Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

“Sempre aguerridas, campanhas eleitorais despertam paixões exacerbadas, fazendo aumentar o trabalho do ombudsman em tais períodos. Porém, este ano, o número de manifestação de leitores não aumentou significativamente. Na minha avaliação, um sinal indicativo da postura equilibrada do jornal na cobertura das eleições.

O editor de Política, Erick Guimarães, afirma que manter o equilíbrio foi preocupação constante da editoria. Equilíbrio este baseado em ‘critérios jornalísticos’ e não na ‘centimetragem’ (espaço) destinada a cada candidato nas páginas do jornal, diz ele. Erick admite ter ouvido ‘queixas, como em todas as campanhas’ das assessorias dos candidatos e de leitores. Segundo o editor, a maioria dos protestos baseava-se na análise isolada de uma única edição ou reclamos pelo fato de o jornal ter deixado de publicar, ou tê-lo feito sem destaque, alguma informação que os candidatos julgavam importante.

Erick também destaca como ponto positivo a divulgação das pesquisas: ‘O Povo foi o único jornal do Nordeste a contratar o Datafolha, o instituto mais conceituado do País’. Ele destaca que a parceria com a TV Jangadeiro, que divulgava a sondagem em primeira mão, levou a editoria a investir mais na análise. ‘Divulgar a pesquisa depois que os leitores já sabiam os seus números, nos obrigou a entender os detalhes e a buscar ângulos diferentes daqueles que já haviam sido apresentados pela televisão’. O editor também destaca a publicação de dois cadernos denominados ‘Raio-X’, com orientação prática aos eleitores e balanço do trabalho realizado pelos deputados cearenses na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal.

Se a postura equitativa pode ser destacada com fato positivo, é preciso notar que faltou inovação à cobertura. No geral, a pauta ficou restrita à agenda escolhida pelos candidatos, cujas propostas limitaram-se a variações em redor do ‘grande salto que o Ceará merece’ e ‘já fez muito e vai fazer mais’, palavras que pouco dizem, mas sobre as quais os principais contendores organizaram suas campanhas. Se este ano a cobertura ganhou extensão, com o jornal acompanhando as principais atividades dos candidatos na capital e no interior, faltou intencioná-la, dando-lhe mais profundidade e análise. De qualquer modo, olhando-se o panorama local e nacional, verifica-se comportamento parecido em todos os jornais. Isso pode não servir de justificativa, mas sugere que a imprensa precisa rediscutir a cobertura das campanhas eleitorais, de forma a melhor contribuir para o esclarecimento dos (e)leitores.

No Brasil

Quanto à campanha presidencial, recuso a tese que aponta a imprensa agindo em conjunto de modo a prejudicar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusação rotineira nos discursos petistas. Entanto, alguns pontos precisam ser destacados.

1) Se foi correto a imprensa ter dado destaque à prisão dos petistas que intentavam comprar o dossiê, com material supostamente negativo ao candidato Geraldo Alckmin e ao (agora) governador eleito de São Paulo, José Serra (ambos dos PSDB), é chegada a hora de investigar também o conteúdo dos documentos. Principalmente o que se refere ao prefeito tucano de Piracicaba (SP), Barjas Negri, e ao empresário Abel Pereira, ligado a ele. Barjas foi sucessor de Serra no Ministério da Saúde, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

2) É válido cobrar do PT comportamento irrepreensível com relação à ética, pois esse foi um dos pilares sobre o qual o partido construiu-se – e foi correta a cobertura intensiva dos malfeitos nos quais se envolveu; porém, os petistas estão certos ao exigir que as matérias sobre os diversos escândalos (‘sanguessugas’, ‘vampiros’, ‘mensalão’) sejam mais bem contextualizadas. Apesar de isso não constituir álibi para o PT, é preciso reconhecer que os desvios não começaram quando Lula assumiu a Presidência. Buscar a origem seria boa contribuição para erradicá-los.

3) A mídia estava no seu papel ao divulgar fotografia do dinheiro apreendido durante a frustrada tentativa de compra do dossiê, mas esqueceu dos princípios básicos do jornalismo ao omitir em que circunstâncias o CD com as fotografias foi entregue à imprensa pelo delegado da Polícia Federal, Edmilson Pereira Bruno, que conduzira as investigações. Se a imprensa não divulgou o nome do policial, escudando-se no direito de preservar a fonte – ainda que ele tenha passado o material para vários veículos da imprensa –, nada impedia que os jornalistas contassem aos leitores em que situação as fotos foram entregues. Segundo algumas versões, o policial teria dito que o fazia por se sentir prejudicado ao ter sido afastado do caso; outras, que teria deixado claro o objetivo de atingir o PT. O fato é que os leitores tinham o direito de saber, ao tempo em que viam a imagem do dinheiro apreendido, o contexto em que se deu a entrega das fotos e qual foi a conversa entre os jornalistas e a ‘fonte graduada’, como o delegado foi qualificado antes de sua identidade vir a público.

4) Quanto ao ‘colunismo’, vicejante nos mais diversos meios – revistas, jornais, rádios, TVs, e à náusea pela internet –, é preciso tratar como um caso à parte. Podia-se ouvir um tropel demandando pelo segundo turno. Uma grande parte dos colunistas confunde análise com torcida, interpretação com palpite, opinião com insulto. Misturam realidade com ficção (mais desta); alguns psicografam cartas para contrabandear suas ‘mensagens’; outros se escondem (dependendo do caso se revelam) atrás de personagens; mais alguns tratam de forma desrespeitosa, xingam ou inventam apelidos depreciativos, para aqueles a quem querem desancar. Num ambiente desses, perguntar se eles ouvem ‘o outro lado’ pode soar como um ataque à liberdade de imprensa.

5) Será inevitável, neste segundo turno, a comparação entre os governos Lula e Fernando Henrique. A imprensa precisa estar preparada para esmiuçar e pôr à prova a avalanche de números de um lado e de outro.”