À primeira vista, parece mais uma campanha vitoriosa. Mas o que a dupla Brahma e Zeca Pagodinho protagonizam atualmente na televisão brasileira vai além. É, na verdade, mais um episódio público do qual emergem partes obscuras da alma nacional. O recado que o ilustre sambista dá a todos é que o que manda mesmo é o dinheiro. Por mais que ele diga que está só voltando a um grande amor, sabemos todos, até mesmo pelos jornais, que no fundo estão envolvidas grandes cifras. Seu cachê, as verbas publicitárias da Brahma, o mercado cervejeiro nacional, a grande repercussão na mídia de toda a polêmica – o que sempre é contabilizado positivamente e gera recall.
É público que Pagodinho sempre bebeu a tal marca. Porém, já na primeira campanha ele havia penhorado sua fama de cervejeiro para vender uma concorrente. Parecia honesto, um ato de vontade soberano. Até então, no vale-tudo do controle sobre o consumo, os mecanismos ainda estavam submersos, encobertos pelas belas modelos, pela música, pela fotografia, pelo sorriso das personalidades que atestavam uma idéia: experimenta! Não foi a primeira, nem será a última vez, que algum famoso tem a oportunidade de garantir sua aposentadoria vendendo algo aos simples mortais de salário mínimo.
O que a recente campanha da Brahma torna visível é uma lógica sórdida: tudo tem um preço, é só uma questão de acordo. Seja na nossa vida privada, seja nas mais altas esferas públicas, não tem mais valor a palavra, a ética, ou mesmo os contratos que organizam uma sociedade. É, sem conservadorismo, uma questão de crise de valores. Por mais que se queira mascarar, a auto-referência entre os comerciais (sim, já está no ar um contra-ataque da Schin com um figurante tipo Zeca Pagodinho) deixa claro que alguma coisa estranha aconteceu, pelo menos no coração do sambista – ou na sua conta bancária.
A publicidade brasileira deu um passo em falso; mais um. Mais uma vez ela espelha algo que atormenta nossos sonhos e impede que esse país, finalmente, avance. Ao refletir, reforça, mesmo que tudo venha empacotado em referências amorosas e cordiais. A publicidade esquece que ela também, de alguma forma, é responsável pela formação de valores sociais entre todos nós brasileiros, telespectadores e amantes da cerveja. Foi uma grande jogada de marketing, não temos dúvidas. Como bem lembrou a colunista da Folha Danuza Leão, o episódio remete a uma outra campanha polêmica protagonizada por Gerson para uma marca de cigarro há algumas décadas. Parece que aquela velha lei continua em voga no Brasil.
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Professor de Jornalismo