tendem a ser negativistas. Muitas pessoas de quem falo no livro são de esquerda, admito, mas ainda prefiro a lógica à paranóia.
Num diálogo imaginário entre um filósofo e um intelectual, incluído no livro, você conclui que intelectuais, embora menos habilitados a colaborar com a sociedade, são mais atuantes que os filósofos. Há ainda algum papel social reservado aos filósofos neste mundo turbulento?
Não me queixo dos intelectuais que aparecem na televisão ou têm colunas nos jornais, mas do modo que o conhecimento está sendo transmitido, hoje, nas universidades. Não se deve esquecer que tanto Hitchens como Zizek são oriundos do meio acadêmico, mas é preciso lembrar que Sartre e os filósofos de seu tempo avançavam mais que eles por causa do sentido que davam à oposição. Há um desperdício da força jovem de intelectuais acadêmicos mal treinados pelas universidades para participar da vida pública. A dificuldade que os filósofos têm de se comunicar com o grande público, insistindo numa retórica fechada, também contribui para a projeção de intelectuais com maior poder de persuasão.
Armas tecnológicas como a internet costumam transformar não só o papel social como a natureza dos intelectuais. Como você imagina a vida intelectual no futuro?
É uma questão interessante. Podemos imaginar a classe média ligada à internet em busca de informação e misturando tudo graças à fragmentação não só da rede como do mundo das idéias. Os blogs, por exemplo, pretendem ser um microcosmo intelectual em que pessoas se dirigem a outras com medo de ser ignoradas, esquecidas pela história. Ora, muitos intelectuais do passado também o foram, e posso até mesmo lembrar o exemplo de Sartre, que, influente, foi desvalorizado por seus opositores, a despeito da legítima contribuição que deu à filosofia ou à literatura. Hoje, Sartre é mais lembrado por sua postura política que por sua obra. Habermas, para mim, é o exemplo atual mais próximo do modelo desse intelectual, preocupado com os oprimidos e comprometido com as tradições racionalistas, mas seus discípulos são difíceis de suportar, porque não pensam por eles mesmos. Os blogs são mais ou menos o reflexo do que pode acontecer no futuro se a academia não ensinar essa gente a pensar por contra própria, assimilando idéias alheias sem questionar.
Seu estilo já foi comparado ao de Voltaire, particularmente por causa do sarcasmo embutido em seus textos. Por outro lado, há quem o acuse de ter reinventado o positivismo no século 21. Quem, afinal, está certo e quem está errado?
Ambos estão certos, mas acho que os que me comparam a Voltaire estão mais certos. Voltaire se comportou como um cético grego ao provocar teólogos que atribuíram à justiça divina o terremoto de Lisboa em 1755, catástrofe que não poderia ter sido evitada, apesar de Rousseau defender o contrário, culpando os lisboetas pelo terremoto. Como Voltaire, gosto de provocar a academia de vez em quando, não para ricularizá-la, mas como uma crítica positiva sobre a falta de clareza dos acadêmicos. Poderia, a exemplo de Voltaire, perguntar: onde está o iluminismo e onde estão as instituições capazes de proteger a vida intelectual?
Há futuro para a academia?
É uma pergunta difícil de responder. Se o Estado não bancar o acesso de seus cidadãos às universidades, só nos restará o modelo americano, que é uma opção controvertida, mas considerável. Pessoas que freqüentaram a universidade dariam sua contribuição para manter a instituição, a exemplo do que os religiosos fazem com suas igrejas. Não vejo nada de mau nisso. É a fórmula de Harvard e Yale, ou pelo menos era até os formandos resolverem ganhar muito dinheiro e fazer da academia um trampolim, esquecendo-se de suas obrigações acadêmicas. A universidade deve ser tratada como um centro médico, um hospital, onde você entra doente para se curar – no caso, da ignorância. É muito importante que a universidade esteja integrada ao poder sem esquecer que sua missão é a pesquisa para o bem público. O problema, hoje, é que os estudantes viram especialistas cedo demais. Um pouco de cultura básica e história não faz mal a ninguém. Era isso o que defendia a universidade alemã no passado.’
***
Intelectuais divergem sobre o papel da academia
‘O Estado ouviu personalidades sobre o papel do intelectual na vida social. Divergem as opiniões sobre um possível confronto entre a academia e livres pensadores. Alguns defendem que os acadêmicos mantêm distância do debate público. Outros dizem que o lugar dos filósofos foi ocupado por franco-atiradores intelectuais. Abaixo, excertos de suas declarações.
