Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘A sucessão ao Governo do Ceará, especialmente as circunstâncias a envolverem três dos principais líderes políticos do Ceará – o governador Lúcio Alcântara, o senador Tasso Jereissati (ambos do PSDB) e o ex-ministro Ciro Gomes (PSB) – estiveram destacadas na capa das sete últimas edições do O Povo, incluindo a de sexta-feira (dia em que esta coluna foi concluída). Como é de conhecimento geral, Ciro e Tasso mantêm uma antiga aliança no Ceará, independentemente de cargo, partido e posição política que cada um assuma em nível nacional. É um arranjo incomum, talvez único na política brasileira. (Ciro já declarou não haver ‘força humana’ que o impeça de ‘continuar conversando com Tasso sobre os destinos do Ceará’.)

Visto por este prisma, tem-se um atenuante à contradição de Ciro Gomes ser um dos principais aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro até recentemente, estando entre os cogitados para ser o candidato a vice-presidente na chapa do PT, ao tempo em que o senador Tasso Jereissati constitui-se um dos mais ásperos críticos do governo petista. Assim, devido à oposição entre PSDB e PSB no Ceará, pode-se entender o fato de os dois aliados estarem buscando formas de reduzir possíveis atritos entre eles na política local.

A introdução é importante para avaliar a tempestade que se formou a partir da seguinte manchete do O Povo: ‘PSDB ensaia apoio a Cid’ (31/3). Sendo que o político referido no título é Cid Gomes (PSB), ex-prefeito de Sobral, e irmão de Ciro. Segundo reportou o jornal, ‘reunidos em Brasília, Tasso Jereissati e Ciro Gomes propuseram ao governador Lúcio Alcântara que desistisse da candidatura à reeleição e abrisse espaço para Cid Gomes concorrer ao governo com o apoio do PSDB’. Para Lúcio, ficaria reservada a candidatura ao Senado, evitando-se ‘o confronto do PSDB com o clã Ferreira Gomes’, informava a reportagem. Ainda segundo o jornal, o governador recusou a proposta.

A manchete da edição do dia seguinte (1º/4) foi: ‘Ciro nega acordo com o PSDB’, registrando que o ex-ministro chamava de ‘boataria’ as informações sobre a proposta que visaria afastar Lúcio Alcântara da candidatura à reeleição. ‘Ao contrário do que está dito nos jornais, não há nenhum acordo entre eu e Tasso (…) discutimos a alternativa A, a alternativa B, a alternativa C e a alternativa K. O governador Lúcio, sentindo-se ameaçado por uma das alternativas, mobilizou seus amigos que plantaram na imprensa de Fortaleza o que os jornais estão publicando’, afirmou Ciro. Internamente, o tema ocupou as páginas 13 e 23. Somente ao fim da matéria da pág. 23 foi publicada uma ‘Nota da Redação’ confirmando as informações que o jornal divulgara no dia anterior. No comentário interno sobre o assunto, escrevi que o jornal se equivocara na manchete, pois, na edição anterior, não se noticiava um ‘acordo’, mas uma possibilidade apresentada a Lúcio e rejeitada por ele. Disse que, se o jornal sustentava as notícias que publicara, o destaque na capa e nas matérias deveria ter sido o confronto entre as informações que a editoria de Política havia chancelado como boas e as declarações do ex-ministro classificando-as de ‘notícias plantadas’ (isto é, falsas), por suposto interesse político do governador. Considerei, portanto, a nota da Redação um instrumento insuficiente para se contrapor à acusação grave de Ciro Gomes à imprensa e, por conseguinte, ao jornal.

Na terça-feira (4/4), a situação estava mais tensa. A manchete de capa anunciava: ‘Rota de colisão – Tasso e Ciro batem em Lúcio’, informando-se sobre uma grande reunião pública convocada por Tasso Jereissati com prefeitos, deputados e militantes do PSDB. No encontro, realizado em Fortaleza, o senador pronunciou um duro discurso com críticas diretas ao governador e, em outras passagens, falando em ‘falsidade’, de pessoas com ‘duas caras’, acusações que o jornal evitou relacioná-las diretamente a Lúcio – apesar de a reunião ter sido organizada com o objetivo de dar uma resposta à versão ‘deturpada’ a respeito da negociação entre os três líderes políticos.

Na mesma edição, fiel ao seu estilo, Ciro Gomes foi mais direto. Em entrevista ao jornalista Eliomar de Lima disse que a versão ‘fraudulenta’ de que ele e Tasso queriam afastar o governador da disputa do segundo mandato fora divulgada pelo próprio Lúcio Alcântara: ‘Essa versão que o cidadão produziu não tem cabimento’, disse ele. O repórter pergunta: ‘Essa versão é do governador?’ A resposta de Ciro: ‘Claro, só tínhamos nós três na conversa. Se não fui eu e não foi o Tasso, foi quem?’ Na mesma entrevista, questionado, o ex-ministro disse que foram avaliadas várias possibilidades sobre a sucessão estadual. E que em ‘uma das 20 alternativas que examinamos, era necessário comunicar ao governador Lúcio Alcântara (…). E isso foi feito por ele, Tasso. Qual não foi minha surpresa (quando) o assunto vazou como se ele tivesse uma das alternativas já resolvidas…’ Nesta edição, o jornal não se preocupou nem mesmo em reafirmar as informações que dera originalmente sobre o assunto.

Para o editor de Política, Erick Guimarães, ficou bastante claro que o jornal sustentou as informações divulgadas sobre o encontro entre Ciro Gomes, Tasso Jereissati e Lúcio Alcântara – na qual teria sido proposto o afastamento do governador de sua própria sucessão. ‘Nós cruzamos a informação com várias fontes, e ela é verdadeira’, disse o editor. Questionado por que o jornal deixou de reafirmar o fato nas edições que se seguiram sobre o assunto, ele diz não ter visto necessidade. Mesmo porque ‘Tasso e Ciro confirmam a veracidade da informação ao reconheceram que discutiram várias possibilidades para a sucessão do Governo do Estado e, certamente, entre elas, estava aquela que divulgamos’. Erick também destaca que, em momento algum, o jornal afirmou que havia um acordo fechado, atendo-se a citar uma das possibilidades discutidas, ‘na nossa visão a mais importante no momento, pois exigia a desincompatibilização imediata do governador para concorrer ao Senado, o que não seria necessário para disputar a sua própria sucessão’.

Os fatos relatados mostram como será complicada a cobertura das eleições que se aproximam. Não resta dúvida que um dos alvos preferidos dos políticos será, como de costume, a imprensa – e isso exige sangue frio dos jornalistas, de modo a oferecer aos leitores informações e análises da forma mais precisa possível.

Atendimentos do ombudsman – jan a mar de 2006

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