Frederico Barbosa (diretor da Casa das Rosas): ‘A universidade é hoje um centro de dogmas e favores, onde as pessoas se beneficiam de acordo com as idéias que seguem. O papel dos intelectuais desvinculados da universidade – no México, se fala muito em ‘críticos independentes’ – é o de instigar, de provocar, de fazer com que as pessoas reflitam sobre suas crenças.’
Renato Janine Ribeiro (professor de Filosofia): ‘Não compartilho da idéia de que os intelectuais estão fora da discussão pública. Talvez a tese valha para outros países, mas não para o Brasil. Se você examinar a mídia, sobretudo a imprensa, vai ver que há muitas pessoas da universidade opinando – não estou dizendo que é de maneira inteligente, mas opinam, sim. Mas essa presença é regulada por critérios da imprensa, que é um pouco preguiçosa e costuma ouvir sempre os mesmos nomes, que opinam sobre tudo. ‘
Milton Hatoum (escritor): ‘Chomsky, que é totalmente boicotado pela grande imprensa americana, atrai multidões nos debates acadêmicos. Nos programas de TV há pouco espaço para a intervenção de intelectuais sérios. O que prevalece é o tipo cínico, meio bufão, ou que diz meias-verdades. Quanto à recente crise política, muitos professores e acadêmicos já se manifestaram sobre o assunto. Várias entrevistas com esses intelectuais foram publicadas no caderno Aliás. Há também os que preferem o silêncio à manipulação de uma parte da mídia. Um exemplo? Quando o assunto é terrorismo, poucos entrevistados falam ou podem falar no terrorismo de potências militares e econômicas. Se você é proibido de analisar certas questões por todos os ângulos, é melhor não falar nada.’
Davi Arrigucci Jr. (crítico e professor de Literatura): ‘Não saberia dizer o que se passa nas universidades hoje, mas não se deve esquecer que Chomsky, Hobsbawm e outros intelectuais são oriundos da academia. De qualquer modo, há, sim, um certo desencanto dos intelectuais desde os anos 1980, que ficaram alijados da condução da política econômica no Brasil. Nem mesmo os intelectuais que ajudaram a fundar o PT tiveram voz ativa no governo. Se está difícil para compreender, imagine para resolver a situação.’
Eduardo Luft (filósofo): ‘A Filosofia ficou descolada de questões relevantes e, quando a academia não tem muito a dizer, as discussões ficam intramuros. John Gray já falava dessa falência de modelos idealistas, fora da realidade, em Cachorros de Palhas.’
Marçal Aquino (escritor): ‘Não me lembro de um debate no Brasil em que não houvesse dedo em riste. As idéias, no Brasil, ficam em segundo plano e qualquer tentativa de intervenção do intelectual é vista como tentativa de provocar debate. Há, sim, um certo fastio, um certo desânimo entre os intelectuais.’’
ITÁLIA
Berlusconi viola lei e vai à televisão
‘O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, encerrou sua campanha eleitoral exatamente como começou, isto é, infringindo regras, leis e regulamentos estabelecidos para equilibrar a participação dos candidatos nas entrevistas e debates de televisão.
Depois de ter reafirmado, na Praça do Plebiscito, em Nápoles, o polêmico termo ‘coglioni’ – uma forma vulgar utilizada por ele para definir seus adversários, que significa literalmente ‘testículos’ e pode ser traduzida como idiota ou frouxo -, Silvio Berlusconi compareceu na noite de sexta-feira aos estúdios de sua própria emissora de televisão, a Rete 4.
Lá ele concedeu uma longa entrevista, de quase duas horas de duração, ao chefe de redação do diário Il Giornale, cujo diretor responsável é seu próprio irmão. O jornal também faz parte do grupo de empresas de Berlusconi.
Embora a entrevista tenha sido encerrada antes da meia-noite de sexta-feira (horário determinado pela lei para o término de todo tipo de campanha eleitoral), as regras fixadas prevêem que os candidatos devem ter o mesmo tempo de palavra – algo que o adversário de centro-esquerda de Berlusconi, Romano Prodi, não teve.
O desrespeito a essa regulamentação em ocasiões anteriores nessa mesma campanha, foi responsável por duas multas aplicadas ao candidato da Força Itália, de 150 mil e 250 mil, mas isso não parece ser um mmotivo de preocupação do homem tido como o mais rico do país.
NOVA PUNIÇÃO
Por ele ter comparecido aos estúdios de sua própria emissora, sem que houvesse a possibilidade de que Romano Prodi tivesse o mesmo espaço, a comissão eleitoral deverá aplicar-lhe uma nova multa. Entretanto, Silvio Berlusconi promete recorrer contra essa e as outras multas já decididas na Justiça eleitoral.
No inicio da semana passada o primeiro-ministro e candidato a um novo mandato de cinco anos já havia provocado uma polêmica, quando Romano Prodi não aceitou participar de uma entrevista nessa mesma emissora. Mesmo depois da recusa de Prodi, Berlusconi manteve os planos de comparecer sozinho, mas acabou sendo impedido pela comissão eleitoral, que exigiu respeito ao tempo de palavra dos dois lideres das coalizões.
O primeiro-ministro então tentou se apresentar como vítima, declarando que ‘Prodi o havia impedido de falar’, e afirmou que isso indicaria o comportamento futuro dos grupos de esquerda caso cheguem ao poder.’
TELEVISÃO
Marcha lenta
‘O concurso ‘Ídolos’, que pretende revelar uma estrela musical, começa muito devagar
Apresentadores de ‘Ídolos’ , do SBT :Ligia e BetoA o contrário do comportamento que teve há quatro anos com a Casa dos Artistas, o SBT agora faz a coisa certa. Naquela época, a emissora de Silvio Santos saiu na frente da Globo – que até processou a concorrente – com uma espécie de Big Brother do B, ignorando solenemente os direitos dos que conceberam o reality show e tirando um pouco o impacto do BBB, no qual a Globo colocava uma tonelada de fichas.
Agora o SBT paga por direitos autorais sobre atrações concebidas por outrem, no caso para a americana Fremantle, dona do American Idol (exibido no Brasil desde 2003, pelo canal pago Sony) para colocar no ar o similar Ídolos. O programa que pretende lançar um brasileiro ao estrelato no dia 27 de julho segue – não se sabe até quando, visto a personalidade ciclotímica de Silvio Santos- a fórmula consagrada nos Estados Unidos .
É uma espécie de Fama sem o confinamento dos concorrentes em uma ‘academia’ para se aprimorar. Uma espécie de Pop Star que no SBT lançou à fama efêmera os grupos Rouge e Br’Oz, Ídolos abre as portas para aspirantes a cantor nas cidades de Recife, Porto Alegre, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. A emissora divulga que 12 mil pessoas se inscreveram. Dessas, 30 vão para as semifinais ao vivo e uma ganha o concurso cujo prêmio é um contrato com a gravadora Sony.
O programa de estréia preocupou-se unicamente em apresentar o funcionamento de Ídolos. O casal de apresentadores Lígia Mendes e Beto Marden foi encarregado de mostrar (com entusiasmo além da conta) o passo-a-passo do programa, que durou uma hora. Imagine um manual de utilização de 500 páginas! Foi isso que aconteceu na quarta-feira. A agilidade da edição foi anulada pela extensão. Quem agüenta uma explicação que dura 60 minutos!
É bem possível que o público tenha sentido o excesso e saído do canal. Ídolos registrou 10 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo) contra os 13 que a competição amorosa Casamento à Moda Antiga vinha marcando no horário.
Assim como o American Idol, a versão brasileira é sustentada pelo seu corpo de jurados. A maior graça do show americano é o júri formado por Paula Abdul, Simon Cowell e Randy Jackson. Eles são engraçados, surpreendentes e inteligentes e fazem seus papéis de maneira convincente. Claro que as participações especiais de artistas do primeiro escalão – Lionel Ritchie, Quentin Tarantino, Gloria Stefan, por exemplo – contribuem para o programa entrar na quinta temporada na condição de líder.
O júri nacional, formado pelos produtores musicais Arnaldo Sacomani, Thomas Roth, Eduardo Miranda e pela cantora/produtora Cynthia Zamorano (ou Cys), segue a fórmula do original alternando afagos e esculhambações nos candidatos e concordâncias e divergências entre si. Esse grupo tem a vantagem de ser do ramo, ou seja, são profissionais credenciados para estar ali. Bem diferente da bancada de ‘universitários’ de smoking, que errava perguntas básicas no extinto Show do Milhão.
Se vai pegar ou não, vai depender também da qualidade dos candidatos e do repertório. Mas, mesmo sendo cópia de um importado, não deixa de ser interessante o investimento do SBT em algo que não seja um bando de faz-nada em uma casa monitorada por câmeras ou um remake do Namoro na TV.
Dar chance para brasileiros mostrarem – mesmo que de passagem – algum talento já é um avanço. Abrir espaço para a música na TV é uma necessidade que finalmente começa a sensibilizar as emissoras.’
******************
Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.